Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a absolvição da vidente Valentina de Andrade, que foi acusada de ser mentora da morte de três crianças e da emasculação de outras duas em Altamira, no Pará.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Considerações sobre a absolvição da vidente Valentina de Andrade, que foi acusada de ser mentora da morte de três crianças e da emasculação de outras duas em Altamira, no Pará.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2003 - Página 40611
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • REPUDIO, ABSOLVIÇÃO, RESPONSAVEL, HOMICIDIO, SEQUESTRO, DESAPARECIMENTO, MUTILAÇÃO, CRIANÇA, MUNICIPIO, ALTAMIRA (PA), ESTADO DO PARA (PA), NECESSIDADE, EFICACIA, INVESTIGAÇÃO, JUDICIARIO, PUNIÇÃO, MEMBROS, SEITA RELIGIOSA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEBATE, PROPOSTA, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, ALEGAÇÕES, COMBATE, VIOLENCIA, CRIME, MENOR.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última sexta-feira, após 17 dias de julgamento, a vidente Valentina de Andrade foi absolvida por 6 votos a 1 no processo em que foi acusada de ser mentora da morte de três crianças e da emasculação de outras duas em Altamira, no Pará.

A sentença revoltou os familiares das vítimas, e deixou perplexo o Ministério Público. É que existem fortes elementos do comprometimento de Valentina com a seita Lineamento Universal Superior, acusada de seqüestrar, castrar e matar meninos com idades entre 8 e 14 anos.

O Ministério Público acreditava na condenação de Valentina porque outros quatro acusados no caso foram condenados - um ex-policial militar, um comerciante e dois médicos.

Além do mais, Srªs e Srs. Senadores, apesar do júri não identificar provas de que Valentina lidera a seita em questão, são muitos os elementos que não foram analisados nas investigações e pelo júri.

Observadores internacionais e o governo brasileiro manifestaram esta preocupação. O assessor do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, Douglas Martins, observará em relatório a ser entregue ao ministro que:

Valentina tentou fugir do julgamento, mas o júri não se manifestou; Valentina se diz semi-analfabeta, mas domina o espanhol e escreve um livro; Valentina se disse vocacionada ao amor e à paz, porém demonstrou simpatia quando o ex-marido foi presenteado com uma pistola de cano de ouro e balas de prata destinadas, segundo ela mesma, para matar vampirinhos... Vampirinhos que, para o Ministério Público, são as crianças castradas e mortas.

A vidente também mudou de comportamento ao longo do julgamento - quando se viu fortalecida, ironizou a situação; quando percebeu, em determinado momento, a possibilidade de condenação, se mostrou fragilizada.

Também é importante registrar a compreensão que teve do julgamento a Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos. Diante do resultado do Júri, a Comissão, em nota tornada pública no último sábado, reafirmou:

1.     O princípio da soberania constitucional dos veredictos da instituição democrática do Júri Popular;

2.     Apontou o paradoxo da decisão que desconsiderou importantes elementos probatórios existentes nos autos;

3.     Ressaltou que, diante do peso dos elementos trazidos ao processo, permanece sem respostas e inconclusa a apuração dos fatos e responsabilidades envolvendo a senhora Valentina de Andrade, bem como a participação de outros agentes nos casos de emasculações analisados e a possibilidade da existência de crime organizado e suas conexões;

4.     O resultado do julgamento redobra a determinação da Comissão Especial do CDDPH, principal órgão de defesa dos direitos humanos no Brasil, em continuar buscando a apuração destes crimes hediondos praticados contra meninos indefesos em várias partes do território nacional.

            Chamo a atenção, Srªs e Srs. Senadores, para o item 3: “permanece sem respostas e inconclusa a apuração dos fatos e responsabilidades envolvendo a senhora Valentina de Andrade”, e sublinha a possibilidade de “existência de crime organizado e conexões”.

Aí está, Srªs e Srs. Senadores, a chave de todo o problema. Entre os anos de 1989 e 1993, meninos pobres foram capturados odiosamente por malucos de uma seita, seqüestrados, castrados e mortos e após 14 anos do início das barbáries não se obteve uma investigação rigorosa e conclusiva sobre as ações da seita Lineamento Universal Superior, com sede na Argentina, e sobre as ações de dona Valentina.

Por que será Srªs e Srs. Senadores? Será por que todas as vítimas e sobreviventes são meninos pobres, humildes, anônimos neste gigante País que tanto tem maltratado nossas crianças e jovens ?

Diante de tantos e tantos casos igualmente brutais, perversos e doloridos assistidos pela sociedade e para os que vivem dramas como este dos meninos emasculados do Pará, a resposta é sim. Aos pobres, despossuídos, sem amigos influentes, são negados o laudo pericial em tempo hábil, o exame legal devido, a investigação diligente, a informação precisa, o advogado competente. 

Os abastados, os bem situados e postos na vida logo têm resposta para seu drama, fartamente registrado pela mídia. A estes, todos os recursos do sistema de segurança pública e Justiça são postos a serviço. 

Em declaração à imprensa, o advogado de Valentina apontou erros no trabalho da acusação, entre os quais “a carência absoluta de investigação”.

Mesmo com tantos testemunhos, diante de tanta barbárie, é de se perguntar: os agentes do Estado prevaricaram? Por que faltou investigação? Quem pagará pelo sofrimento de pais, mães e vítimas durante todos estes anos?

Os participantes dos rituais de magia negra são responsáveis, segundo o Ministério Público, pela castração de nove meninos - seis deles foram mortos -, por cinco tentativas de seqüestro e pelo desaparecimento de outras cinco crianças.

Os sobreviventes, agora homens feitos, tiveram os órgãos genitais tirados com instrumento cirúrgico, e por diversas cirurgias já passaram. Quanta dor! 

Meu apelo, Srªs e Srs. Senadores, é por justiça. A nota da Secretaria de Direitos Humanos precisa ser levada em consideração. O relatório que será entregue ao ministro da Justiça precisa ser levado em consideração.

Não queremos julgar e condenar o juiz e jurado. Meu apelo, minha indignação, reside na ineficiência que parece demonstrar este caso as lides da investigação, um processo de longa tramitação, que desnuda a existência de uma seita de magia negra, mas não a liquida.

Quem sabe não faça parte de uma rede de crime organizado, tal qual as de tráfico de órgãos e de jovens para exploração sexual com fins comerciais já identificadas em várias regiões do País.

O Brasil tem de ir fundo nas entranhas do sistema de segurança pública e Judiciário para que impunidades não sejam mais permitidas, crimes não sejam investigados por conta da falta de aparelhamento ou pelo descaso, omissão e corrupção que dominam as instituições de investigação.

O Brasil também tem de ir fundo na discussão séria, concreta e consistente acerca da maioridade penal. Aliás, creio que não é este o ponto. Entendo que reduzir a maioridade penal é solução simplista, sem sustentação, e muito me alegra que vários colegas tenham se manifestado de forma contrária à proposta.

Creio que a discussão deve se centrar no combate à criminalidade juvenil. Este é o tema do debate. Precisamos rever o Estatuto da Criança e do Adolescente? Vamos discutir isso. Vamos debater a revisão de pontos do Código Penal, o arcabouço das instituições corretivas. Vamos, em todos os Estados e municípios, num mutirão pela cidadania e pela inclusão social de nossas crianças e jovens carentes, abrir os espaços das escolas para a prática desportiva, para o lazer, para a interação, a cultura, para o fortalecimento da amizade.

O que não podemos, Srªs e Srs. Senadores, é abrir mão do debate, da correção política sobre a criminalidade juvenil, e, em vez disso, cairmos no discurso que se contrapõe entre os que são a favor e os que são contra a redução da maioridade penal, uns e outros com sua razão e em muitos casos resvalando para a defesa dogmática de seus argumentos.

Ao bom debate, estarei sempre aberta e estimulada a participar. É importante o papel da mídia no processo. Este assunto é tão dramaticamente importante que a mídia deve abraçá-lo com muito empenho e continuidade, colaborando para uma discussão consistente, e não a reboque da urgência, do sensacionalismo e da disputa pela melhor manchete, pela declaração mais polêmica, e tudo fica por isso mesmo.

Pois é por meio do debate, da exposição contínua do problema e das diferentes soluções, que será possível criar uma consciência do perigo que representa a impunidade. 

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, proponho aqui, especialmente à Frente Parlamentar da Criança e do Adolescente, este bom debate. Não podemos nos omitir pois a sociedade está encalacrada diante da insegurança diária, o que a leva a promover atos onde a racionalidade não tem vez e lugar.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2003 - Página 40611