Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa dos direitos das minorias, principalmente o problema da mulher na Previdência.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA SOCIAL.:
  • Defesa dos direitos das minorias, principalmente o problema da mulher na Previdência.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2003 - Página 41211
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, DIREITOS, MULHER, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ELOGIO, INCLUSÃO, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, AUSENCIA, VINCULO EMPREGATICIO, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, MULHER, MERCADO DE TRABALHO, INFERIORIDADE, SALARIO, COMPARAÇÃO, HOMEM, PROBLEMA, DUPLICIDADE, JORNADA DE TRABALHO, EXCESSO, RESPONSABILIDADE.
  • NECESSIDADE, RECONHECIMENTO, VALORIZAÇÃO, REMUNERAÇÃO, CONCESSÃO, APOSENTADORIA, DONA DE CASA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, COBERTURA, SEGURIDADE SOCIAL, INCLUSÃO, FAMILIA, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, RESPONSABILIDADE, FORMAÇÃO, CIDADÃO.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que, regimentalmente, teríamos 50 minutos, mas concordo totalmente com esse acordo, porque, do contrário, os demais Senadores e Senadoras ficariam com dificuldade de se manifestar. Se fossem concedidos 50 minutos para cada inscrito, em uma manhã, apenas três ou quatro falariam, e olhe lá. Mas vou me restringir aos 20 minutos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu falava há pouco sobre a questão da previdência e anunciava que eu voltaria a usar da palavra ainda hoje. Portanto, passo a tratar mais especificamente do problema da mulher na previdência.

Os movimentos de mulheres e feministas do Brasil vêm participando ativamente do debate político sobre a reforma da previdência social, reivindicando, principalmente, que seja enfrentada a exclusão de 40 milhões de pessoas desse sistema, que, em sua grande maioria, são as mulheres, são os negros. E eu disse aqui: em sua grande maioria. Muitas vezes, é dito e discutido que estão deixando a desejar o direito das minorias. Ora, desde quando, neste País - só para citar duas categorias -, mulher e negro são minoria no Brasil? Nós, mulheres, somos 52% da população, e os negros são, praticamente 50%. Então, de minoria não temos nada. Somos maioria mesmo, maioria alijada em muitos aspectos.

A pressão e mobilização desses movimentos foi fundamental para assegurar que a PEC nº 67/03 previsse a criação de “um sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo, exceto aposentadoria por tempo de contribuição”.

Essa pressão e essa mobilização foram também fundamentais para que a PEC nº 77/03 acrescentasse um novo parágrafo para explicitar que “o sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o §12 abrangerá os trabalhadores sem vínculo empregatício e aqueles sem renda própria dedicados exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito da residência da própria família e terá alíquotas e carências inferiores aos vigentes para os demais segurados do Regime Geral de Previdência Social (...)”.

Entretanto, devemos constatar que essa formulação ainda é insuficiente, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores. Ficamos ainda diante do desafio de criar condições mais justas e igualitárias para a participação das mulheres e da população negra no sistema previdenciário.

A previdência não pode continuar esquecendo um segmento que nunca foi considerado: as pessoas - quase todas mulheres - sem renda própria, dedicadas aos cuidados com a família e aos afazeres domésticos. Não podemos também fechar os olhos para as trabalhadoras e trabalhadores informais e de baixa renda que não possuem cobertura previdenciária. Urge que esse segmento seja considerado e que o trabalho doméstico não remunerado seja reconhecido e, mais ainda, que o Legislativo assuma esse desafio.

Dados levantados pela Organização das Nações Unidas nas regiões mais pauperizadas, onde os serviços básicos de infra-estrutura são precários, apontam que as mulheres trabalham de três a cinco horas a mais que os homens em tarefas realizadas no âmbito doméstico e da subsistência, que vai de pegar água a buscar alimentos.

Eu até gostaria de propor um desafio aos Srs. Senadores: que cada um fizesse as contas de quanto a sua esposa, a sua companheira, trabalha em termos de horas - não vale estas extraordinárias que estamos fazendo agora. Aquela companheira que não trabalha fora de casa, mas que fica nas lides domésticas, mesmo sendo esposa de Senador - que deve ter uma série de facilidades -, trabalha, sim, na orientação dos trabalhos domésticos, na educação dos filhos, no controle da casa e numa série de outras tarefas. Verificaremos que esse horário ultrapassa, muitas vezes, muito mais de oito horas, Senador Augusto Botelho. V. Exª é um dos defensores das causas da mulher e não é à toa que compõe o Conselho da Mulher Cidadã no Senado.

As horas gastas nessas tarefas representam o tempo a menos que as mulheres contam para buscar prover a sua sobrevivência e a de seus familiares. No futuro, todas essas horas somadas resultarão em desproteção social. O direito à aposentadoria, cada dia mais estreitamente vinculado à contribuição, afasta-se progressivamente do horizonte das mulheres.

Essa realidade é explicitada ao se verificarem os dados dos indicadores sociais do IBGE de 2002 - atentem, Srªs e Srs. Senadores -, em que as mulheres dedicadas aos trabalhos domésticos somam 19,2%, e, desse percentual, 10,5% delas não recebem remuneração. Essa proporção em relação aos homens é bem menor (0,8% e 5,9% respectivamente).

Se aproximadamente 20% das mulheres se dedicam exclusivamente aos trabalhos domésticos e mais 10% o fazem de forma parcial baixa - quer dizer, a maioria do seu tempo é gasto em trabalhos domésticos -, somam-se praticamente 30%. Quanto aos homens, o índice observado é de 0,8%. Por que será que isso acontece? Será que o trabalho doméstico é tão complicado, tão difícil, que 30% das mulheres se dedicam exclusivamente a ele e 70%, com certeza, dedicam-se ao trabalho fora de casa e a todas as lides domésticas? Enquanto isso o percentual relativo aos homens é de somente 0,8%, não chegando a 1%, Srªs e Srs. Senadores. Mudar culturalmente é algo difícil!

Esse tipo de trabalho, freqüentemente não valorizado em dados nacionais, tem feito com que uma parte importante da contribuição feminina ao desenvolvimento social e econômico continue subestimada, subavaliada e não reconhecida pela sociedade e pelo Estado.

Também é grave a situação da pequena parcela de trabalhadoras incluídas, pois estas se encontram em desvantagem em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

Os ônus da dupla jornada são altos. No mercado de trabalho, a discriminação contra a mulher tem custos elevados, que se reproduzem e se potencializam no sistema de previdência social.

Senão, vejamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

- as mulheres têm uma remuneração menor do que a dos homens pelo mesmo trabalho, do que decorre o recolhimento de uma contribuição também menor para a previdência social, fator que repercute diretamente sobre o valor da aposentadoria;

- a maior parte da mão-de-obra feminina está ocupada no mercado informal ou em empregos precários;

- a participação da mulher no mercado de trabalho é intermitente, em razão das responsabilidades familiares que tem de assumir, na maior parte das vezes sem contar com seus companheiros para compartilhá-las, nem com o Estado, que descumpre também os seus deveres constitucionais de proteção da família, das crianças e dos idosos;

- a taxa de desemprego feminino é cinco pontos percentuais mais elevada que a encontrada entre os homens.

Além de ser mais elevada a taxa de desemprego das mulheres com relação à dos homens, ainda há o caso dos salários, que são bem menores. E não podemos nos esquecer da hora-extra e do intervalo para a refeição.

A mulher da camada popular, que, geralmente, acorda às 4 horas para fazer a bóia do companheiro, para ajeitar a comida dos filhos que vão para a escola, para ir para o ponto de ônibus pegar a condução, a fim de se dirigir ao seu emprego doméstico ou a outro qualquer, leva de duas a três horas para chegar em seu local de trabalho. Tão logo chega ali, ela começa a trabalhar e não tem intervalo de almoço, não. Muitas vezes, ela come ali, em pé, na beirada da pia, com o prato na mão, porque o tempo não é suficiente. E ela continua trabalhando até o final da tarde, quando volta a pegar a condução, levando de duas a três horas para chegar em casa. E, ao chegar em casa, ela tem que organizar a situação dos filhos. Ela recebe a queixa dos vizinhos, pois os meninos aprontaram durante o dia inteiro, porque estão abandonados ou quase abandonados, já que o serviço de creche é precário.

A queixa, geralmente, não é feita para o homem quando ele chega em casa, mas sim para a mulher. Parece que só a mulher é responsável pela educação dos filhos. Até estamos entendendo por que isso cada vez se agrava mais. Hoje 29,8% das mulheres são chefes de família. Dos chefes de família, aproximadamente 30% são mulheres, absolutamente sós, que buscam o sustento dos filhos, dos pais idosos, das pessoas doentes da família. Elas têm que trazer o sustento para a família e cuidar, tomar conta e educar de seus filhos. Esse percentual, entre os homens, não chega a 10%. Não sei o porquê. Aliás, até podemos imaginar o motivo, não é? A mulher, na maioria das vezes, segura sozinha os problemas da família.

Se considerarmos a inclusão previdenciária sob uma perspectiva étnico-racial, a situação se torna mais grave ainda. Basta dizer que, segundo a PNAD/1999, dos 24,6 milhões de contribuintes selecionados para análise, apenas pouco mais de um terço dos contribuintes (8,6 milhões ou 34%) era formado por negros, pardos ou indígenas. Essa situação é ainda pior do que a das mulheres.

É imperioso ressaltar aqui que a cobertura da previdência social para o sexo feminino é de apenas 40%, menor do que a dos homens, entre outras razões, por essas, que obstaculizam seu acesso ao emprego e sua permanência nele, ou pelas atividades produtivas que exercem.

A maioria das aposentadorias femininas é por idade, por não conseguirem atingir o período de 30 anos de contribuição, para se aposentarem mais cedo, e seu benefício médio mensal é menor que o do segmento masculino. Isso não pode permanecer, pois, a cada ano, as famílias - isto é, as mulheres -assumem mais e mais responsabilidades.

É aquela velha história: elas têm de ir em busca de trabalho para ajudar no sustento da família, mas, os serviços da casa, as lides domésticas, essas continuam intactas, são funções das mulheres. Isso é errado, totalmente errado. Mas precisamos contribuir com muita mudança e, por conseguinte, com resposta educativa. Deve haver uma mudança de mentalidade, principalmente para extinguir esse separatismo entre serviço de homem e serviço de mulher. Isso não existe. Todos os serviços são de homem e de mulher. Acredito que cada Senador, ao chegar em casa hoje, se o almoço não estiver pronto, dará uma forcinha, uma ajudinha. Vejo que todos fazem um sinal positivo. Por isso, o Brasil está mudando.

Concedo o aparte ao Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srª Senadora, faço o aparte por dois motivos. Em primeiro lugar, sou solidário a V. Exª pelo seu discurso. V. Exª sabe que defendo as mulheres. Inclusive, sei que recebo esses elogios porque V. Exª está a par da PEC que apresentei para dividir a expectativa previdenciária do casal. A mulher não fica só dentro de casa; é ela quem interrompe o seu trabalho para cuidar dos filhos e da família - o que é um benefício para a sociedade. Nós, legisladores, queremos aperfeiçoar a legislação para que a mulher não fique desamparada quando se separa, recebendo os bens e a pensão, sem uma expectativa de aposentadoria no futuro. Em segundo lugar, sei que V. Exª defende veementemente as mulheres e devo dizer que conheço muitos homens que participam dos trabalhos domésticos, que ajudam a família - um pouco, mas ajudamos. Sempre ajudo a minha querida Vi quando estou em casa. A maioria dos homens tem consciência de que a mulher é o esteio da família, dos filhos. Quem educa, quem conversa com os filhos da gente são as mulheres mesmo. Nós participamos, mas quem decide, no fim, são as mulheres. Sou solidário a V. Exª e sei que V. Exª é uma lutadora. Tenho certeza de que nós dois e todos os Senadores, trabalhando nos oito anos próximos, vamos conseguir evoluir muito nesse aspecto. V. Exªs só são oito Senadoras na Casa e já fazem um enorme movimento. Estou ficando preocupado, quando chegar a quarenta, em como vamos ter de agir. Muito obrigado.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Quando chegar a quarenta, vai começar a ficar bom. O problema é quando chegar a sessenta. Os Senadores vão ter de apelar para a lei de quotas, mas tudo bem.

Prometi respeitar o tempo, mas tenho de terminar o meu discurso.

A Constituição Federal de 1988 elegeu a família como base da sociedade e lhe concedeu proteção especial. Essa proteção à família, certamente, decorreu da visão de justiça social do Constituinte de que, para a família exercer tão importante papel, precisaria de um maior resguardo.

Porém, é preciso que o Estado exerça sua função de promotor de políticas públicas, de políticas universais para que a família possa cumprir os deveres de:

a) - Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 227 da Constituição de 1988.

b) - Amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida. Art. 230 da Constituição de 1988.

c) - Promover e incentivar a educação, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 205 da Constituição de 1988.

Sr. Presidente, é preciso que o Estado faça a sua parte e que a Seguridade Social se constitua num dos principais sistemas de indutores de promoção de políticas capazes de assegurar à família condições para cumprimento dos deveres que lhe foram imputados, como também de reconhecer e valorizar o trabalho doméstico não remunerado.

Para tanto, faz-se necessário que a Seguridade amplie a oferta e a cobertura dos benefícios existentes para que possa produzir justiça social de gênero e raça.

Nós, Parlamentares identificados com as lutas das mulheres, não podemos perder de vista esses desafios e devemos continuar mobilizados em busca dessas conquistas tão fundamentais para as nossas companheiras, para as mulheres trabalhadoras do nosso Brasil.

Muito obrigada.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2003 - Página 41211