Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Solidariedade à Senadora Heloísa Helena.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • Solidariedade à Senadora Heloísa Helena.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/2003 - Página 41130
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA PARTIDARIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), SOLIDARIEDADE, ORADOR, LIBERDADE DE PENSAMENTO, HELOISA HELENA, SENADOR, DEFESA, DEMOCRACIA, DENUNCIA, PERSEGUIÇÃO.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, brasileiras e brasileiros que assistem a esta sessão pelo sistema de comunicação do Senado, liberdade, igualdade e fraternidade.

Senador Delcídio Amaral, o povo, buscando uma forma de governo, foi às ruas e gritou: liberdade, igualdade e fraternidade! Caíram todos os governos absolutos, todos os reis e nasceu aquilo que, nas Américas, Abraham Lincoln chamou de governo do povo, pelo povo, para o povo: a democracia, a liberdade.

Eu queria usar o restante desta sessão para uma meditação e um ato de solidariedade. Amai-vos uns aos outros. Senador Duciomar, solidariedade é o amor na dificuldade.

Lembro nossa companheira Heloísa Helena e, aí, podem dizer que o Senador Senador Mão Santa não tem nada com o PT, não é do PT. Não sou e não quero ser. PT, para mim - e eu amo -, é Piauí e Teresina.

Mas sou a ignorância que é audaciosa. A democracia é um partido da pátria. Então, eu sou responsável. Esta Pátria é nossa. Assim, os partidos é que devem se enquadrar nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.

Senador Romeu Tuma, a ignorância é audaciosa. Aqui não é Cuba, onde não há partidos. Acabou o fascismo, acabou o nazismo. A Rússia se acabou também. Todos nós somos responsáveis. É preciso. O PT não está atrás do PMDB?

Porque ela pensou, cometeu uma falta. A filosofia, Senador Augusto Botelho, explica o que as ciências não explicam. Um filósofo eternizou-se porque disse: “Penso, logo existo.” A Senadora tem o direito de pensar. Esse é um direito do cidadão, do ser. Não respeitam o pensamento dela. Ela achou que a PEC nº 67 não era boa, como eu também não achei, e deve-se ter comportamento. Como é que o PT quer se viabilizar atrás do PMDB? Como? Há respeito ao comportamento na democracia.

Ulysses é o nosso líder ímpar, ícone, único, como Cristo é o líder da Igreja. Ele fez a democracia renascer, por isso o PMDB é respeitado. E então vamos logo expulsar o Presidente Sarney do PMDB, vamos expulsar o Mão Santa, vamos expulsar o Requião, porque eles também pensaram e votaram no Lula? Que coisa é essa?

Aqui falou o Senador Demóstenes sobre tortura. E a pior tortura é a mental. O que não é sofrimento dessa moça aqui! O Senador Duciomar também traduziu a força do povo, que o mandou representá-lo com consciência.

Quis Deus aqui chegasse o nosso Suplicy.

Senador Suplicy, nós estamos vivendo um suplício da filosofia, da liberdade!

Delcídio sintetizou o melhor de Minas. Minas, Juscelino antes dele, Libertas quae sera tamen. Liberdade. O Presidente Sarney disse, no seu primeiro discurso, que sem liberdade não se tem vida; sobrevive-se. Não há democracia. Libertas quae sera tamen. Então a moça não pode ter liberdade?

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Por favor.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Senador Suplicy, V. Exª ia entrando - Deus escreve certo por linhas tortas - e nós o vimos.

Atentai bem. No meio da rua, eu escuto o que estão dizendo: o PT é para pouco tempo. E há que entender que ele não tem esse poder todo não. Vamos entender as coisas. Nem o povo teve essa crença total no PT. O povo é sábio. O Duciomar disse isso, ele que sente o povo, que é do povo, que veio do povo, que veio do interior, com o exemplo do pai dele. O povo é sábio, deu o Executivo para o PT; não deu o Legislativo. O PT só tem onze aqui.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quatorze.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Três são do PL. Onze, mais três, quatorze.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quatorze são do PT, Senador Mão Santa.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Não é somando os três não?

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Incluindo a Senadora Heloísa Helena, somos quatorze.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Somos 81. Então, o povo do Brasil não deu a democracia para o PT. O PT tem que respeitar a democracia.

Esse é um ato antidemocrático e nós somos responsáveis. Perdemos a democracia. Eu vim do Partido de Ulysses, que fez renascer a democracia.

Então, eu queria dizer, Senador Suplicy, atentai bem para esse homem. Atentai bem para o desrespeito e a discriminação à mulher no seu maior drama, na sua crucificação.

Todos os homens falharam, como todos os que estão falhando aí, como os do núcleo duro, como os dirigentes do PT. Pilatos, que foi Governador como eu, lavou as mãos. Fraquejaram também Anás, Caifás, o pai de Cristo, José. Onde estava José? Pedro negou três vezes. Todos aqueles apóstolos, Senador Delcídio Amaral, todos os homens fraquejaram. Só um O ajudou, que foi Cireneu.

E o Brasil espera que o Cireneu dessa mulher que está sendo crucificada, que está sendo torturada psicologicamente, seja o Senador Eduardo Suplicy. Deus é bom, Deus é pai, Deus não abandona ninguém.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Mão Santa?

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha.) - Terminou o tempo de V. Exª. Prorrogo a sessão por cinco minutos para V. Exª terminar o seu discurso, Senador Mão Santa.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - É o suficiente. Cristo fez o Pai Nosso em menos de um minuto. Vamos terminar em cinco minutos.

É o seguinte: estamos em Cristo, mas apareceu o Cireneu, que é V. Exª. Deus é bom. Deus sempre coloca os homens nos lugares certos. Ele colocou o Presidente Romeu Tuma, com a tolerância, na Presidência, para os cinco minutos se transformarem em dez minutos.

Deus não nos abandona e fez Davi vencer Golias, colocou Salomão e, agora, o Senador Eduardo Suplicy para fazer essa defesa.

Quero lhe dizer que os homens fraquejaram, mas não as mulheres. A mulherzinha do Pilatos, a “Adalgisinha” dele, disse-lhe: “Não faça isso. O homem é gente boa. Eu O vi”. Estava Verônica enxugando o rosto. Estavam lá as três Marias! E a coragem dessas mulheres históricas está aqui representada na Senadora Heloísa Helena. S. Exª esteve no Nordeste, esteve em Alagoas, lutando contra a ditadura, moralizando o Estado, transformando-se de professorinha em enfermeira na hora do sofrimento, da dor. Professora de Enfermagem, líder, Vice-Prefeita, Deputada Estadual, Senadora que engrandece! Nenhuma indignidade, nenhuma vergonha, nenhuma indecência! A firmeza da mulher de Pilatos, a firmeza de Verônica e a das três Marias repete-se aqui na Senadora Heloísa Helena.

Senador Eduardo Suplicy, a História é cheia dessas perseguições. Estão querendo, Senador Duciomar Costa, que volte a inquisição: “Taquem fogo na Joana D’Arc!”. Mas, mesmo queimada, ela teve coragem e libertou a França, a França que gritou ao mundo “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Concedo o aparte ao Cirineu que vai tirar a Senadora Heloísa Helena da fogueira que o PT está querendo fazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero, Senador Mão Santa, em solidariedade ao pronunciamento de V. Exª, repetir aqui algumas palavras do nosso teólogo maior brasileiro Leonardo Boff, que hoje - não sei se V. Exª teve oportunidade de ler -, no Jornal do Brasil, escreve “Pour Heloïse Helène”. Permita-me aqui dizer um trecho:

Há poucas músicas mais apaziguadoras que Pour Elise, de Beethoven. Sem presunção, desejaria que minhas reflexões tivessem semelhante efeito. A Senadora Heloísa Helena é para mim irmã e companheira de sonhos, de caminhada e de lutas. Como a maioria dos teólogos da libertação, ela e nós somos filhos da pobreza e fizemos em nossas vidas a opção pelos pobres, contra a pobreza e em favor da vida e da libertação. Como ela, nos enchemos de iracúndia sagrada face às injustiças do mundo e à humilhação de nosso povo. E quem, face a esses cenários dramáticos, não se indignar, é inimigo de sua própria humanidade. E há muitos em nosso País e no mundo. Mas entre eles nunca esteve Heloísa Helena. Ela mantém a chama viva da herança dos profetas e do maior deles, Jesus de Nazaré. Não aceita negociar e entrar em alianças que impliquem esquecer o sofrimento das grandes maiorias empobrecidas. Especialmente, quando só fazem aumentar a dor.

O PT se caracterizou como aquele partido que se propôs escutar o clamor da Terra e fazer uma política de mudanças que eliminasse as razões para continuar a gritar. Esse é o seu compromisso sagrado, selado com suor e sangue de muitos militantes e de tantos na sociedade que, não sendo do Partido, como eu e Frei Betto, apostamos que agora se daria a ruptura instauradora e se inauguraria um Brasil diferente daquele que herdamos há 500 anos.

Todos sabemos, o PT no Governo herdou um dilúvio. No lugar de uma Arca de Noé, encontrou um Titanic afundado. Teve de fazer de tudo para transformá-lo num transatlântico salvador. E agora, redirecionado, deveria apontar para as mudanças em nome das quais foi salvo e existe: mais centralidade nos pobres e excluídos, desenvolvimento social mais que puro crescimento econômico, mais ouvidos aos da Planície que aos do Planalto. Tal orientação é essencial à identidade política do PT. Enfraquecê-la, postergá-la, comandá-la por razões de governabilidade é desnaturar o PT, desfraudar a esperança que venceu o medo e perder a chance, talvez única em nossa geração, de fazer transformações estruturais com democracia. Para isso, precisamos de sinais concretos mais que de discursos.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha.) - Sr. Senador, peço, por favor, a compreensão de V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Já vou concluir, Sr. Presidente:

E esses não ganharam ainda clareza suficiente para nos convencer. Esse é o pano de fundo do inconformismo e do dedo em riste da Senadora Heloísa Helena. Sua palavra cortante atinge o nervo da questão e mobiliza a todos. Sua causa é verdadeira, seu móvel é o amor aos pobres mediado pela militância no PT, seu objetivo é puro como nos profetas bíblicos: convocar o Governo para a aliança das origens e para o sonho que não pode morrer. Nenhum profeta deve ter muito amor ao seu pescoço, pois nenhum deles morreu na cama. Mas ai do poder que se orientar somente por sua lógica linear e se esquecer de que a saúde de todo poder é conviver com o antipoder que o impede de ser autoritário e absolutista. E silenciar, marginalizar e expulsar Heloísa Helena é mostrar-se fraco e incapaz de aprender da contradição.

Por favor, não imitem a Igreja Hierárquica Católica, que sempre caça o pensamento divergente (fui uma das vítimas) e que ao expulsar Lutero de seu seio expulsou a massa crítica e se mediocrizou até os dias de hoje. Queremos um PT que resiste às tentações do poder central que tudo uniformiza. Queremos Heloísa Helena no PT assim como é, profética, irada e cheia de enternecimento.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Nobre Senador Eduardo Suplicy, V. Exª poderia citar o jornal e a página?

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Essa matéria está no Jornal do Brasil de hoje, coluna de Leonardo Boff, página A-9. Eu a li para enriquecer o discurso do nobre Senador Mão Santa, que estava falando exatamente que não deveríamos aplicar em Heloísa Helena certas práticas do tempo da Inquisição, ocorridas às vezes até em anos recentes, como com Leonardo Boff.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Pediria a V. Exª que encerrasse.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Já concluí, Sr. Presidente.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Agradeço-lhe, Senador Eduardo Suplicy.

Leonardo Boff, todos nós já lemos. É tanta a beleza, porque a inspiração é grandiosa, é a luta de Heloísa Helena.

Atentai bem: não bastou o exemplo de Sócrates ser condenado por suas virtudes de mestre? Não bastou o sacrifício de Joana D’Arc, na Inquisição? Não bastou o sacrifício de Cristo, na crucificação? Será que não aprendemos com tudo isso?

Termino, Sr. Presidente, onde comecei, com Cristo. Atentai bem, PT: aquela passagem era de uma mulher pecadora, mas, agora, estamos falando de uma mulher virtuosa, de uma mulher bíblica, de uma mulher Senadora, de uma mulher mãe, de uma mulher enfermeira, de uma mulher professora, de uma mulher brasileira, de uma mulher nordestina, de uma mulher de Alagoas.

Diante de uma pecadora, Cristo disse: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado”. Nós, homens e mulheres, vamos atirar flores de gratidão ao exemplo que tem sido Heloísa Helena neste Senado.

Senador Eduardo Suplicy, tire-nos desse suplício, dessa inquisição!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/2003 - Página 41130