Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Favorável à negociação de uma nova regulamentação internacional de patentes.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • Favorável à negociação de uma nova regulamentação internacional de patentes.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2003 - Página 41348
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, CONTRABANDO, BIODIVERSIDADE, BRASIL, FALTA, CONTROLE, ESPECIFICAÇÃO, ABUSO, EMPRESA ESTRANGEIRA, PATENTE DE REGISTRO, FRUTA, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, BRASIL, ACORDO INTERNACIONAL, COMERCIO, PATENTE DE REGISTRO, MARCA, NOME, PRODUTO AGRICOLA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, ITAMARATI (MRE), PROTEÇÃO, INTERESSE, COMERCIO EXTERIOR, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, GRUPO, ESPECIALISTA, APOIO, NEGOCIAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por vezes tenho ocupado esta tribuna para denunciar os freqüentes casos de biopirataria que tem vitimado nosso País. A todo momento, perdemos controle sobre conhecimentos tradicionais de nosso povo, processos de extração de princípios ativos e, mesmo, sobre a comercialização de produtos originários de nossa própria flora e fauna.

O caso que me traz aqui hoje é um pouco diferente, mas igualmente danoso ao Brasil. Em setembro deste ano, os jornais noticiaram a surpresa da empresária brasileira Solange Mota, proprietária da Sucasa, localizada em Castanhal, no Estado do Pará, que foi informada sobre a necessidade de pagamento de royalties à empresa japonesa Asahi Foods - sempre ela - para exportar suco concentrado e polpa de acerola para a Comunidade Européia.

Aparentemente, dessa vez não foi patenteado o produto acerola e, sim, a marca comercial. Não se trata de produto nacional, uma vez que a origem dessa fruta é centro-americana, mas traz sérios prejuízos ao país, que é o maior exportador mundial de suco de acerola.

A empresa Asahi Foods é o mesmo tubarão internacional que registrou o cupuaçu, tanto a marca quanto vários dos seus subprodutos, forçando o Governo do Pará a brigar na Justiça japonesa pela revogação da patente.

A tragédia é mais do que anunciada. Já saiu em vários órgãos da imprensa nacional qual será a próxima vítima. A nova fruta, que está ficando conhecida pelo nome peruano camu-camu, é chamada na Amazônia de caçari, e apresenta altos teores de vitamina C - 100 vezes maiores que o da laranja e 4 vezes o da própria acerola - além de outros antioxidantes. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já vem trabalhando há algum tempo para desenvolver novos produtos a partir do caçari, que é encontrado por praticamente toda a Amazônia Legal brasileira.

Nosso país tem sido prejudicado nas negociações internacionais, especialmente no que diz respeito às patentes. Na legislação nacional, é proibido registrar marca ou patente sobre o substantivo comum que designa o próprio produto. Assim, não se pode registrar uma banana com a marca comercial "banana". No entanto, temos aceitado acordos internacionais de comércio onde essa possibilidade existe explicitamente ou implicitamente.

O custo desse erro está sendo revelado na medida em que aumentamos a diversidade de produtos que colocamos no mercado internacional, só para descobrirmos que não podemos fazer referência ao cupuaçu, à cachaça, à acerola e a outras denominações maldosamente registradas pelas grandes empresas picaretas internacionais.

O Ministério das Relações Exteriores revela não ter em seus quadros um corpo técnico especializado capaz de acompanhar tais negociações. Essa visão extremamente míope, associada a tempos de reação muito longos, tem pegado o exportador nacional literalmente "com as calças na mão".

Outro exemplo da lentidão e da pouca familiaridade do Itamaraty com esses temas mais delicados, que ultrapassam as atividades de rotina do nosso comércio internacional, diz respeito ao impacto que pode ter a nova legislação norte-americana sobre bioterrorismo. A legislação foi aprovada nos EUA em julho de 2002, determinando novas restrições para exportação de produtos agropecuários para aquele país, que podem facilmente ser convertidas em barreiras não-tarifárias aos nossos produtos.

Só no dia 12 de outubro último, quase às vésperas da entrada em vigor de rígidas medidas de inspeção de produtos, que pode resultar na negativa de autorização de desembarque de produtos brasileiros nos EUA, houve a manifestação do Itamaraty junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), reconhecendo a desconformidade da nova legislação com os preceitos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é necessário agirmos de maneira mais enérgica e mais coordenada para defendermos nossos interesses no exterior.

Todas as facilidades parecem estar sendo encontradas pelos biopiratas para roubarem e patentearem exemplares da nossa grande diversidade genética, contando até com a conivência de algumas autoridades brasileiras.

Todas as dificuldades são impostas para colocarmos nossos produtos no mercado internacional, sejam eles oriundos ou não de nossa fauna e flora típica.

Por vezes, as pesquisas que resultariam em patentes nacionais são interrompidas por falta de verbas, abrindo a chance para a ação dos aproveitadores do esforço alheio.

As negociações de importantes acordos internacionais estão se desenrolando em toque de caixa, sem que as conseqüências danosas para nossa economia sejam completamente identificadas.

Se continuarmos levando nossos negócios internacionais nesse ritmo de lassidão, pouco mais restará às empresas exportadoras nacionais do que tentar registrar no Japão, em retaliação, a patente e a marca comercial do sushi.

Brincadeiras à parte, cabe ao Ministério das Relações Exteriores constituir um grupo de especialistas das várias áreas que possam apoiar os melhores diplomatas brasileiros nessas negociações. É necessário buscar parcerias nos outros países em desenvolvimento, que vêm sofrendo com abusos semelhantes aos que relatei agora. Só a negociação de uma nova regulamentação internacional de patentes, que respeite primeiramente os detentores do conhecimento original e da biodiversidade e, só depois, os interesses de detentores de marcas comerciais, pode proteger os países da espoliação de suas riquezas naturais e saberes tradicionais.

Era o que tinha a dizer

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2003 - Página 41348