Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à falta de regras de transição na reforma previdenciária.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Críticas à falta de regras de transição na reforma previdenciária.
Aparteantes
Leonel Pavan, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2003 - Página 40679
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • DEBATE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REPUDIO, PREJUIZO, FUNCIONARIO PUBLICO, AUSENCIA, NORMAS, PERIODO, ALTERAÇÃO, SISTEMA.
  • CRITICA, RESPOSTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA SOCIAL (MPS), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, AUSENCIA, ESCLARECIMENTOS, EFEITO, PROPOSTA, INEXISTENCIA, ESTUDO TECNICO, PREJUIZO, DEBATE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo na tarde de hoje dar continuidade ao meu pronunciamento sobre a PEC nº 67 e concluir o tema que realmente não desenvolvi no primeiro turno de discussão. E vejo essa questão como aquele último pedido do condenado à morte: “Eu quero receber a benção”. Interpreto o que vou dizer como uma verdadeira benção quanto ao meu cumprimento de dever no que se refere à PEC nº 67, que deverá ser votada, hoje, em segundo turno.

Essa votação, em segundo turno, da PEC nº 67, será uma pá de cal em cima dos funcionários públicos de nosso País. E o tema que trago é, justamente, relacionado à transição.

Dentro do contexto das reflexões que envolvem as deliberações que esta Casa historicamente vem realizando, quero, neste momento, sem o sentimento de instigação, de provocação ou qualquer outra forma de proceder, referir-me a algumas respostas recebidas em dois requerimentos dirigidos ao Sr. Ministro de Estado da Previdência Social.

Após reflexão motivada por Assessores, em relação a várias questões de fundo, em relação à Previdência Social e sua reforma, questionei o Ministro Ricardo Berzoini formalmente, com as seguintes perguntas: qual o impacto financeiro das mudanças ocorridas, em face da falta de regra de transição? Haverá danos aos cofres da Previdência pública e ao INSS? Haverá prejuízo aos trabalhadores do setor privado, filiados ao INSS? E pedi que apresentasse estudos, elaborados pelo Ministério, que justificassem a ausência de regra de transição.

A resposta do Ministro Ricardo Berzoini subestima nossa inteligência. Diz S. Exª que há dois equívocos nas perguntas: foram feitas no contexto do Regime Geral da Previdência Social, para o qual a PEC nº 67, 2003, não propõe alteração nas regras de aposentadoria; sugeriram a ausência de regra de transição na PEC nº 67, 2003. E S. Exª não pára por aí: diz que a primeira regra de transição da PEC nº 67, 2003, está contemplada no art. 2º - em que se acresce um percentual de abatimento do valor da aposentadoria por ano de antecipação, em relação à idade de referência - e que a segunda, criada pela Câmara dos Deputados, está contemplada no art. 7º.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores da República, a resposta não escapa ao equívoco de identificar “regras de transição” na PEC nº 67, 2003. O que há é restrição - para não falar nos casos de evidente extinção - das regras de transição previstas na Emenda Constitucional nº 20/98 - do Governo Fernando Henrique Cardoso -, às quais se acha submetida a maior parte dos servidores. Ademais, ao se falar em abatimento imposto ao servidor para fazer jus à regra em vigor, além do procedimento perigoso de instituir-se transição sobre transição, não se foge da evidência clara de restrição às regras de transição vigentes.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, onde já se viu regra de transição com que, se vencida, chega-se mutilado do outro lado? E não existe regra de transição no art. 7º, visto que ela é restritiva a um universo menor de pessoas. A regra de transição deverá ser aplicada a todos que se encontram no sistema, sem qualquer distinção. O art. 7º é uma alternativa da qual poucos poderão utilizar-se, em face da falta de regra de transição da PEC.

Importa salientar que o Sr. Ministro não forneceu os números, nem os estudos solicitados por nós. A resposta não trouxe o impacto financeiro - isto é, os números: quanto se pretende economizar; quanto se pretende em aumento de receita; quanto se pagará de benefícios -, nem mesmo trouxe o impacto social, ou seja, quantas pessoas serão atingidas com as mudanças sugeridas pela PEC, em face da falta de regra de transição. De outra forma, não apresentou os estudos elaborados pelo Ministério que justificam a ausência de regra de transição. Esperava-se que o Ministro tivesse realizado estudos, para dizer quantas pessoas deixarão de se aposentar em função desses sete anos de acréscimo na idade e quanto o Tesouro economizaria com isso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho absoluta certeza de que meu requerimento de informação foi uma forma responsável de saber até que ponto o Governo tem conhecimento das conseqüências dessa reforma. Certamente, trata-se de uma medida antipática, mas extremamente necessária, se quisermos ter autoridade moral para criticar o Executivo e votar remédios amargos para a sociedade brasileira.

É evidente que haveria necessidade de muito debate sobre o tema, já que se quer aprimorar a Previdência Social, reconstruí-la sobre uma base transparente e, acima de tudo, fazer cumprir melhor o papel do Estado, garantindo-se condições de vida digna a todos os segurados, sejam eles trabalhadores, aposentados ou pensionistas. Sem uma resposta clara e objetiva aos questionamentos realizados por todos nós, corremos o risco de apoiarmos e votarmos enganados um projeto que trará malefícios aos brasileiros e, em especial, à Previdência Social.

Justificou-se, portanto, o pedido de informações ao Ministro Ricardo Berzoini, visto que a sustentabilidade do sistema passa primordialmente por fatores, tais como o aumento da informalidade, a ampliação da cobertura previdenciária, o aumento do desemprego, a perda de qualidade dos serviços prestados à população, a institucionalização da falta de registro em carteira, isto é, a falta de inscrição na Previdência Social, etc.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob essa ótica deveria ser analisado o projeto que será votado, em segundo turno, hoje, nesta Casa revisora, o qual, conforme alardeiam seus defensores, quer aprimorar a Previdência Social, sem, no entanto, tratar de nenhum dos temas aqui discutidos e postos em requerimentos.

A discussão, ao que se percebe, resumiu-se à criação de uma nova Previdência para os servidores públicos; justificou-se, num primeiro momento, no monstruoso déficit e, agora, uma vez desmistificado esse monstro, na propalada justiça social.

É evidente que a Previdência Social necessita ser tratada com mais responsabilidade especialmente por nós, Congressistas desta Casa, sob pena de termos, amanhã, um sistema previdenciário insustentável. E o Governo, até o presente momento, não apresentou estudos técnicos, sistematizados e consistentes, em termos atuariais, financeiros, administrativos e sociais, que justifiquem as mudanças constitucionais pretendidas a respeito das atuais regras de transição, para que o servidor público tenha direito à aposentadoria integral e paritária.

A falta de critério lógico e de regra de transição em face do aumento de idade para aposentadoria dos servidores públicos, o desconto dos aposentados, a redução das pensões, etc, tudo isso deveria ser analisado por especialistas com base na realidade do nosso País.

Esta Casa não deveria compactuar com essa campanha inverídica e descabida, feita por parte da mídia e pelo próprio Governo, que induz a população brasileira, especialmente os mais carentes de informações, à idéia de que os servidores são privilegiados e responsáveis pela estagnação do crescimento do nosso País.

Ouço o aparte do Senador Leonel Pavan.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senador Papaléo Paes, estava ouvindo V. Exª em meu gabinete e me senti na obrigação de vir até aqui, para registrar o que presenciamos hoje, pela manhã, quando inúmeros aposentados, aflitos, alguns chorando, emocionados, lhe prestaram uma homenagem e lhe entregaram um diploma de reconhecimento pelo seu trabalho e por tudo que V. Exª tem realizado no Senado em prol das pessoas que estão se sentindo prejudicadas com a reforma da Previdência, principalmente os aposentados. O Instituto MOSAP, Movimento dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas, fez a entrega do diploma, e pude sentir a emoção de V. Exª quando o recebeu. Logo após, eu também recebi, porém o seu pronunciamento, certamente, deixou o Instituto Mosap ainda mais comprometido e certo de que tem, dentro do Senado, um grande representante e defensor dos aposentados e pensionistas.

O art. 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece:

O Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacional prestarão o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, no ato e na data de sua promulgação.

O parágrafo 2º do art. 4º do Regimento Interno do Senado Federal determina que o Senador diplomado preste o seguinte compromisso:

Prometo guardar a Constituição Federal e as lei do País, desempenhar fiel e lealmente o mandato de Senador que o povo me conferiu e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

O que estão fazendo é descumprir a Constituição. É claro que respeitamos a posição de cada Senador e o desejo do Governo Federal. Temos admiração por todos os demais colegas. Sabemos que S. Exªs estão se sentindo até acuados pela pressão do Governo Federal. Talvez até gostassem de receber essa homenagem, que não ocorreu porque a pressão do Governo tem sido muito maior. Meus cumprimentos pelo diploma, pelo seu pronunciamento e pelo brilhante trabalho que V. Exª desempenha no Senado Federal, em favor do Brasil.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Senador Leonel Pavan, agradeço suas palavras, que incorporo ao meu discurso. Reconheço em V. Exª um Senador muito ativo nesta Casa, participativo, já fez mais de 115 pronunciamentos, todos eles tentando alertar o Governo Federal quanto às suas ações, principalmente considerando que V. Exª é um homem público extremamente experiente no Executivo. Quero fazer esse registro e parabenizá-lo, pois V. Exª, da mesma forma, recebeu o reconhecimento de uma entidade muito importante dos servidores públicos. Quero parabenizá-lo pela sua coragem, pela sua determinação, pelo seu senso de justiça para com essas pessoas que fazem o serviço público da nossa Nação. Elas não simplesmente recebem seus salários defasados no final do mês, mas trabalham pelos pobres, porque quem usa o serviço público é o necessitado. E hoje, com essas ações que estamos vendo, principalmente com a PEC 67, o Governo e aqueles que a aprovarem vão punir os pobres e os necessitados brasileiros.

Concedo o aparte ao Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - Senador Papaléo, com satisfação acompanhei todo o seu pronunciamento, começando pelo rádio do carro e agora presente no plenário do Senado, em que V. Exª expõe as razões pelas quais votou contra a proposta de reforma da Previdência. Igualmente o PDT, o meu Partido, fechou questão e nós, os cinco Senadores, votamos contra a reforma da Previdência. Para nossa surpresa, ouvi o Presidente Lula afirmar que a reforma que está sendo feita saiu da cabeça dos políticos, que não é a reforma que ele queria. Para mim, isso é inusitado, porque votei contra a proposta da reforma da Previdência que foi aprovada no primeiro turno e que também o será em segundo turno. Votarei novamente contra, exatamente porque a proposta que o Presidente Lula fez durante a campanha eleitoral foi uma e a que encaminhou para o Congresso Nacional foi outra. O Governo tem maioria na Câmara e no Senado, e poderia, portanto, ter aprovado não a reforma da cabeça dos políticos, mas a que o Presidente Lula pregou durante a campanha eleitoral, que conquistou, aliás, o voto da maioria dos brasileiros. Não entendi a declaração do Presidente Lula, não a aceitei e, por não aceitar a proposta que foi votada aqui - e aí concordo com o Presidente que não é a ideal -, votei contra e o farei novamente no segundo turno. Vou analisar a PEC 77, que está em tramitação, em discussão, para ver se dá para votar favoravelmente. A proposta da primeira PEC, sem dúvida nenhuma, foi uma grande frustração para a sociedade brasileira, porque não inclui os 44 milhões de brasileiros, que foi a promessa de campanha, não resolve o problema dos privilégios e não resolve o problema do déficit. Portanto, essa é uma reforma que não beneficia a sociedade brasileira. Parabéns, V. Exª recebeu a homenagem justamente pelas posições firmes que tem assumido aqui. Parabéns pelo pronunciamento e pela sua postura sempre firme e reta nesta Casa.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª, Senador Osmar Dias, e também aproveito para parabenizá-lo, bem como seus companheiros do PDT, pela firmeza, pela determinação e pelo compromisso que o PDT demonstrou, aqui nesta Casa, com o povo brasileiro e com o serviço público brasileiro.

Quero reafirmar que meu voto é de consciência. Não há fiscal maior, para qualquer pessoa consciente, do que a própria consciência. Não é o meu eleitor, não é o meu amigo, não é o meu parente que vai me condenar mais do que a minha consciência.

Por isso hoje poderia haver uma redenção para os nossos servidores públicos. Nós esperamos que Deus ilumine a cabeça de todos os Senadores, para que possam reavaliar se realmente suas consciências pedem os votos que vão dar. Para aqueles que votaram a favor, nós pediríamos que fizessem uma reflexão a respeito. Assim, se suas consciências mandarem continuar votando a favor, que o façam, mas se tiverem alguma dúvida, que votem contra, porque estarão votando a favor do servidor público e, principalmente, a favor do pobre, que se utiliza do serviço público.

Não é preciso repetir que as universidades estão sendo esvaziadas de seus profissionais exatamente porque eles estão querendo salvar a sua aposentadoria no atual regime; que os serviços públicos, de maneira geral, estão sendo esvaziados porque os servidores precisam salvar aquilo que a lei lhes garantia. Hoje, até suas expectativas de direito adquirido vão por água abaixo.

Volto a dizer nesta tribuna que, em respeito ao povo do Amapá, que me elegeu de livre e espontânea vontade, confiando em mim - o que tenho para passar para o povo do Amapá é confiança -, sabendo que o Estado do Amapá será o grande prejudicado com essas reformas, sabendo que os ex-territórios terão um grande prejuízo e sabendo que o serviço público brasileiro será extremamente prejudicado com esta PEC nº 67, reafirmo o meu voto contrário a esta emenda. Eu não admitiria qualquer insinuação tentando subornar a minha consciência; não admitiria! Por isso agradeço o respeito que a direção do PMDB demonstra por mim, me respeitando na condição de escolher a melhor decisão a tomar. Votei contra a PEC nº 67 no primeiro turno e votarei também contra no segundo turno.

Em relação à PEC nº 77, Senador Osmar Dias, tenho minhas dúvidas ainda, muitas dúvidas. Vejo que foi um artifício usado pelo Executivo para aprovarmos a PEC nº 67, ficando a expectativa da aprovação da PEC nº 77. Será que seria uma maneira de dizer que o Senado fez a sua parte e a Câmara não fez, e vai ficando por isso mesmo? Eu também não acredito na PEC nº 77 e por isso em relação a ela vou usar a minha consciência, usar a minha condição de me sentir com o dever cumprido e votar da maneira que acredito ser mais justa para o servidor. Reafirmo, Sr. Presidente, meu desejo de que fique registrado nesta Casa que não levarei este pecado de votar a favor da PEC nº 67.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2003 - Página 40679