Discurso durante a 183ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Seminário realizado em Ponta Porã/MS sobre integração dos países da América do Sul.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Seminário realizado em Ponta Porã/MS sobre integração dos países da América do Sul.
Aparteantes
Ramez Tebet, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2003 - Página 40812
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, DEBATE, DESENVOLVIMENTO, FAIXA DE FRONTEIRA, PARTICIPAÇÃO, PREFEITURA, MUNICIPIO, PONTA PORÃ (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, REPRESENTANTE, SOCIEDADE CIVIL, AUTORIDADE, MUNICIPIOS, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, IMPORTANCIA, CONSOLIDAÇÃO, INTEGRAÇÃO, AMERICA LATINA, GARANTIA, SEGURANÇA, SOBERANIA NACIONAL, AMPLIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, AREA DE LIVRE COMERCIO, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, TELECOMUNICAÇÃO, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • DETALHAMENTO, DOCUMENTO, SEMINARIO, FRONTEIRA, SUGESTÃO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho registrar, em plenário, a realização do Seminário denominado: “A Faixa de Fronteira e o Desenvolvimento”, na cidade de Ponta Porá - MS, em parceria com a Prefeitura Municipal daquela cidade, com a participação de representantes do Governo do Estado do Mato Grosso do Sul, do Governo Federal, por meio do Ministério da Integração Nacional, dos Municípios da faixa de fronteira, instituições de ensino e pesquisa, entidades representativas dos empresários e trabalhadores, organizações não-governamentais e outros da sociedade civil, além de ilustres representantes de Municípios e do Parlamento Paraguaio.

Esse seminário foi para mim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um momento rico de reflexão e de tomada de posição frente ao sonho antigo de muitos de nós brasileiros, que temos plena consciência de que a integração do continente latino-americano será decisiva para firmar, de maneira mais sólida, as relações culturais, econômicas, comerciais, sociais e políticas que nossos povos almejam.

O Brasil possui uma fronteira terrestre com diversos países latino-americanos de 15.719 quilômetros. Na faixa considerada pelo Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira, do Ministério da Integração Nacional, a fronteira tem 150 quilômetros de largura e abriga 588 municípios, em 11 Estados, onde vivem 9.558 milhões de pessoas.

As justificativas para esse velho sonho de integração são de ordem econômica, política e estratégica. As vantagens seriam inegáveis para o Brasil. Conseguiríamos, finalmente, consolidar a unidade de toda a América do Sul e, por último, como um só bloco, poderíamos garantir a segurança e a integridade geopolítica de nossas fronteiras comuns, hoje praticamente abandonadas, desprotegidas e sabidamente ameaçadas pelo crime organizado e por interesses internacionais altamente perigosos para a segurança de toda a região.

Apesar de termos um imenso patrimônio econômico a explorar em conjunto com os países fronteiriços, nosso intercâmbio é dos mais modestos. Sem mais tardar, precisamos dimensionar esse mercado, que está totalmente à nossa disposição, e lançar as bases definitivas para transformar a região da fronteira em uma importante área de livre comércio. A integração imediata desses mercados é vital para a economia e para o desenvolvimento dessa parte imensa da América do Sul.

Todavia, além dos interesses econômicos que nos movem nessa direção e da urgência em aumentarmos a nossa soberania sobre essa extensa fronteira, precisamos investir capitais significativos e firmar acordos para apressar essa unidade. Precisamos, sobretudo, destinar recursos para a construção de rodovias e ferrovias, para melhorar as condições da malha já existente em todos esse países, para dinamizar os portos, modernizar o sistema de comunicações. Em resumo, precisamos construir infra-estrutura que propicie a desejada integração em uma região praticamente inexplorada.

O Seminário “A Faixa de Fronteira e o Desenvolvimento” teve como maior motivação o desejo dos habitantes da fronteira de que as especificidades de sua região sejam reconhecidas pelas autoridades públicas e a vontade de que sejam encontrados meios institucionais adequados ao seu desenvolvimento.

Por favor, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Delcídio Amaral, V. Exª sabe o respeito que tenho por V. Exª...

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Pela sua cultura, pelos seus conhecimentos, principalmente na área de infra-estrutura. Penso que estou sendo até ousado em pedir um aparte a V. Exª...

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Não, para mim é uma honra, Senador Romeu Tuma.

            O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - ...mas, com sou apaixonado pelo que acontece nas fronteiras, por onde andei, por vários anos, combatendo o crime. Há sempre essa imagem negativa de fronteira, a angústia profunda de não ver o desenvolvimento que poderia ajudar os dois lados, tanto o país vizinho quanto o Brasil. Quando o Presidente Sarney criou o Projeto Calha Norte, fui à primeira cidade integrada, que era Tabatinga, no lado da Colômbia, e a idéia era criar o mercado comum, para que as regiões adjacentes se desenvolvessem e fossem auto-sustentáveis. O Projeto Calha Norte foi relegado a segundo plano. O Senador Jefferson Péres deve ser testemunha de que não havia dinheiro no Orçamento nem para a sobrevivência do Calha Norte. Nós tivemos que fazer uma frente com os Parlamentares da Amazônia, para que esse projeto fosse restabelecido. V. Exª traz ao debate uma coisa maravilhosa. Anteontem, quando se discutia o projeto de desarmamento, fazíamos um alerta no sentido de que ele seria apenas para demonstrar, se não houvesse um trabalho integrado de fronteira, que o Brasil quer viver em paz. Isso porque essa fronteira estaria aberta, sem uma responsabilidade recíproca para que se controlasse o contrabando de armas. Gostaria que V. Exª fizesse a gentileza de me enviar o material que foi discutido nesse encontro. Como V. Exª, pretendo continuar lutando para que tenha sucesso essa idéia que traz aos Parlamentares do Senado e a todo o País, por meio da televisão.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. Acompanhei todo o trabalho que V. Exª desenvolveu no Projeto Calha Norte, com o Presidente Sarney. Eu sou de um Estado de fronteira e sei das dificuldades e preocupações que levaram V. Exª a fazer esse trabalho competente. A fronteira hoje é uma área sensível do nosso País. Temos de ter uma política específica para essa região. Muito obrigado pelo aparte.

Voltando ao tema, Sr. Presidente, esse seminário possibilitou uma reflexão sobre pontos que considero da mais alta relevância:

- os diversos problemas na gestão e atendimento das políticas públicas de saúde, educação, assistência social, segurança pública, sobretudo quando se analisam as características especiais da região;

- a insuficiência ou deficiência na infra-estrutura - energia, saneamento, telecomunicações e transporte - como obstáculo ao desenvolvimento, mormente quando se avaliam as conseqüências desses fatos para o sistema produtivo local;

- a ausência de regimes tributários específicos para esta faixa, desestimulando a instalação de empreendimentos industriais e o conseqüente investimento produtivo para o crescimento da atividade econômica da região;

- a inexistência de mecanismos eficazes de financiamento da produção, com juros apropriados, de forma a fomentar as condições essenciais para o desenvolvimento sustentável da fronteira;

- a extrema importância do apoio e participação nos debates sobre políticas integracionistas das entidades representativas dos diversos setores da sociedade civil, verdadeiro motor da integração;

- o papel fundamental de um canal de comunicação entre as instâncias negociadoras e a sociedade civil organizada e, ainda, a importância dos Parlamentos no processo de integração regional.

- a necessidade de se criar uma agenda no âmbito do Mercosul e com os demais países fronteiriços, para identificação e equacionamento conjunto de problemas específicos das fronteiras, que geram graves conseqüências de natureza econômica e social para a região.

Assim, Sr. Presidente, do seminário resultou um documento intitulado Carta da Fronteira, no qual estabelecemos compromissos, com a finalidade de promover o desenvolvimento das regiões fronteiriças.

Nesse sentido, o documento listou, entre outras, as seguintes diretrizes:

- promover uma efetiva articulação dos diversos entes federativos, a sociedade civil organizada, as instituições de ensino e pesquisa, os empresários e trabalhadores, por intermédio das suas entidades representativas, no sentido de manter um espaço permanente de articulação, para formular políticas conjuntas, visando à solução dos problemas em questão;

- construir uma agenda básica para integração dos países em nível diplomático, para garantir a aplicação de recursos nas áreas de infra-estrutura, saneamento, saúde, meio ambiente, inclusão social, etc., como forma de fortalecer os projetos de desenvolvimento nesses setores;

- fomentar a integração regional dos Municípios de fronteira, num processo que se efetive como desenvolvimento de projetos para potencializar o desenvolvimento econômico, turístico e social, abordando-se as questões estratégicas, como a negociação da Área de Livre Comércio das Américas, respeitando-se o conjunto da região e não apenas os países-membros isoladamente;

- incentivar a harmonização da legislação e das ações, promovendo-se a integração e unificação da política sanitária animal - algo que é muito importante e de que sentimos muita falta em Mato Grosso do Sul -, das políticas urbana e ambiental, inclusive quanto à regulamentação do art. 20 da Constituição Federal, referente à ocupação da faixa de fronteira;

- observar as particularidades de hábitos, costumes, características sócio-econômicas e geopolíticas, que tornam as regiões fronteiriças detentoras de peculiaridades geradoras de necessidades específicas, em contraposição aos problemas e questões presentes nas áreas centrais dos diversos países da região, implementando-se a integração cultural dos povos da fronteira;

            - propor a criação de políticas integradas e descentralizadas, no que diz respeito às questões de extrema importância para o bem-estar das populações fronteiriças, como as que tocam à saúde e ao trabalho, assim como para o desenvolvimento econômico sustentável da região, baseadas em metodologias de trabalho que encaminhem as reivindicações apresentadas pela sociedade civil, envolvendo, particularmente, os seguintes pontos, para compor a agenda de propósitos:

- criação e implementação de normas específicas para as áreas de fronteira, com a participação de todos os setores interessados dos países envolvidos, aproveitando-se da sinergia destes;

- integração das cadeias produtivas dos Municípios com países vizinhos, a partir das suas áreas fronteiriças, com vistas à criação de empregos e à obtenção de uma melhor inserção dos produtos no mercado internacional;

- criação de mecanismos legais para a conversão monetária, de forma a simplificar o comércio entre os países-membros;

- criação e reconhecimento de Câmaras de Mediação e Arbitragem e Comissões de Conciliação Prévia, para dirimir questões peculiares à faixa de fronteira;

- estudos sobre propostas, para que o trânsito de mercadorias, técnica e legalmente permitidas, seja liberado de forma irrestrita entre as zonas de fronteira e para que os controles aduaneiros sejam recolhidos para as áreas limítrofes determinadas pela distância de 50 km ou de 100 km da fronteira física;

- estudos sobre a criação de uma identidade única para os habitantes de fronteira, que comprovem certos requisitos quanto à moradia e à veracidade de sua condição de cidadão fronteiriço, na forma de um cartão magnético pessoal, fornecido pelos serviços de imigração de cada país, a exemplo do acordo firmado entre Brasil e Uruguai;

- estudos sobre a criação de um Cartão Único de Vigilância Sanitária - nós, de Mato Grosso do Sul, sofremos muito com a questão da vigilância sanitária, especialmente em função da sanidade animal;

- estudos sobre a criação de um escritório de caráter supranacional, com comando rotativo e a participação de entes municipais, que teria por atribuição implementar as normas gestoras das zonas de fronteiras;

- estudos propondo a adequação das normas de trânsito que tratam da circulação de veículos nas regiões fronteiriças, inclusive quanto à flexibilização das leis referentes à circulação de veículos utilizados como instrumento de trabalho;

- integração curricular das universidades para reconhecimento automático dos títulos e cooperação técnica para formação profissional em parceria, a exemplo do que ocorre com a Itaipu binacional;

- estabelecimento de Comitês de Fronteira como fóruns de discussão binacionais e solução de problemas emergentes e/ou ações prioritárias, para estímulo e apoio à elaboração de planos diretores para as cidades da região e promoção do seu desenvolvimento harmônico e sustentável.

A “Carta da Fronteira” reconheceu a importância do fortalecimento do Mercosul e a grande necessidade de abrandamento da linha demarcatória da fronteira, ou seja, o esforço em direção à maior uniformidade e à maior permeabilidade entre os dois lados da fronteira.

O documento estabeleceu, ainda, a necessidade de criação de uma agenda, no âmbito do Mercosul, para identificação e equacionamento dos problemas específicos da fronteira.

Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet, com muita honra.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Delcídio Amaral, fiquei cerca de 90 dias no Ministério da Integração Nacional. Lá existe um programa justamente para desenvolver os Municípios da fronteira do Brasil. Estou intervindo no seu pronunciamento devido à relevância do assunto, à categoria com que V. Exª o está abordando e às sugestões que está apresentando. De tal ordem, eu sugeriria a V. Exª encaminhasse cópia desse discurso para o Ministério da Integração Nacional, a fim de que o Governo pudesse aproveitar as sugestões que V. Exª está apresentando nesse brilhante pronunciamento. A matéria é fundamental não só para os Municípios de fronteira, onde ocorre a ilegalidade em razão do pouco desenvolvimento, do desemprego e por ser rota do contrabando e do narcotráfico. Seu pronunciamento se reveste de importância capital, por isso quero me associar a ele e cumprimentar V. Exª pela forma como está abordando assunto de tanta importância. Estou no Senado já há algum tempo, tenho defendido os Municípios da fronteira do nosso Estado e vejo que V. Exª não somente está lutando por eles, como também apresentando sugestões importantíssimas, volto a repetir, para que se resolva o problema da fronteira do nosso Estado e do Brasil. Parabéns a V. Exª.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Ramez. V. Exª sempre foi um grande defensor da região de fronteira, dos Municípios fronteiriços, e desenvolveu um trabalho competente à frente do Ministério da Integração Nacional.

Concluindo, Sr. Presidente, eu gostaria de registrar o caráter universal do Seminário e seu reconhecimento da importância do Mercosul para o encaminhamento das questões particulares das regiões de fronteira. Essa integração começa com políticas específicas nas cidades fronteiriças como aquelas aqui citadas e, também, com a integração por intermédio da energia, de que Itaipu é um exemplo; do gás natural, em função do Gasoduto Bolívia-Brasil; de rodovias, como posso citar Carreteira, para Santa Cruz de La Sierra, e de ferrovias, como a nossa ferrovia Novo Oeste, que possibilitará a integração do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, pois entra pela Bolívia e passa pela Argentina e Chile, encurtando distâncias. Isso permitirá que principalmente o Centro-Oeste, uma região produtiva, leve, a preços competitivos, aquilo que produz, com eficiência, para o grande mercado do Oriente. O Brasil não pode ficar ausente, de maneira alguma, desse encurtamento de distâncias e dessa integração entre os países fronteiriços, pois isso beneficiará não somente a nossa economia, mas também a dos países vizinhos, já que tem sido uma marca do Presidente Lula a consolidação do Mercosul como grande força de toda a nossa região.

Muito alinhado com o que o Senador Ramez Tebet acabou de citar, com as ponderações do Senador Romeu Tuma e com o trabalho que tem feito no Projeto Calha Norte, um dos projetos mais importantes do País, precisamos voltar a discutir essa questão de fronteira pela relevância que tem para o País. Solicitei à minha assessoria que elabore projetos de lei que contemplem os pontos já diagnosticados como prioritários, com o objetivo de criar condições para que a região fronteiriça obtenha maior segurança, melhores condições de trabalho, melhores níveis de atendimento em saúde e educação, incremento do intercâmbio e do comércio entre os países, de forma a alcançar resultados concretos em termos de desenvolvimento econômico e social da faixa de fronteira.

Gostaria que o meu discurso fosse registrado na íntegra.

Agradeço a oportunidade e os apartes dos Senadores Romeu Tuma e Ramez Tebet.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - A transcrição solicitada por V. Exª será feita, na forma do disposto no Regimento Interno.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL.

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O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho registrar, em plenário, a realização de Seminário denominado “A Faixa de Fronteira e o Desenvolvimento”, na cidade de Ponta Porã-MS, em parceria com a Prefeitura Municipal daquela cidade, com a participação de representantes do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, do Governo Federal, por meio do Ministério da Integração Nacional, dos municípios da faixa de fronteira, instituições de ensino e pesquisa, entidades representativas dos empresários e trabalhadores, organizações não-governamentais e outros setores da sociedade civil, além de ilustres representantes de municípios e do Parlamento Paraguaio.

            Esse seminário foi para mim, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, um momento rico de reflexão, e de tomada de posição frente ao sonho antigo, de muitos de nós brasileiros, que temos plena consciência de que a integração do continente latino-americano será decisiva para firmar, de maneira mais sólida, as relações culturais, econômicas, comerciais, sociais e políticas que os nossos povos almejam.

O Brasil possui uma fronteira terrestre com diversos países latino-americanos de 15.719 Km. Na faixa considerada pelo Programa Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira, do Ministério da Integração Nacional, a fronteira tem 150 Km de largura e abriga 588 municípios, em 11 Estados, onde vivem 9.558.000 pessoas.

As justificativas para esse velho sonho de integração são de ordem econômica, política e estratégica. As vantagens seriam inegáveis para o Brasil. Conseguiríamos finalmente consolidar a unidade de toda a América do Sul e, por último, como um só bloco, poderíamos garantir a segurança e a integridade geopolítica de nossas fronteiras comuns, hoje praticamente abandonadas, desprotegidas e sabidamente ameaçadas pelo crime organizado e por interesses internacionais altamente perigosos para a segurança de toda a região.

Apesar de termos um imenso patrimônio econômico a explorar em conjunto com os países fronteiriços, nosso intercâmbio é dos mais modestos. Sem mais tardar, precisamos dimensionar esse mercado, que está totalmente à nossa disposição, e lançar as bases definitivas para transformar a região da fronteira em uma importante área de livre comércio. A integração imediata desses mercados é vital para a economia e para o desenvolvimento dessa parte imensa da América do Sul.

Todavia, além dos interesses econômicos que nos movem nessa direção e da urgência em aumentarmos a nossa soberania sobre essa extensa fronteira, precisamos investir capitais significativos e firmar acordos para apressar essa unidade. Precisamos, sobretudo, destinar recursos para a construção de rodovias e ferrovias, para melhorar as condições da malha já existente em todos esses países, para dinamizar os portos, modernizar o sistema de comunicações. Em resumo, precisamos construir a infra-estrutura que propicie a desejada integração, em uma região praticamente inexplorada.

O seminário “A Faixa da Fronteira e o Desenvolvimento” teve como maior motivação o desejo dos habitantes da fronteira de que as especificidades de sua região sejam reconhecidas pelas autoridades públicas e a vontade de que sejam encontrados meios institucionais adequados ao seu desenvolvimento.

Nesse sentido, o seminário possibilitou uma reflexão sobre pontos que considero da mais alta relevância, quais sejam:

Os diversos problemas na gestão e atendimento das políticas públicas de saúde, educação, assistência social, segurança pública, sobretudo quando se analisam as características especiais da região;

A insuficiência e/ou deficiência na infra-estrutura - energia, saneamento, telecomunicações e transporte - como obstáculo ao desenvolvimento, mormente quando se avaliam as conseqüências destes fatos para o sistema produtivo local;

A ausência de regimes tributários específicos para esta faixa, desestimulando a instalação de empreendimentos industriais e o conseqüente investimento produtivo para crescimento da atividade econômica da região;

A inexistência de mecanismos eficazes de financiamento da produção, com juros apropriados, de forma a fomentar as condições essenciais para o desenvolvimento sustentável da fronteira;

A extrema importância do apoio e participação nos debates sobre políticas integracionistas das entidades representativas dos diversos setores da sociedade civil, verdadeiro motor da integração;

O papel fundamental de um canal de comunicação entre as instâncias negociadoras e a sociedade civil organizada e, ainda, a importância dos Parlamentos no processo de integração regional;

A necessidade de se criar uma Agenda, no âmbito do Mercosul e com os demais países fronteiriços para a identificação e equacionamento conjunto de problemas específicos das fronteiras que geram graves conseqüências de natureza econômica e social para a região.

Assim, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, do Seminário resultou um documento intitulado “Carta da Fronteira”, no qual estabelecemos compromissos com a finalidade de promover o desenvolvimento das regiões fronteiriças. Neste sentido, o documento elencou, entre outras, as seguintes diretrizes:

- Promover uma efetiva articulação dos diversos entes federativos, a sociedade civil organizada, as instituições de ensino e pesquisa, os empresários e trabalhadores, através das suas entidades representativas, no sentido de manter um espaço permanente de articulação para formular políticas conjuntas visando solução dos problemas em questão;

- Construir uma agenda básica para integração dos países em nível diplomático para garantir a aplicação de recursos nas áreas de infra-estrutura, saneamento, saúde, meio ambiente, inclusão social, etc., como forma de fortalecer os projetos de desenvolvimento nestes setores;

- Fomentar a integração regional dos municípios de fronteira, num processo que se efetive como desenvolvimento de projetos para potencializar o desenvolvimento econômico, turístico e social, abordando as questões estratégicas, como a negociação da Área de Livre Comércio das Américas, respeitando o conjunto da região e não apenas os países membros isoladamente;

- Incentivar a harmonização da legislação e das ações promovendo a integração e unificação da política sanitária animal, das políticas urbana e ambiental, inclusive quanto à regulamentação do artigo 20 da CF referente à ocupação da faixa de fronteira;

- Observar as particularidades de hábitos, costumes, características sócio-econômicas e geopolíticas, que tornam as regiões fronteiriças detentoras de peculiaridades geradoras de necessidades específicas, em contraposição aos problemas e questões presentes nas áreas centrais dos diversos países da região, implementando a integração cultural dos povos da fronteira;

- Propor a criação de políticas integradas e descentralizadas no que diz respeito às questões de extrema importância para o bem-estar das populações fronteiriças, como as que tocam a saúde e o trabalho, assim como para o desenvolvimento econômico sustentável da região, baseadas em metodologias de trabalho que encaminhe as reivindicações apresentadas pela sociedade civil, envolvendo particularmente os seguintes pontos, para compor a Agenda de propósitos:

Criação e implementação de normas específicas para as áreas de fronteira, com participação de todos os setores interessados dos países envolvidos, aproveitando-se da sinergia destes;

Integração das cadeias produtivas dos municípios com países vizinhos, a partir das suas áreas fronteiriças, com vistas à criação de empregos e à obtenção de uma melhor inserção dos produtos no mercado internacional;

Criação de mecanismos legais para a conversão monetária de forma a simplificar o comércio entre os países membros;

Criação e reconhecimento de Câmaras de Mediação e Arbitragem e Comissões de Conciliação Prévia para dirimir questões peculiares à faixa de fronteira;

Estudos sobre propostas para que o trânsito de mercadorias, técnica e legalmente permitidas, seja liberado de forma irrestrita entre as zonas de fronteira e que os controles aduaneiros sejam recolhidos para as áreas limítrofes determinadas pela distância de 50 km ou de 100 km da fronteira física;

Estudos sobre a criação de uma identidade única para os habitantes de fronteira que comprovem certos requisitos quanto à moradia e veracidade de sua condição de cidadão fronteiriço, na forma de um Cartão Magnético Pessoal, fornecido pelos Serviços de Migração de cada país, a exemplo do Acordo firmado entre Brasil e Uruguai;

Estudos sobre a criação de um Cartão Único de Vigilância Sanitária;

Estudos sobre a criação de um escritório de caráter supra-nacional, com comando rotativo, tendo participação de entes municipais, que teria por atribuição implementar as normas gestoras das zonas de fronteiras;

Estudos propondo a adequação das normas de trânsito que tratam da circulação de veículos nas regiões fronteiriças, inclusive quanto à flexibilização das leis referentes à circulação de veículos utilizados como instrumentos de trabalho;

Coordenação das legislações trabalhistas dos países limítrofes, propondo a fiscalização das condições de trabalho;

Integração curricular das universidades para reconhecimento automático dos títulos e cooperação técnica para formação profissional em parceria, a exemplo do ocorrido com a instalação da Itaipu Binacional;

Estabelecimento de Comitês de Fronteira como fóruns de discussão binacionais e solução de problemas emergentes e/ou ações prioritárias, estimulando e apoiando a elaboração de planos diretores para as cidades da região, promovendo o seu desenvolvimento harmônico e sustentável.

A “Carta da Fronteira” reconheceu a importância do fortalecimento do MERCOSUL e a grande necessidade de abrandamento da linha demarcatória da fronteira. Ou seja, um esforço em direção à maior uniformidade e à maior permeabilidade entre os dois lados da fronteira.

O documento estabeleceu, ainda, a necessidade de criação de uma agenda, no âmbito do Mercosul, para identificação e equacionamento dos problemas específicos da fronteira.

Daí o caráter universal do Seminário e seu reconhecimento da importância do MERCOSUL para o encaminhamento das questões particulares das regiões fronteiriças.

Mas não quero aqui, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, tratar dos diversos problemas e das possibilidades, apenas em tese. Muitas iniciativas já foram tomadas. Necessitamos, porém, promover a integração e a articulação de esforços para que, com maior celeridade, todos esses sonhos se tornem realidade.

O Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira contribui para a solução de muitos problemas, mas não para a solução definitiva.

Ela dependerá de ações mais abrangentes identificadas a partir de uma avaliação sistemática das carências das diversas regiões envolvidas.

Nós temos, no meu estado de Mato Grosso do Sul, cidades com vocação internacionalista, para onde confluem interesses comuns ao Brasil, à Bolívia, ao Paraguai, ao Uruguai, à Argentina, ao Peru.

Como já disse o presidente Lula, e sua equipe tem repetido, esse “novo Brasil” não comporta mais nacionalismos excludentes e deve ter no ideal integracionista da América do Sul um objetivo a ser perseguido com determinação.

Neste momento, nas barrancas do rio Paraguai, recomeça a ganhar vida o Porto de Ladário e a cidade de Corumbá, a minha cidade, como uma espécie de síntese dessa política de integração regional sul-americana.

Em Corumbá, nós vamos promover a instalação do pólo gás-químico, fazer a recuperação da ferrovia, negociar com a Bolívia a pavimentação da carreteira até Santa Cruz de La Sierra.

Na Bolívia, a conclusão dos 200 Km que ligam Santa Cruz de La Sierra a Porto Soares, e no Paraguai, a ligação entre a cidade brasileira de Porto Murtinho e a paraguaia Filadélfia, já podem se considerar em obras.

O governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, colocou como obra prioritária do seu governo a ligação bioceânica. O governo federal adotou essa ligação também como prioritária.

Não tenho dúvidas de que Corumbá irá renascer e retomar o papel que teve no passado, quando foi uma espécie de embrião do Mercosul.

Na virada do século, todo o comércio com a Bolívia e o Paraguai e os países da Bacia do Prata passavam necessariamente por Corumbá.

Hoje, as empresas Vale do Rio Doce, Rio Tinto Brasil, Cargill, Odebrecht e Brasil Ferrovias articulam a formação de um consórcio com a americana Genesee & Wyoming Incorporation, controladora da Ferroviária Oriental Boliviana, para a construção de um corredor ferroviário que interligará o Porto de Santos aos portos chilenos de Antofagasta e Arica, atravessando todo o continente sul-americano.

O eixo entre Campo Grande e Corumbá, de 459 Km, coincide com o trajeto do Trem do Pantanal.

Nós, brasileiros, acalentamos o velho sonho de chegar por terra até o Pacífico. Inegavelmente, esse caminho rodoviário é estratégico para o Brasil. A chamada Estrada do Pacífico, a BR-317, é uma rodovia transversal à BR-364, e liga o Acre ao Estado do Amazonas. A estrada internacional tem aproximadamente 2 mil e 100 quilômetros em sua totalidade.

Como alternativa à construção desta rodovia de integração, o Brasil também pode chegar por trem até a costa do Pacífico.

Estou certo de que projetos dessa natureza, que demandam vultosos recursos, estão entre aqueles que podem ser implementados por meio de parcerias entre o poder público e a iniciativa privada, as chamadas PPP (Parcerias Público Privadas). Tenho defendido com entusiasmo esta idéia de parceria, como meio de assegurar os recursos necessários aos vultosos investimentos em infra-estrutura, adotando-se modelos que garantam aos investidores o esperado retorno do investimento e assegurem ao governo e à população, os desejados benefícios do ponto de vista econômico e social.

Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, os governos do Brasil e do Peru estudam a construção de uma ferrovia ligando o porto de Bayóvar a Rondonópolis-MT, com uma extensão de 3.822 km, dos quais 2. 410 Km em território brasileiro e 1.412 Km no Peru. É a chamada ferrovia Rey Brasil-Peru.

Ambos os governos estão interessados no projeto, mas não dispõem de recursos públicos necessários para uma obra de tal porte. É necessário, portanto, que companhias privadas nacionais ou internacionais estejam dispostas a prover os recursos necessários, na modalidade de financiamento B.O.T. (Build - Operate and Transfer).

Este modelo vem se firmando como uma forte inovação nos mecanismos de financiamento de grandes projetos de infra-estrutura. É um modelo de concessão plena, em que a empresa privada constrói uma instalação, responsabiliza-se por sua operação e administração, captando as receitas relativas ao serviço, durante todo o tempo do contrato, normalmente de longo prazo. Neste modelo os ativos operacionais são de propriedade do poder concedente e, ao final da concessão, a operação também é transferida para o setor público.

Nos estados de Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Mato Grosso do Sul concentram-se 3/5 da área de plantio de grãos no Brasil. Dos 116 milhões de toneladas de grãos que o País produz anualmente, 32% provém dos estados da região Centro Oeste. O Brasil deve assumir este ano o posto de maior exportador mundial de soja. A soja é a cultura que mais consome fertilizantes. Somente para o cultivo da soja, o Brasil precisa gastar milhões de dólares com a importação de fertilizantes, vindos de países da África, de Israel e dos Estados Unidos da América.

A ferrovia permitirá que o fosfato peruano seja trazido para o Brasil, e facilitará a exportação da soja brasileira para os países da APEC, bloco de cooperação econômica da Ásia e do Pacífico.

As nações da APEC, formadas por 20 países da Ásia e Oceania mais Hong Kong, na China, representam metade do PIB e 40% do comércio mundial.

Hoje, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, as exportações brasileiras para o Pacífico se fazem a partir dos portos de Santos e Paranaguá, pelo canal do Panamá ou pelo Cabo Horn, distantes 15 mil e 7 mil km do Porto de Santos, respectivamente. A distância ferroviária entre Santos e porto Bayóvar, no Peru, será de 3.822 km. Navios de mais de 200.000 toneladas estarão aptos a transportar a soja brasileira para os países da APEC, principalmente para o porto de Changai, na China, que recebe 20% da soja exportada do Brasil. Oitenta por cento deste total passa pelo porto de Roterdan, na Holanda. Nossa soja dá a volta ao mundo para alcançar a China.

As vantagens econômicas da ligação por terra entre o Brasil o Peru são inegáveis.A construção de uma infra-estrutura de transportes entre o norte do Brasil e o Peru contribuirá significativamente para a formação do chamado Mercado do Norte (Merconorte). Não só nosso País seria beneficiado, como também o Peru e a Bolívia. Com a diminuição da distância para embarques, produtos agrícolas, minerais e outras matérias-primas dos três países seriam exportadas a preços altamente competitivos em direção dos ricos mercados situados no outro lado do mundo.

Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, existem, porém, outros aspectos, não só de natureza econômica que devemos considerar.

Fazemos parte de uma região riquíssima, temos um acervo cultural grandioso e uma elite intelectual das mais competentes. Nossas riquezas são incalculáveis, fazemos uso de uma tecnologia avançada, possuímos uma reserva intelectual madura e dispomos de uma importante base industrial. O nosso sonho deve ser o de construir o quanto antes, em todo o continente, sociedades modernas estáveis, sofisticadas tecnologicamente, justas socialmente e, sobretudo, pacíficas.

Precisamos pensar seriamente e concentrar todos os esforços na construção imediata de uma infra-estrutura econômica e social que sirva diretamente a todos os países da região e ao processo de integração da América Latina.

Neste sentido, a “Carta da Fronteira”, documento que emergiu ao final do Seminário a que me referi no início deste discurso, ao fazer um primeiro esforço de sistematização dos problemas e necessidades das regiões fronteiriças e de encaminhamento de soluções, quer se constituir em incentivo para a mobilização dos povos habitantes das fronteiras, na luta por seu desenvolvimento.

De minha parte, quero informar a esta Casa que determinei à minha assessoria um exame acurado das questões relativas à Faixa de Fronteira, no sentido de elaborar projetos de lei que contemplem os pontos já diagnosticados como prioritários, com o objetivo de criar condições para que a região fronteiriça obtenha maior segurança, melhores condições de trabalho, melhores níveis de atendimento em saúde e educação, incremento do intercâmbio e do comércio entre os países, de forma a se alcançar resultados concretos em termos de desenvolvimento econômico e social da faixa de fronteira.

Era o que tinha a dizer!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2003 - Página 40812