Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reconhecimento dos inúmeros avanços no combate ao trabalho infantil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Reconhecimento dos inúmeros avanços no combate ao trabalho infantil.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2003 - Página 40760
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), RESULTADO, COMBATE, TRABALHO, INFANCIA, REGISTRO, PROGRESSIVIDADE, REDUÇÃO, EXPLORAÇÃO, MOTIVO, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, EMPRESA, ELOGIO, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PATRICIA SABOYA, SENADOR.
  • ANALISE, TRABALHO, ADOLESCENTE, APRENDIZ, RESPEITO, LEGISLAÇÃO, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO, FORMAÇÃO, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, COMBATE, EXPLORAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo a esta tribuna com o intuito de reconhecer os inúmeros avanços que temos obtido no combate ao trabalho infantil. A esse reconhecimento se segue, necessariamente, a constatação de que ainda há muito a ser alcançado para que possamos garantir a todas as crianças e jovens um futuro realmente promissor. É no intervalo entre o reconhecimento e a cobrança de cada vez melhores resultados que nós, Parlamentares, em conjunto com a sociedade civil, podemos fazer enorme diferença no que tange à infância e à adolescência de milhões de brasileiros.

A metodologia estatística utilizada para se aferir a situação do trabalho infantil brasileiro é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), gerida pelo IBGE. Essa pesquisa tem demonstrado que, nos últimos anos, há um consistente e sistemático declínio nos indicadores do trabalho infantil em nosso País.

Em 2002, por exemplo, 12,6% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhavam. Em 1992, esse percentual era de 19,6%. Em números absolutos, significa dizer que, em 2002, das 43 milhões e trezentas mil pessoas de 5 a 17 anos existentes, 5 milhões e quatrocentas mil trabalhavam.

Na faixa de 5 a 14 anos, uma faixa etária que, aliás, merece nossa cuidadosa atenção, o número de crianças ocupadas continuou caindo e, de 2001 para 2002, a redução foi de 3,8%. Dessa forma, em um ano, a participação das crianças ocupadas no grupo de 5 a 14 anos de idade passou de 6,8 para 6,5%, uma queda acentuada quando comparada a 1992, quando o percentual chegava a 12,1%.

Ainda assim, é forçoso admitir que não podemos encher os pulmões de ar e comemorar o fato de que ainda existem cerca de 2 milhões e quatrocentas mil crianças compreendidas nessa faixa etária e que se encontram no mercado de trabalho.

Nesse mesmo grupo etário, que compreende as crianças de 5 a 14 anos, foi mantida a diferença entre os gêneros. De 1992 a 2002, a proporção de meninos trabalhando passou de 16,2% para 8,7%, e, entre as meninas, caiu de 8,0% para 4,3%. Com essa redução, a pesquisa revelou que, em 2002, havia 1 milhão e quinhentos mil meninos de 5 a 14 anos trabalhando, em face de 700 mil meninas na mesma situação.

Essa evolução gradual nos índices estatísticos não é gratuita. É fruto, em primeiro lugar, de um avanço normativo em que se destacam a Constituição Federal de 1988 e a aprovação, em 1990, do chamado Estatuto da Criança e do Adolescente, que é como ficou conhecida a Lei de nº 8.069, de 1990.

Em 1998, a aprovação da Emenda Constitucional nº 20, que veda o trabalho para o menor de 16 anos, salvo a partir dos 14, na condição de aprendiz, permitiu que o Brasil pudesse ratificar a Convenção de nº 138 da OIT, que versa sobre a idade mínima de admissão no emprego.

Em segundo lugar, há uma crescente conscientização da sociedade de que a premissa que sustenta ser o trabalho infantil fonte importante e, mais que isso, legítima de rendimentos familiares encontra-se completamente equivocada. Devemos evitar, tanto quanto possível, a atividade laborativa que se sobrepõe às horas que deveriam ser dedicadas aos estudos e que define, de modo decisivo, uma grande desvantagem na posterior inserção no mercado de trabalho adulto.

Sabemos que o mercado de trabalho infantil é atraente para o mercado, uma vez que a capacidade de mobilização e contestação da criança é menor, dada sua inerente vulnerabilidade em face dos desmandos do empregador adulto. Por essas razões, o trabalho infantil é menos oneroso e capaz de proporcionar maiores lucros aos empregadores. Porém, a sociedade se tem mostrado cada vez menos tolerante com empresas que se valem de ardis dessa natureza.

A título exemplificativo, vale citar a existência do selo “Empresa Amiga da Criança”, uma iniciativa da Fundação Abrinq, que conta com 8 anos de existência e inúmeras e significativas adesões. Este selo é conferido àquelas empresas que se comprometem a não empregar crianças e adolescentes em idade abaixo da permitida pela legislação, bem como a divulgar a legislação sobre o emprego de crianças e adolescentes e a operar ou a financiar ações em benefício de crianças.

Outra iniciativa empresarial interessante surgiu em 1996, na cidade de Franca, dinâmico pólo calçadista do interior de São Paulo, após denúncias veiculadas na imprensa sobre casos de trabalho infantil na confecção de calçados naquela cidade.

Após esses incidentes, foi criado o selo “Pró-Criança”, do Instituto Pró-Criança de Franca, adstrito à indústria calçadista e que vincula as empresas participantes no sentido de não empregarem crianças e, em medida igualmente importante, de não contratarem serviços de terceiros que se valem do trabalho infantil.

Esses são apenas alguns exemplos da força - muitas vezes desconhecida ou subaproveitada - que a sociedade possui no combate ao trabalho infantil. Mas a sociedade, sem o reforço do Poder Público, não tem forças suficientes para erradicar esse fenômeno social. E é nesse ponto que destaco o papel do Congresso e, em particular, o trabalho da ilustre Senadora e distinta colega de Partido, Patrícia Saboya Gomes, no combate às formas mais espúrias de exploração do trabalho infantil.

Pois não podemos transigir quando se trata de prostituição infantil, de uso de crianças pelo narcotráfico, pela exploração de mão-de-obra escrava ou semi-escrava, sem falar no maligno binômio pornografia-pedofilia. Tais aberrações merecem todo o destaque possível nos meios de comunicação, para chocar e tirar do imobilismo instituições que possuem plenas condições de investigar e punir esse tipo de crueldade.

Precisamos, Sr. Presidente, incomodar e sermos incomodados em nossas poltronas, com a infeliz certeza de que o trauma na vida das vítimas as acompanhará por toda a vida. A atuação da Senadora Patrícia Gomes se tem mostrado imprescindível em uma faceta do trabalho infantil que não pode ser reduzida de forma gradual, mas imediata, com amplo apoio da mídia, do Congresso e da população brasileira.

Só assim teremos tranqüilidade para continuarmos no rumo certo em direção ao fim do trabalho infantil feito às margens da legislação nacional. Se a realidade social obriga o jovem a ter uma ocupação além da escola, que seja após os 14 anos, e na condição de aprendiz. O trabalho do adolescente, se feito na mais estrita observância das normas de proteção a essa faixa etária, pode mostrar-se extremamente benéfico, ao incutir no jovem um maior senso de responsabilidade, uma melhor administração do tempo, e também ao estimular o aprendizado de habilidades que incentivam a dedicação aos estudos e reforçam a auto-estima.

O próprio Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), ao discutir a contribuição educacional do trabalho, já ponderou que “os valores e habilidades que as crianças aprendem no trabalho não podem ser ignorados como forma de educação, embora algumas das lições possam ser negativas ou com um custo alto demais. As crianças desenvolvem inúmeras habilidades úteis a partir de experiências concretas como o trabalho, incluindo-se aí o uso de ferramentas, negociação, organização do tempo, persuasão e sobrevivência”.

Trata-se, pois, de ajustarmos a realidade socioeconômica do País às necessidades intrínsecas da criança e do adolescente, em estrita observância às normas brasileiras e internacionais sobre o assunto.

Se temos avançado normativa e socialmente no tema, tais avanços devem servir tão-só como estímulo a ações continuadas que contribuam para erradicar a exploração do trabalho infantil. Pois, para tornarmos a democracia real acessível a todos, é preciso garantir, no presente, condições para o futuro de nossas crianças.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia encerrar esse pronunciamento sem mencionar a poetisa chilena, e Prêmio Nobel de Literatura, Gabriela Mistral, quando afirma que tudo pode esperar, menos a criança, porque amanhã ela deixará de ser criança, e aí já será tarde demais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2003 - Página 40760