Pronunciamento de Juvêncio da Fonseca em 12/12/2003
Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reforma do Judiciário.
- Autor
- Juvêncio da Fonseca (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MS)
- Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA JUDICIARIA.:
- Reforma do Judiciário.
- Aparteantes
- Demóstenes Torres.
- Publicação
- Publicação no DSF de 13/12/2003 - Página 41094
- Assunto
- Outros > REFORMA JUDICIARIA.
- Indexação
-
- NECESSIDADE, COMPROMISSO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA JUDICIARIA, PRIORIDADE, AGILIZAÇÃO, JUSTIÇA, BRASIL, DEFESA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO PROCESSUAL, CODIGO DE PROCESSO CIVIL, CODIGO DE PROCESSO PENAL, LEGISLAÇÃO PENAL, REDUÇÃO, EXCESSO, RECURSO JUDICIAL, PREJUIZO, ANDAMENTO.
- ELOGIO, TRABALHO, MAGISTRATURA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Ilustre Senador Romeu Tuma, Presidente desta sessão, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal está vivendo o instante das reformas: a da Previdência, a tributária - também se fala na reforma política. O momento é das reformas.
No entanto, já estamos vivendo um clima de reforma há mais de três anos, no Senado Federal, e dez anos, na Câmara dos Deputados. Falo da reforma do Judiciário, que é de extrema importância para o povo brasileiro.
Percebo que essa reforma, que já está sendo falada há tantos anos, não está trazendo o entusiasmo necessário para que o Congresso Nacional apresse a sua votação. Até a Presidência da República cria, agora, uma secretaria especial para apoiar a reforma do Judiciário.
O que queremos da reforma do Judiciário? Não é uma estrutura nova, não são melhorias materiais para o Judiciário; essas são fáceis de alcançar. O que o povo deseja da reforma do Judiciário é que o deslinde das questões seja rápido, no tempo necessário para se acudir o direito que está periclitando. O que se vê, no País, é uma demora por demais insuportável no deslinde das questões.
Uma ação é proposta hoje, e só daqui a cinco ou dez anos se chega à sua decisão final. Isso é um absurdo.
Será que o que está acontecendo é negligência do juiz? Será que é decorrente do arcaísmo da estrutura dos tribunais? Será que é isso, na verdade?
Não acredito que seja, porque a Justiça, no meu Estado, conheço desde criança. Fui escrevente de cartório, distribuidor de fórum, defensor público, advogado e sei como funciona o Judiciário. Sei a luta do juiz para dar andamento ao processo e fazê-lo chegar à sentença final. Mas sei também do desespero do juiz, do promotor e dos advogados, porque esse objetivo não se alcança em razão simplesmente da lei adjetiva, ou seja, da lei processual.
Como funcionam os tribunais, a Justiça de 1ª instância, com referência aos recursos colocados à disposição das partes? Os recursos são inúmeros e emperram o andamento do feito.
Tive uma preocupação, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e gostaria que V. Exªs prestassem atenção neste fato. Criei uma situação hipotética de uma questão correndo não na 1ª instância, mas no Tribunal de Justiça. Não na 1ª instância, com o mesmo volume de recursos ou mais ainda, mas fiz no Tribunal de Justiça, porque tive uma assessoria que levantou essa questão. Vejam bem: formula-se uma situação hipotética, com fundamento no sistema jurídico-processual brasileiro, de modo a permitir uma visualização teórica das possibilidades recursais.
O autor pediu em juízo indenização por danos morais contra o réu. Se o juiz julgar procedente o pedido, por sentença serão possíveis os seguintes recursos, em ordem sucessiva - Senador Demóstenes Torres, já estou falando da sentença de primeira instância para o Tribunal de Justiça:
1. O réu poderá opor recurso de embargos de declaração, alegando que a sentença fora omissa com relação à determinada alegação defensiva (CPC, art. 535, II). O juiz, se reconhecer a omissão, poderá analisar a questão e rejeitar a defesa, mantendo a sentença de procedência;
2. Novamente o réu poderá embargar de declaração, alegando agora obscuridade da sentença (CPC, art. 535, inciso I). O juiz conhece o recurso e rejeita a tese, mantendo a sentença;
3. O réu poderá interpor recurso de apelação, que será recebido nos efeitos devolutivos e suspensivo (CPC, art. 513);
4. No Tribunal de Justiça competente para julgar a apelação, o relator sorteado poderá, por decisão monocrática, negar provimento ao recurso, por entendê-lo manifestamente improcedente (CPC, art. 557);
5. Contra essa decisão, caberão embargos de declaração se o apelante alegar omissão da decisão (CPC, art. 535). O relator poderá rejeitar os embargos, mantendo a decisão;
6. Contra essa decisão caberá recurso de agravo interno, também conhecido por agravo regimental, para a turma recursal competente (CPC, §1º, do art.557);
Vai longe ainda, senhores. Estamos começando.
7. A turma, julgando o recurso de agravo, poderá, nesse caso, desde logo, julgar o recurso de apelação e reformar, por maioria de votos (2 a 1) a sentença;
8. Contra esse acórdão cabem embargos de declaração, opostos agora pelo apelado, autor da ação, alegando obscuridade do acórdão (CPC, art. 535, I). A turma poderá rejeitar os embargos de declaração, confirmando a decisão;
9. Contra o acórdão, o apelado poderá interpor embargos infringentes (CPC, art. 530). Esse recurso será encaminhado para outro órgão julgador do mesmo Tribunal;
10. Esse recurso de embargos infringentes será processado, abrindo-se vista para o recorrido. Depois, o relator do acórdão embargado poderá negar seguimento ao recurso, por julgá-lo, por exemplo, intempestivo;
11. Contra essa decisão monocrática caberá embargos de declaração, por obscuridade, alegando que a data de protocolo do recurso não foi corretamente considerada. O relator poderá rejeitar os embargos, confirmando a decisão;
12. Contra essa decisão caberá agravo interno para o órgão competente para conhecer do recurso de embargos infringentes (CPC, art.532);
13. A turma poderá dar provimento ao agravo interno e determinar o processamento do recurso;
14. No julgamento dos embargos infringentes, o órgão competente poderá dar provimento ao recurso, reformando o acórdão e mantendo a sentença que havia condenado o réu.
Vou continuar, Srªs. e Srs. Senadores, mas observem que eu já estou sendo repetitivo e estafante, e, na verdade, não esgotei ainda os recursos possíveis em segundo instância. Olhem o absurdo:
15. Contra esse acórdão caberá novamente embargos de declaração pelo réu, alegando omissão (CPC, art. 535, II), que poderá ser rejeitado, confirmando-se o acórdão.
16. Contra esse acórdão cabe recurso extraordinário para o STF, alegando matéria constitucional, e recurso especial para o STJ, alegando matéria de legislação infraconstitucional (CPC, art. 541). Esses recursos terão seu juízo de admissibilidade feitos no âmbito do próprio Tribunal, pelo seu Presidente ou Vice- Presidente;
17. Das decisões que negarem seguimento aos recursos, caberão recursos de agravo de instrumento ao STF ou ao STJ, que poderão determinar processamento dos recursos.
18. Admitidos os recursos no STF ou no STJ, serão julgados pelo mérito, e contra o julgamento será possível a interposição de novos recursos, tais como embargo de declaração e embargo de divergência”.
Observem, Srs. Senadores, que estou falando apenas da 2ª Instância, sem referir-me ao processamento inteiro no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, e não falando também da 1ª Instância, local em que se inaugura a ação cívil até a apelação.
Assim, contabilizando-se o total de recursos no caso hipotético, acima referido, temos 20 procedimentos recursais, sem falar da hipótese em que o juiz, concedendo ou negando, no mesmo processo, pedido de tutela antecipada, no início da ação, daria ensejo à interposição do agravo de instrumento diretamente no Tribunal de Justiça, com embargo de declaração, e uma outra série de recursos, até decidir finalmente se a tutela antecipada tem ou não cabimento.”
Srªs e Srs. Senadores, essa é a realidade legal dos recursos de uma ação num Tribunal de Justiça.
Que juiz, que desembargador tem condições, diante desse emaranhado de recursos, de dar celeridade à ação, possibilitando o imediato atendimento do pedido do autor ou do pedido do réu, com uma sentença que chega deslindando a questão a tempo de salvaguardar o direito violado da parte?
Essa é a reforma de que precisamos: a reforma contra os recursos do processo, não a reforma das estruturas dos tribunais, que é a que está caminhando com os projetos em tramitação há 13 anos no Congresso Nacional e que não chega ao seu final.
E a população está ávida para que, na verdade, ocorra essa reforma.
Para que tanta cautela num campo de trabalho em que de um lado há advogados, de outro, representantes do Ministério Público, de outro, juízes, magistrados, todos cuidando da ação? Por que tanta cautela, meu Deus do céu, com esses recursos absurdos que fazem com que o cidadão se desespere quando bate à porta da Justiça? Vamos fazer a reforma do Judiciário, mas é preciso que ela comece pelo Código de Processo Civil e pelo Código de Processo Penal. O Código de Processo Penal tem tantos incidentes que precisamos revê-lo, como também precisamos rever a lei penal, o que já seria um outro problema, porque flexibilizamos demais a execução da pena.
Sr. Presidente, V. Exª é um especialista na área criminal e sabe como se afrouxaram as regras. Quando eu advogava, sursis, a suspensão condicional da pena, era apenas para condenados até dois anos de detenção. Hoje é para condenados até quatro anos de reclusão, fora os indultos, fora tudo aquilo que acontece. O povo deseja celeridade? Sim, e é preciso que a alcancemos.
Concito as Srªs e os Srs. Senadores, o Congresso Nacional, a ajudarmos a Secretaria Especial criada pelo Presidente Lula. Vamos acelerar a reforma para que se acelerem os processos de prestação jurisdicional.
Esta semana, em entrevista, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, disse que a reforma é premente e falou a respeito das leis adjetivas, das leis processuais.
Quando se fala de reforma, qual é a imagem que surge como resultado? A prestação jurisdicional pronta, o mais célere possível, justa.
Gostaria aqui de exaltar o trabalho da magistratura. Como disse no início, profissionalmente, nasci dentro do fórum, dentro dos cartórios, e sei o que significa uma sentença judicial. Conheço a ansiedade dos juízes, dos promotores e dos advogados para que a ação chegue ao seu final e haja o deslinde da questão. Ela só não ocorre para aqueles que se utilizam da Justiça para usar desses subterfúgios, desses recursos absurdos para procrastinar a ação e não ter que cumprir com sua obrigação. A esses não podemos dar guarida. Precisamos dá-la àqueles que procuram a Justiça tentando recompor o seu direito violado.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Justiça de Mato Grosso do Sul, uma das melhores do Brasil, comandada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Rubens Bossay, é um exemplo da ansiedade que tem a magistratura por essa reforma que tanto esperamos, de que tanto falamos.
Vamos acelerar essa reforma, vamos aproveitar este instante em que a Nação está empolgada com as mudanças, em que o Executivo, por intermédio do Presidente da República, fala tanto em outras reformas, como a política e outras mais, para priorizar a reforma do Judiciário. Milhões de processos estão nas gavetas dos tribunais e não caminham porque a cada passo que se tenta dar tem um recurso a se opor.
Não importa a suntuosidade do edifício de um tribunal, não importa a estrutura física colocada para os magistrados exercerem a sua função, pois o de que precisamos é de um instrumento de celeridade. Isso, na magistratura, significa, antes de tudo, reduzir drasticamente os recursos que podem ser interpostos, seja nas decisões interlocutórias, seja nas decisões de mérito.
Sr. Presidente, colaborando com a proposta da Senadora Serys Slhessarenko, faltam ainda três minutos para se encerrar o meu tempo, mas acredito que esgotei bem o assunto e gostaria que todos os meus Pares tivessem oportunidade para falar neste plenário. Lançarei uma campanha no sentido de que, quando se falar em nome da Liderança, o assunto seja sempre de interesse partidário, para que nós, que nos inscrevemos com antecedência de 48 horas, tenhamos mais chance de falar desta tribuna.
O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Permite-me um aparte Senador Juvêncio da Fonseca?
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Pois não, Senador Demóstenes Torres.
O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Senador Juvêncio, V. Exª está tocando em algo que realmente é essencial para a Nação: a agilidade do Poder Judiciário. Temos um procedimento absolutamente arcaico. Eu me ausentei do plenário um pouco para tratar de um assunto, mas, além de todos os embargos, ainda há o regimental. Não sei se V. Exª tocou nesse assunto.
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Sim, toquei.
O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Um embargo que o Regimento Interno prevê, ou seja, vai-se reformando, e o Poder Judiciário consegue violar o Regimento mais que o próprio Senado Federal. É algo incrível. Com isso, a Justiça brasileira vai tocando o seu bonde, arrumando as suas soluções e vai enrolando aquele que está litigando. Não conseguimos decidir, essa é a verdade. Uma decisão de juiz de primeiro grau não vale nada e, às vezes, uma decisão de um Tribunal de Justiça também não tem grande repercussão. O Supremo Tribunal Federal se transformou em tribunal ordinário, que julga qualquer causa, que decide desde despejo de boteco de ponta de rua até propriedade de cachorro de madame de Copacabana. Quer dizer, qual é a importância, hoje, do Supremo Tribunal Federal? Temos que dar valor ao juiz de primeiro grau, temos que limitar os recursos, temos que dar importância extraordinária a um Tribunal de Justiça, e o Supremo Tribunal Federal tem que julgar as causas relevantes do País. Neste ano, no primeiro semestre, o Supremo Tribunal alemão julgou trinta e seis processos, processos de relevância, enquanto que o Supremo Tribunal Federal julgou mais de cem mil processos. Há alguma coisa errada, e grandemente errada. Depois de julgado, Senador, ainda há o processo de execução. V. Exª toca em algo que é fundamental: ou vamos reformular o procedimento, acabar com esses recursos procrastinatórios, ou a Justiça brasileira vai continuar se igualando à Justiça portuguesa, extremamente procrastinatória. Parabéns pelo pronunciamento de V. Exª.
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Senador Demóstenes Torres, V. Exª é um homem inteligente, atuante, Promotor de Justiça dos mais brilhantes de Goiás e do Brasil, e sabe muito sobre aquilo de que estamos falando.
Eu deveria, por obrigação, além da magistratura, exaltar também o Ministério Público, que trabalha intensamente para que os processos caminhem.
O que me preocupa mais ainda, Senador Demóstenes Torres, é ver que a Justiça, que trabalha tanto, com tanta dedicação e com tanta vocação, ainda merece da população uma avaliação negativa, que reputo ser em razão da morosidade do processo, e a culpa está na lei processual.
Sr. Presidente, obrigado pela tolerância. Deixo aqui a convocação para que o Congresso Nacional faça, o quanto antes, a reforma do Judiciário.
O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Muito obrigado. Parabéns, Senador.