Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a situação demográfica e estrutural dos municípios, defendendo a descentralização de recursos a eles destinados.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Análise de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a situação demográfica e estrutural dos municípios, defendendo a descentralização de recursos a eles destinados.
Aparteantes
Augusto Botelho, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2003 - Página 41217
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, RELATORIO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ANALISE, DIAGNOSTICO, PROBLEMA, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, SUBSIDIOS, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ELABORAÇÃO, PLANEJAMENTO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, PRIORIDADE, VALORIZAÇÃO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, MUNICIPIOS, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, DESCENTRALIZAÇÃO, RECEITA, UNIÃO FEDERAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, qualquer Nação, para se desenvolver e progredir de forma plena, necessita, antes de tudo, se conhecer. Municiados de dados precisos sobre a realidade socioeconômica brasileira, nossos Governantes poderão criar políticas públicas objetivas, que atendam às necessidades prementes de nossa gente. Pois essa é a nobre e hercúlea missão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o valoroso e incansável IBGE.

Dando continuidade às suas ações, o IBGE publicou mais um trabalho de fôlego e valor inestimável: O Perfil do Municípios Brasileiros e Gestão Pública 2001. Apresentando de forma analítica e comparativa as informações obtidas pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais - Munic junto às prefeituras dos 5.560 Municípios brasileiros, em 2001, o documento revela robustas desigualdades entre as cidades brasileiras, notadamente em função do seu tamanho e da sua localização geográfica.

É fato que, nas duas últimas décadas, nosso País vem experimentando diversas e profundas mudanças, constituindo-se a esfera municipal em um importante cenário desse fenômeno. Como parte de um processo amplo e democrático de descentralizações política e administrativa, um grande número de novos Municípios foi criado, assim como uma grande parcela de atribuições e responsabilidades lhes foram delegadas.

Portanto, a demanda por informações sobre a base municipal tem sido crescente. E é nessa lacuna que se insere o referido trabalho do IBGE, o qual analisamos com refletida atenção.

Os resultados foram selecionados e agregados por faixas de tamanho populacional dos Municípios, grandes regiões e unidades da Federação, abrangendo os principais eixos temáticos contemplados na pesquisa.

Questões como mecanismos de planejamento e gestão urbana existentes nas municipalidades; políticas públicas e ações locais para enfrentamento dos problemas habitacionais; iniciativas do poder público para geração de trabalho e renda; e existência de equipamentos de cultura, esporte e lazer disponíveis são levantadas, de forma objetiva e precisa, pelo documento. Vamos aos números, então.

Em 2001, 1.269 prefeituras, ou 23% do total, declararam que havia favelas nos respectivos Municípios, com 2.362.708 domicílios nessa situação cadastrados. Cerca de 70% desse número de domicílios está localizado nos 32 maiores Municípios brasileiros, onde todas as prefeituras declararam possuir favelas. As periferias de nossas grandes regiões metropolitanas, portanto, encontram-se solapadas por mocambos, palafitas e barracos, formando um quadro de agudas e duradouras mazelas sociais. Tal cenário foi dolorosamente construído sob os auspícios do êxodo rural descontrolado, altas taxas de desemprego e carência de serviços urbanos essenciais, negligenciados a uma gente sofrida e marginalizada.

Por um lado, se os pequenos Municípios brasileiros não padecem do mal da favelização, como as grandes metrópoles, sofrem com indigência de seus equipamentos culturais, instrumentos de justiça e cidadania, e de incentivos a novos investimentos econômicos. Os números da pesquisa não me deixarão mentir.

Apenas 56 Municípios brasileiros, ou 0,9% do total, possuem todos os tipos básicos de equipamentos culturais, como clubes, museus, cinemas, teatros, estádios esportivos, estações de rádio e TV ou shopping centers. Trinta por cento deles ficam no Estado de São Paulo. Por outro lado, 153 Municípios não possuem nenhum equipamento cultural. Setenta por cento deles situam-se nas regiões Norte e Nordeste. Vejam como esse fato aprofunda as desigualdades sociais mais ainda.

A pesquisa analisou também as estratégias utilizadas pelas prefeituras para atrair investimentos econômicos e gerar empregos. De acordo com as informações fornecidas, 93% dos Municípios com mais de 500 mil habitantes oferecem incentivos fiscais ou não-fiscais, enquanto apenas 47% dos pequenos, com até 5 mil habitantes, lançam mão desses mecanismos.

No quadro regional, 78% dos Municípios do Sul utilizam incentivos econômicos, enquanto apenas 39,7% dos Municípios nordestinos os concedem.

Os dados da Munic 2001 expõem, ainda, a carência de instrumentos de justiça e segurança nos Municípios brasileiros, marcadamente nos de menor porte. Apenas 7,3% do total possuem Delegacias da Mulher, 11% têm órgãos de defesa do consumidor e somente 20% mantêm uma guarda municipal. A presença desses três órgãos nas cidades com menos de 5 mil habitantes é insignificante.

Ao nos depararmos com esses números, vem-nos a clareza da mais absoluta necessidade de políticas que combatam a fragilidade institucional de nossos pequenos Municípios - que aliás são a grande maioria - de ações rápidas que os municiem dos instrumentos básicos de apoio à segurança, cultural e desenvolvimento econômico.

Srªs e Srs. Senadores, o número de Municípios no País cresceu 35% desde 1985 com a redemocratização. E, para entendermos e conhecermos melhor nossas cidades, locus fundamental de todos os nossos graves problemas sociais, devemos atentar para os resultados da pesquisa do IBGE. Só assim, teremos os subsídios necessários para a consecução de políticas públicas que valorizem os Municípios e os transformem em peça-chave na construção de uma nação mais justa, solidária e progressista.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Concederei um aparte a V. Exª em seguida, com muito prazer.

É importante chamar atenção para essa questão, porque sempre é divulgado pela grande imprensa nacional que os problemas de corrupção no País ocorrem nos Municípios. Com isso, parece que o Poder Central é composto de vestais que não cometem nenhum tipo de irregularidade, quando sabemos que, na prática, se dá o contrário. Os grandes escândalos nacionais foram cometidos, exatamente, no âmbito federal.

Portanto, é preciso que se inverta essa realidade, valorizem-se os Municípios brasileiros, que é exatamente onde o cidadão vive e procura solução dos seus problemas sociais, econômicos e familiares.

É importante o Governo Lula dê, realmente, ênfase aos Municípios, já que criou o Ministério das Cidades, e que as cidades pequenas sejam mais valorizadas e atendidas.

Concedo, com muito prazer, um aparte ao Senador João Capiberibe.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti. Realmente, os dados são preocupantes. A situação dos Municípios, principalmente nas regiões periféricas, mais pobres, como Norte e Nordeste, é extremamente preocupante. Ao longo da história, esses Municípios não conseguiram instalar a infra-estrutura necessária para propiciar uma vida adequada a sua população. Inclusive, em alguns Municípios, a população não tem nem mesmo energia elétrica. Hoje não seria o caso, mas, até bem pouco tempo atrás, havia casos de sedes municipais sem energia elétrica. Em algumas regiões da Amazônia, ainda há Municípios cuja sede municipal não conta com energia por 24 horas. O que mais nos preocupa é que, se na região periférica, nos Municípios menores, a situação é difícil, hoje, estamos presenciando o sucateamento do Estado brasileiro, diante dos nossos olhos. O Itamaraty teve o fornecimento de energia elétrica cortado porque não tinha dinheiro para pagar a conta. Mesmo o Ministério das Cidades, que V. Exª acaba de citar, tem um orçamento de pouco mais de R$300 milhões para o próximo ano. Ora, será que é por que o Presidente Lula não quer atender aos Municípios, às cidades, resolver os problemas do País? Não. Trata-se de uma questão, sobre a qual repetirei aqui durante toda a minha permanência nesta Casa, até que haja uma solução: este ano, investiremos um pouco menos de R$ 6 ou 7 bilhões para tapar os buracos das estradas, ampliar as redes de energia elétrica, etc, e gastaremos com amortização e juros da dívida R$154 bilhões. Então, o gargalo está exatamente na dívida. Não é possível seguirmos aqui discutindo as necessidades cujos diagnósticos já sabemos. Estão aí os dados do IBGE que revelam: há Municípios sem um mínimo de infra-estrutura, sem condições de vida para a sua população. E seguimos pagando essa fábula há décadas. Nos últimos três anos - até o dia 30 de novembro do ano passado - a dívida cresceu 200 bilhões; nós pagamos 124 bilhões e, assim mesmo, ela cresceu. Então, precisamos analisar essa dívida, precisamos criar uma comissão no Senado, porque estamos impedidos de realizar o desejo das nossas comunidades, porque não há dinheiro. Esses diagnósticos são fundamentais para que possamos compreender a urgência e a necessidade de atacarmos o problema fundamental deste País, estrutural, que é a dívida pública.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço, Senador João Capiberibe, o aparte. V. Exª que foi Governador de um Estado pobre como o meu, o Amapá - embora o Amapá esteja até mais desenvolvido em muitas áreas do que Roraima - conhece perfeitamente a realidade dos pequenos Municípios. E é exatamente para isso que esse diagnóstico do IBGE chama a atenção. Precisamos, até para resolver o problema dos grandes centros, resolver o problema dos periféricos, como V. Exª falou. Se não resolvemos, as pessoas, mesmo sem poder, vão para os grandes centros agravar ainda mais os problemas sociais, como desemprego, falta de moradia, de saúde, falta de segurança, sem que eles tenham culpa por isso. É preciso que o poder público inverta essa realidade.

V. Exª abordou a questão do Orçamento, que realmente precisa ser melhorado, precisa ser voltado para eliminar as desigualdades sociais e regionais. Principalmente, algo que me atormenta é pensar o País - que possui tantas riquezas deliberadamente não exploradas - continuar pagando essa dívida à custa do imposto que o povo paga, em outras palavras, do dinheiro do povo, quando poderia explorar suas riquezas minerais, suas riquezas naturais de maneira racional. Aí, sim, pagar essa dívida de maneira mais suave para a população. É de se pensar que não interessa aos colonizadores modernos, os homens, portanto, a quem nós devemos, que paguemos a dívida, porque se interessasse bastaria que pudéssemos explorar racionalmente as nossas riquezas para pagá-la muito rapidamente.

Concedo o aparte ao Senador Augusto Botelho, com muito prazer.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Exmº Sr. Presidente Delcídio, Exmº Sr. Senador Mozarildo Cavalcanti, o espírito municipalista de V. Exª é que o está norteando no seu discurso. Como V. Exª vem da área da saúde, participou da implantação do SUS, junto comigo, sabe que conseguimos avançar na saúde quando passamos para os Prefeitos responsabilidades desse setor e demos meios para que o fizessem; o Ministério da Saúde passou a fazer isso. Então, é claro que tivemos um avanço na saúde no País, que se reflete no nosso IDH, na saúde e na educação. Se conseguirmos mandar mais dinheiro para as prefeituras, temos certeza de que ele será melhor aplicado. Temos que respeitar mais a Federação. O Governo central recolhe todas as contribuições para ele, não divide nada com as prefeituras; somente o IPI e o Imposto de Renda que são divididos constitucionalmente. Entendo que devemos criar instrumentos definindo os recursos, apesar de os Governadores não gostarem, como não gostaram da PEC nº 29 - recentemente tentaram dar vários golpes nessa PEC, que é a da saúde. Nós, como legisladores, que representamos os anseios do povo, devemos lutar para que haja isso. Nesse ponto, sou favorável ao orçamento impositivo, apesar de não ter nenhuma experiência no Executivo. Se definirmos bem o Orçamento, e o Governo cumprir, são quase mil cabeças pensando para tomar uma decisão. Quis participar do seu discurso porque, nesse sentido, penso como V. Exª e sei que tem trabalhado para tentar defender sempre os menores nesta Casa. V. Exª sabe que pode contar comigo. Começamos a exercer a Medicina juntos, lá em Roraima. V. EXª já era formado há pouco tempo, mas, lá chegando, trabalhei e aprendi muito com ele e com o meu pai. E trabalhamos juntos nós três lá em Roraima. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Senador Augusto Botelho, é com muito prazer que acolho o aparte de V. Exª. Realmente é importante o que V. Exª falou com relação a descentralizar as ações de governo para os Municípios. Esse modelo centralizador em que a União fica com os recursos e obriga os Prefeitos a estarem aqui em Brasília permanentemente, correndo atrás de recursos, até sujeitos a esquemas de lobbies etc, para poderem conseguir um recurso para os seus Municípios, isso tem que acabar. Precisamos, realmente, de um Orçamento que contemple prioritariamente os Municípios mais pobres. E é bom que os Municípios ricos entendam que ao priorizar os mais pobres, estaremos ajudando os mais ricos, porque evitaremos o êxodo dos Municípios mais pobres para os mais ricos, congestionando os serviços públicos, de maneira que só agrava a situação de quem mora nos grandes Municípios.

É importante que continuemos batendo nessa tecla, trabalhemos efetivamente para ter um orçamento impositivo. O termo impositivo é meio pesado, mas, na verdade, é um orçamento obrigatório, que o Poder Executivo efetivamente cumpra e não fique, às vezes, até por não querer, ou querendo, fazendo contingenciamento, retendo os recursos. Ele sempre começa retendo os recursos dos Municípios mais periféricos, mais pobres, agravando, portanto, a situação das populações que vivem distante dos grandes centros.

O Brasil precisa deixar de ser um País que ainda parece respeitar o Tratado de Tordesillhas, porque o que está no lado do litoral é sempre mais bem atendido e o que está no lado oeste do País é mais esquecido - aqui, incluem-se toda a Região Norte, uma parte da Região Centro-Oeste e, obviamente, o interior dos Estados do Nordeste.

Faço o registro dos dados do IBGE, louvando essa pesquisa. Em qualquer atividade humana, ninguém pode fazer uma ação perfeita, se não houver um diagnóstico e um planejamento que redundem em resultados positivos.

Espero que os Municípios brasileiros passem a viver, a partir de 2004, uma nova realidade e que possamos, a partir desses diagnósticos, mudar a realidade atual que é perversa para os mais fracos. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Delcídio Amaral) - Obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2003 - Página 41217