Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Critica a tentativa do Executivo de enfraquecer o Ministério Público.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Critica a tentativa do Executivo de enfraquecer o Ministério Público.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2003 - Página 41718
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, TENTATIVA, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, PODER, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, LIMITAÇÃO, ATUAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, PROCURADOR DA REPUBLICA, PROMOTOR DE JUSTIÇA, PREJUIZO, DEFESA, SOCIEDADE.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, INDEPENDENCIA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JUDICIARIO, GARANTIA, EFICACIA, SOCIEDADE.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a edição de domingo da Folha de S.Paulo foi de estragar o fim de semana inclusive dos 41% dos brasileiros que ainda acreditam no Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a revista Veja que está nas bancas, citando pesquisas dos institutos Ibope e Sensus. A Folha mostra desde cartas de leitores, inclusive ao jornalista Clóvis Rossi, até os bastidores da luta interna que redundou na expulsão dos petistas que insistem em ser coerentes, passando pelo belíssimo artigo “Tudo que é sólido se desmancha em...cargos”, em que o sociólogo Francisco de Oliveira se despede do Partido dos Trabalhadores. Porém, a parte mais chocante está na página 13 do primeiro caderno. Conforme os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras podem ler, a manchete sobre o Caso Santo André diz que “PT defende Ministério Público mais fraco” e que “Na reforma do Judiciário, partido cogita proibir que promotores divulguem informações à imprensa”.

Sr. Presidente, é assustador, porque o Governo já assacou contra a imprensa, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e, agora, o Ministério Público. Primeiro, anunciou um pacotaço de dinheiro para publicidade e socorro de dívidas que o dono do Grupo Folha, o sempre lúcido Otávio Frias, classificou de tentativa de colocar a mídia de joelhos. Impor a censura econômica para que a imprensa reze na cartilha oficial demonstra realmente que as visitas a Cuba e Líbia não foram ao acaso. A providência do Palácio do Planalto é afrontar o art. 2º da Constituição Federal, com desrespeito evidente à independência e à harmonia entre os Poderes. Em discursos repercutidos amplamente pela máquina estatal, o Presidente Lula tentou jogar a população contra o Judiciário e o Legislativo, atribuindo-lhes mazelas em que o Executivo sempre foi superavitário.

Essa de querer enfraquecer o Ministério Público é mais uma canelada dos peladeiros palacianos na Constituição da República. O art. 127 diz que o Ministério Público é “essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O art. 128 cita as garantias e o 129 lista suas funções institucionais. Qual delas o Governo quer tolher? Será que deseja fazer dos demais poderes e do Ministério Público uma extensão do quintal do palácio em que vai construir um galinheiro? Algumas respostas a essas indagações emergem do texto do repórter Kennedy Alencar, da Folha de S.Paulo. Diz o repórter:

Cresce na cúpula do governo e entre dirigentes petistas no Congresso um movimento para diminuir o poder do Ministério Público na reforma do Judiciário. O caso Santo André, que voltou com força ao centro do noticiário e da política nacional, é a gota d’água que faltava para o PT, partido que sempre se aliou ao Ministério Público quando a sigla era oposição, engrossar o coro de outras legendas que têm o desejo de enfraquecer o papel de procuradores e promotores.

O motivo não poderia ser mais torpe, mais vil, mais mesquinho. O tal caso Santo André é um escândalo de amplitude planetária, pois envolveu o assassinato do político que, além de comandar uma importante prefeitura, coordenava a campanha do candidato que acabou eleito para presidir uma das maiores nações do mundo. O primeiro a levar o crime para a seara da política foi o próprio PT, partido da vítima. Falou-se até numa suposta conspiração gigantesca para eliminar as lideranças de esquerda, a começar dos prefeitos petistas de Santo André e Campinas. A polícia paulista deu os homicídios na conta de comuns e pouco se tocou no assunto durante a campanha presidencial do ano passado, a não ser para lamentar que alguém do nível de Celso Daniel tivesse de ser trocado no comando do petismo, ainda que por outro prefeito paulista, o de Ribeirão Preto, Antonio Palocci.

Deve ser um assunto realmente constrangedor para o PT, que já considerava encerrado o caso, depois que bagrinhos foram presos, responsabilizados pelo seqüestro seguido de morte de Celso Daniel e em seguida condenados. No entanto, o Ministério Público, com base em provas testemunhais e documentais, desconfiava que peixes mais graúdos poderiam estar envolvidos. Então, em vez de desistir e aceitar os améns convencionais, continuou a fazer o que a Constituição o obriga e que estão querendo negar, conforme outro trecho da reportagem, que passo a ler:

A Folha de S.Paulo ouviu de membros do primeiro escalão do governo e de lideranças petistas e da oposição no Congresso que a idéia é tirar parte do poder que o Ministério Público tem para promover investigações.

O que o Governo está temendo, Sr. Presidente? Por que não quer que o Ministério Público investigue? O que o Governo tanto faz questão de manter encoberto, longe das vistas dos promotores? O que os procuradores de justiça e os procuradores da república não podem ficar sabendo? Prefiro acreditar que, ao contrário do que dizem algumas testemunhas, a cúpula do PT nada teve com as suspeitas de propina de empresários do transporte ou qualquer outro crime em São Paulo. Segundo familiares do Prefeito Celso Daniel, estrelas cintilantes do PT teriam feito a feira com fornecedores oficiais de Santo André para gastar na campanha, mas a denúncia naufragou no sempre sábio Supremo Tribunal Federal, a cujas decisões eu me curvo. O Ministério Público do Estado de São Paulo não se valeu de denúncias irresponsáveis ou eleitoreiras. Buscou apenas a verdade dos fatos, que estão vindo à tona aos borbotões, cada dia com mais tempero de horror próximo à incredulidade. Como o Partido dos Trabalhadores fez um compromisso com a verdade, deveria estar satisfeito em governar um País que tem um organismo independente, competente e sério como o Ministério Público.

Em vez de reduzir o seu poder, como inadvertidamente querem alguns figurões governistas, o Ministério Público deveria ter ampliado sua área de atuação para defender ainda melhor a sociedade. Por isso, apresentei uma proposta de emenda à Constituição para que a busca e apreensão domiciliar possa ser determinada também pelo Ministério Público e pela autoridade policial.

Não é necessário ter medo do Ministério Público, nem em casos como o de Santo André nem nas alterações legislativas. O que pretendo com a proposta de emenda à Constituição é simplesmente dar a Promotores e Procuradores de Justiça e ao Delegado de Polícia o direito de determinar a busca e apreensão. Não significa que a Casa vai deixar de ser o asilo inviolável do indivíduo, na linguagem da Constituição. Se o promotor e o delegado agirem de maneira incorreta, poderão responder por abuso de autoridade ou qualquer outro crime em que incorrerem. O que não pode é continuar como está, com essa moleza, praticamente autorizando a cão dos bandidos. Além da frouxidão das leis, as pessoas de bem ainda são obrigadas a enfrentar a perseguição do Governo, que agora desceu ao nível da baixaria ao querer cercear o Ministério Público. De acordo com a Folha de S.Paulo, o Governo estuda inclusive a volta da famigerada Lei da Mordaça, para impedir que a população fique sabendo o que está acontecendo com as investigações. Esse silêncio não interessa à democracia.

Somada à campanha de difamação do Poder Judiciário e essa recaída ditatorial de querer transformar o Ministério Público em vaca de presépio, existe a degola nos investimentos na Polícia Federal. Nos últimos meses, agindo sempre em parceira com o Ministério Público e a Justiça, a Polícia desmontou quadrilhas e devolveu à população parte da confiança perdida no Estado. Mesmo assim, a instituição teve de fazer greve para que o Governo remunere os policiais à altura não do que eles merecem, mas do que manda a lei. Os policiais federais querem também condições dignas de trabalho, pois lhes faltam até comida, gasolina e munição. Tentaram falar com o Ministério da Justiça, mas não foram atendidos.

Aquele que diz não dispor de tempo para receber os grevistas da Polícia Federal, consegue brecha na agenda para regulares sessões de massagens devidamente registradas pela Veja, a maior revista de circulação nacional. A fotografia do Ministro da Justiça sendo massageado ocupa duas páginas da revista Veja desta semana. O Ministro está semidespido, coberto apenas da cintura para baixo com uma toalha e “chega a dormir enquanto as mãos experientes” da massagista “espalham óleo por seu corpo”. O texto se refere ainda à sunga verde que o Ministro da Justiça usava na terça-feira da semana passada. A exposição do corpo e das peças íntimas do titular do mais respeitado Ministério ao longo da República pode nada significar atualmente, mas Parlamentares já foram cassados por tirar fotos de cuecas, e cuecas bem maiores que uma sunga, mas não vem ao caso discutir a quantidade de pano, mas a validade do decoro, pois ocupantes de cargos maiúsculos caíram por muito menos.

Sr. Presidente, vamos supor que uma cena dessas tivesse ocorrido com um Ministro de proa de um governo anterior. No dia seguinte, os muros de Norte a Sul do Brasil amanheceriam pichados de “Fora, Fulano” ou “Abaixo Sicrano”. Mas, atualmente, vale tudo, nada é preocupante. É normal querer amordaçar e enfraquecer o Ministério Público. É normal humilhar as Forças Armadas. É normal esvaziar a Polícia Federal. É normal supor que o Congresso Nacional é um puxadinho do Palácio do Planalto. É normal se esquecer de declarar gastos e arrecadações eleitorais, conforme o Tribunal Regional Eleitoral reconheceu ter havido em São Paulo, ao rejeitar por unanimidade a prestação de contas de José Genoíno, Presidente do PT.

Essa anormalidade inquietante foi muito bem definida na mesma Folha de S.Paulo de domingo, pelo jornalista Jânio de Freitas, segundo o qual:

Santo André, os reais de José Genoíno, a corrupção no governo petista de Flamarion Portela em Roraima, a repercussão do crescimento anual em zero vírgula, a exploração da visita à Líbia de Gaddafi, o processo contra a viajante Benedita da Silva, a reação que se ergue até no PT obediente contra a política econômica - de repente a cúpula do governo e o comando petista passaram a ter com que se preocupar, já que são poucos os problemas do Brasil que lhes tomam algum tempo.

São palavras do Jânio Freitas, um jornalista que, ao contrário do seu objeto de análise, é acima de qualquer suspeita.

Sr. Presidente, com muita honra, sou membro do Ministério Público desde 1987 e a aprovação no concurso foi uma das maiores emoções da minha vida. Fui Promotor de Justiça, Procurador-Geral de Justiça, eleito por dois mandatos, Presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, também eleito e também por dois mandatos, e Secretário de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás. Continuo, sendo Procurador de Justiça, licenciado para ser Senador, mas defender o Ministério Público não é legislar em causa própria, é defender a sociedade, é ser partidário da cidadania. Acho que o Ministério Público e o Poder Judiciário precisam de controle externo, mas continuar independentes, isentos da pressão política do governantes de plantão. Esta Casa deve reagir à tentativa de enfraquecer o Ministério Público, porque pelo ritmo que as notícias estão tomando um próximo fim de semana talvez seja estragado com a notícia de que o Governo quer tirar poderes do Congresso Nacional. Parece absurdo, mas seria encarado como louco varrido alguém que 20 meses atrás dissesse que um dia o PT desejaria amordaçar o Ministério Público.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2003 - Página 41718