Pronunciamento de Ney Suassuna em 16/12/2003
Discurso durante a 1ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações acerca do escandaloso nível em que chegou a violência no Brasil.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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SEGURANÇA PUBLICA.:
- Considerações acerca do escandaloso nível em que chegou a violência no Brasil.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/12/2003 - Página 41727
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
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- ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME, BRASIL, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO.
- DEFESA, NECESSIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, AREA, SEGURANÇA PUBLICA, IMPORTANCIA, DESARMAMENTO.
- COMENTARIO, PROGRESSO, APROVAÇÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, REGULAMENTAÇÃO, PORTE DE ARMA, EXPECTATIVA, RESTABELECIMENTO, DOCUMENTO ORIGINAL, SENADO, GARANTIA, EFICACIA, SEGURANÇA, PROTEÇÃO, POPULAÇÃO.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) -
A VIOLÊNCIA E O ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, níveis de audácia e de selvageria da criminalidade violenta atingiram as raias do inconcebível neste nosso sofrido País. A cada semana, a sociedade brasileira é sacudida e ultrajada por um novo episódio de barbárie, por uma nova demonstração de petulância protagonizada por delinqüentes que parecem ter perdido todo e qualquer temor à ação do aparato repressivo do Estado.
Chegamos a uma situação kafkiana, de inversão dos parâmetros da normalidade. Parece mesmo que a realidade está de pernas para o ar. No Brasil de hoje, ao invés de a polícia perseguindo os bandidos, o que temos são os bandidos acuando as forças de segurança pública.
Semanas atrás, o País inteiro acompanhou estarrecido à investida do crime organizado paulista contra viaturas, repartições policiais e agentes da segurança pública daquele Estado. Delegacias foram metralhadas, servidores foram mortos e feridos. No episódio mais revoltante, uma agente policial foi baleada, no interior de sua residência, enquanto amamentava seu bebê.
Nem bem a opinião pública se recuperava desse choque, mais um crime bárbaro, perpetrado com requintes de crueldade e frieza, veio evidenciar, uma vez mais, o quanto estamos indefesos em face da sanha dos marginais.
Refiro-me ao assassinato do casal de namorados paulistanos Felipe Silva Caffé e Liana Friedenbach, seqüestrado e trucidado por um grupo de meliantes liderado por um adolescente de apenas 16 anos de idade.
Esse crime provocou comoção inaudita na sociedade brasileira pelo nível de violência gratuita, desnecessária e desumana que marcou seu cometimento. As vítimas eram jovens na flor da idade, tinham toda a vida pela frente, eram bons alunos, queridos por suas famílias, seus amigos e seus colegas.
Estavam apaixonados e resolveram passar um fim de semana sós, em contato com a natureza, em um sítio abandonado nas cercanias da capital paulista.
Mas, tanto seu fim de semana romântico como seu futuro, certamente brilhante e feliz, foram abortados pela brutalidade dos bandidos sanguinários, que não hesitaram em eliminar imediatamente o rapaz e manter a moça sob seu jugo, submetendo-a a sevícias, durante vários dias, até também a matarem, com 15 facadas.
A verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que o povo brasileiro simplesmente não suporta mais esse estado de coisas. Os homens e mulheres de bem vivem um cotidiano de angústia, suas famílias são humilhadas e espezinhadas amiúde, seus lares são - com assustadora freqüência - cobertos de luto.
As pesquisas de opinião mais recentes mostram a insegurança no topo do rol das preocupações dos brasileiros, superando, até mesmo, o assustador fantasma do desemprego.
O povo não tolera mais viver acuado pelos bandidos e revolta-se com a inércia do aparato de Estado, que tarda em tomar providências, que procrastina a adoção de medidas enérgicas aptas a frear a escalada da violência.
Cada vez que se registra um episódio de maior repercussão, a onda de indignação se agiganta outra vez. Nesses momentos, a revolta que toma conta da sociedade encontra ressonância nas instâncias de decisão política da Nação. Discursos veementes são pronunciados e promessas de ação concreta são renovadas.
No entanto - e infelizmente -, o ímpeto de agir decisivamente sobre as causas do problema logo reflui. A rotina dos problemas administrativos, as demandas do gerenciamento macroeconômico do País logo absorvem a atenção das autoridades do Poder Executivo, enquanto nós, parlamentares, mergulhamos no dia-a-dia das articulações políticas e da tramitação das proposições legislativas.
Quando chega o momento de tomar as decisões que realmente podem fazer a diferença, quando definimos, na Lei Orçamentária, a destinação dos recursos públicos, os investimentos em segurança acabam sempre relegados ao final da lista de prioridades.
A melhoria do sistema carcerário, a construção de presídios e centros de reeducação, o aparelhamento das forças policiais e o aumento dos seus efetivos, a remuneração condigna de seus integrantes nunca recebem a prioridade que lhes é devida.
Mas o fato é que a problemática da violência, que tanto aflige os brasileiros, não será solucionada com palavras jogadas ao vento. Não podemos permitir que nossos discursos indignados, nos momentos de luto e de dor, caiam no vazio. É preciso dar conseqüência prática à nossa revolta.
E isso só pode ser feito mediante a destinação de recursos orçamentários para a área de segurança pública e mediante a aprovação de diplomas legais que contribuam efetivamente para trazer paz às famílias brasileiras.
A sociedade civil tem feito a sua parte, e até muito mais do que dela se poderia legitimamente esperar. Em algumas cidades, programas de recuperação e reinserção social de apenados, extremamente bem-sucedidos, são levados à frente exclusivamente graças aos esforços de grupos de cidadãos organizados em torno do objetivo de construir um Brasil mais justo e mais pacífico.
De modo muito especial, a cidadania não cansa de se expressar, enfaticamente, em manifestações de rua e em pesquisas de opinião, contra a violência e a favor da paz.
O Poder Público, contudo, não se pode eximir de suas responsabilidades, não se pode demitir de seus deveres, repousando na expectativa de que as iniciativas da sociedade civil substituam a atuação que lhe é própria. É preciso que os agentes políticos assumam sua parcela de responsabilidade para que consigamos pôr termo à escalada de criminalidade que tanto sofrimento tem trazido às famílias do Brasil.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos aspectos do combate à violência sobre o qual a sociedade brasileira se tem manifestado de forma muito clara é a questão do desarmamento.
A população tem a nítida percepção da conexão existente entre a proliferação de armas de fogo e o aumento da letalidade dos crimes. Por isso, pesquisa do Instituto Sensus, realizada em junho do corrente ano em 24 Estados brasileiros, mostrou que nada menos que 78% dos brasileiros desejam a proibição do porte de armas por civis, e 63,6% se manifestam pela proibição de sua posse, tendência que já havia sido apontada, três anos atrás, por pesquisa do Instituto Vox Populi.
E motivos não faltam para essa repulsa dos brasileiros de bem às armas de fogo. A organização não-governamental VIVA RIO, dedicada ao combate à violência, divulgou recentemente dados segundo os quais
Os brasileiros correm 4 vezes mais risco de morrer por arma de fogo que a média dos demais países (ONU, 1999). O Brasil, com apenas 2,8% da população mundial, responde por cerca de 11% dos homicídios por arma de fogo no mundo (Culkier, Canadian Foreign Policy, 1998). As taxas de mortes de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos no Estado do Rio são de 239 por 100 mil habitantes, isto é, 20 vezes mais que nos EUA e 2.000 vezes mais que no Japão (ISER, 2002). O Brasil não está em guerra, mas é o país que mais mata com arma de fogo (ONU, 1999). Apenas no ano passado, cerca de 40.000 pessoas foram fulminadas com essas armas (SENASP, julho 2003).
É verdade, Srªs e Srs. Senadores, que as armas de fogo não são a causa da violência. No entanto, elas são o seu principal instrumento, tornando-a letal. Neste País, 68% dos homicídios são cometidos com esse tipo de arma.
A par das mortes, as armas de fogo são causadoras de um vasto número de lesões graves e gravíssimas. Levantamento estatístico realizado por um serviço de reabilitação ligado à Universidade Federal de São Paulo, num universo de 171 portadores de lesão medular, constatou que 30% foram vítimas de armas de fogo, enquanto os acidentes de trânsito foram responsáveis por apenas 9% dos casos.
Dados do anuário suíço Small Arms Survey de 2002, prestigiada publicação internacional sobre armas pequenas e armamento leve, revelam que 200 mil pessoas estão morrendo a cada ano no mundo em assassinatos, suicídios e acidentes com armas de fogo. O número dessas armas em circulação no mundo subiu 16% em um ano, passando a 639 milhões de armas.
Deve-se ressaltar, também, que é o comércio legal de armas de fogo que, em grande medida, acaba abastecendo os criminosos com os instrumentos de que precisam para a prática de seus desígnios perversos.
Nada menos que 33% de uma amostra de mais de 77 mil pistolas e revólveres apreendidos no Estado do Rio de Janeiro entre 1951 e 2003 haviam sido legalmente registrados antes de caírem nas mãos de criminosos ou ficar em situação ilegal.
É falsa, portanto, a noção de que as armas licitamente adquiridas por cidadãos honestos nada têm a ver com aquelas utilizadas pelos marginais. As estatísticas evidenciam que muitas armas legais acabam mergulhando no tráfico clandestino pelos mais variados caminhos: roubo, furto, perda, revenda, uso indevido etc.
Tampouco corresponde à realidade a idéia de que as armas que nos ameaçam são importadas e de cano longo. Pesquisa sobre mais de 223 mil armas apreendidas no Rio de Janeiro em situação ilegal, entre 1950 e junho de 2001, revelou que 74% delas são brasileiras e 78% são pistolas e revólveres.
As armas estrangeiras e de cano longo contrabandeadas são usadas nos enfrentamentos entre quadrilhas, e entre os bandidos e a polícia.
O que nos ameaça nos assaltos são pistolas e revólveres, a grande maioria produzida no Brasil. Por falta de controle, essas armas legais são desviadas para o mercado clandestino.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o impacto da violência na nossa economia é colossal. O setor privado brasileiro gastou com segurança, com a chamada “indústria do medo”, 70 bilhões de reais, quase o dobro dos gastos públicos, que foram de 37 bilhões de reais, em 2001.
Com base em relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento, pesquisa concluiu que a cidade do Rio de Janeiro gasta cerca de 8% do PIB em segurança.
Enquanto o Estado e a sociedade exaurem seus recursos para prevenir e combater os efeitos da violência, o maior fabricante de revólveres e pistolas do País teve um ganho líquido superior a 48 milhões de reais no ano passado, aumentando em mais de 72% seu faturamento em relação a 2001.
Outro conceito profundamente equivocado é o de que as armas são eficazes instrumentos de defesa pessoal. A regra nos assaltos é o ataque súbito. O fator surpresa concede ao agressor superioridade esmagadora. A população aprendeu, com grande sofrimento, que “quem reage morre”, e só não é assim na fantasia do cinema. De nada adianta se a vítima é um exímio atirador. Sua arma, se encontrada, quase sempre será usada contra ele próprio e seus familiares.
Eu próprio tenho uma trágica experiência nesse sentido. Embora já tenha mencionado o episódio neste Plenário, volto a referi-lo, até porque aqueles tenebrosos momentos deixaram uma marca absolutamente indelével em minha memória. Sou bom atirador e, mesmo assim, como sabem os nobres pares, fui ferido em assalto e vi minha mulher ser morta ao meu lado.
Pesquisa realizada em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em 2000, concluiu que “os que usam arma de fogo têm 56% mais chances de serem assassinados numa situação de roubo, se comparados com as vítimas sem arma”.
Já um outro estudo, este efetuado pelo Dr. Arthur Kellerman, tornou-se mundialmente famoso ao revelar que “os lares com armas de fogo aumentam o risco de homicídio interfamiliar em 2,7 vezes, os acidentes em 4 vezes e os suicídios em 11 vezes, se comparados com lares sem armas”.
É importante ter em conta que nem toda a violência é planejada por estranhos. Boa parte das mortes por arma de fogo é ocasionada por conflitos passionais, como brigas de família, de vizinhos, de trânsito, de bar ou em estádios de futebol. Roubos são, não raro, perpetrados por seguranças privados e empregados. Nessas circunstâncias, estar de posse de uma arma de fogo só serve para aumentar a letalidade dos confrontos ou para armar o agressor.
Com efeito, esse tipo de crime é extremamente comum. Em São Paulo, cerca de 50% dos homicídios são cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos fúteis. Na Zona Sul da Capital, na maioria dos casos, vítima e autor mantinham uma relação prévia de parentesco, vizinhança, amizade ou conhecimento.
Nos Estados Unidos, 14% das vítimas de arma de fogo foram mortas por familiares, 37,3% por conhecidos e apenas 15% por estranhos no período entre 1976 e 2000.
Na Austrália, apenas 15,6% dos homicídios foram cometidos por desconhecidos nos anos de 2001 e 2002. Em Mendoza, Argentina, apenas 10% dos assassinos eram desconhecidos de suas vítimas.
É difícil admitirmos que o inimigo pode estar próximo. Contudo, desentendimentos normais, se uma arma está à mão, muitas vezes têm um desfecho trágico e mortal. A presença da arma muda a natureza do conflito, tornando-o letal. Nesse sentido, quem possui uma arma está “dormindo com o inimigo”.
À medida que as estatísticas demonstram que uma arma representa mais um risco que uma proteção, o alegado direito à autodefesa, como justificativa para possuir uma arma, passa a constituir violação do direito da família à segurança.
É interessante observar que algumas legislações nacionais requerem o consentimento do cônjuge para que o interessado possa adquirir uma arma.
Possuir uma arma é meio caminho andado para se tornar uma vítima, ou, no contexto de um conflito passional, um criminoso. De um jeito ou de outro, mais armas implicam sempre mais violência, ainda que a arma, por si só, não seja a causadora da violência.
Tome-se como exemplo a situação do Rio Grande do Sul. Os índices de criminalidade desse Estado são menores do que aqueles observados, por exemplo, nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, nada obstante a elevada ocorrência de porte e posse de armas no Estado sulista.
A maior criminalidade nos Estados da região Sudeste se explica porque neles a proliferação de armas se combina com uma situação mais grave de narcotráfico, pobreza, crise urbana e outros fatores.
Entretanto, a grande quantidade de armas existente no Rio Grande do Sul acarreta uma enorme taxa de acidentes e suicídios. O Estado detém a triste marca do maior número proporcional de suicídios no País, na casa de 10 por 100 mil habitantes, e é o segundo Estado da Federação em suicídios por arma de fogo, numa proporção de 29,6%.
Esses números só confirmam as conclusões do trabalho do Dr. David Hemenway, da Universidade de Harvard, segundo o qual “onde há mais armas de fogo, há mais suicídios”.
A proliferação de armas de fogo provoca sobrecarga e enormes gastos no sistema público de saúde. Nesta Capital Federal, 30% dos atendimentos nas emergências hospitalares são relativos a ocorrências envolvendo armas de fogo.
Enquanto uma bala custa menos de um real, a internação hospitalar para uma vítima de arma de fogo custa, em média, 245 reais e 70 centavos por dia.
Nos Estados Unidos, prefeituras e vítimas começam a processar indústrias de armas pelos gastos e danos causados por seus produtos. Doze cidades da Califórnia estão processando vários fabricantes de armas, inclusive um grande fabricante brasileiro.
No Município do Rio de Janeiro, as armas de fogo são a primeira causa de morte de jovens do sexo masculino, acarretando 65% dos óbitos de rapazes entre 15 e 19 anos, superando a soma das mortes provocadas pelos acidentes de trânsito e por todas as demais causas externas ou naturais. Nesse particular, a observação da evolução ocorrida nesse índice ao longo das duas últimas décadas é impressionante.
Em 1983, os óbitos de jovens do sexo masculino nessa faixa etária provocados por armas de fogo eram apenas 35% do total. Num período de apenas 18 anos, o índice quase dobrou, chegando a 65%, como acabei de mencionar.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realidade mostrada pelos números é incontestável. Mas, ainda muito mais contundente é o trauma, o sofrimento de quem já foi vítima ou já teve algum familiar vitimado pela violência urbana potencializada e instrumentada pelas armas de fogo.
Essa tragédia, esse morticínio que ocorre diuturnamente nas cidades brasileiras precisa cessar! Precisamos tomar providências enérgicas com a maior urgência! Não se podem admitir mais delongas! Cada dia perdido no combate eficaz ao crime é dramaticamente mensurado em vidas perdidas!
O Estado precisa sair do imobilismo, acatar e colocar em prática as propostas concebidas no seio da própria sociedade civil para conter a carnificina!
Felizmente, o Legislativo acabou por mostrar sensibilidade para com o problema e impulsionou, nos últimos meses, a tramitação do Projeto de Lei nº 292, de 1999, de autoria do Senador Gerson Camata, conhecido como “Estatuto do Desarmamento”, que promove alterações importantes no marco legal de regulação do porte, posse e comércio das armas de fogo.
O Projeto mencionado obteve aprovação nesta Casa na forma do substitutivo oferecido pelo ilustre Senador César Borges, que se valeu, basicamente, do relatório final da Comissão Mista sobre armas, criada pelo Ato Conjunto nº 1, de 2003.
Tal como aprovado pelo Senado, o Projeto acolhia o cerne das sugestões encaminhadas pelas organizações da sociedade civil que se ocupam da matéria.
Remetido o Projeto à egrégia Câmara dos Deputados, entendeu-se, naquela Casa, pelo oferecimento de substitutivo que se encontra, agora, em tramitação neste Senado Federal, devendo ser objeto de deliberação final por este Plenário na próxima terça-feira.
Devo admitir que, mesmo na forma do texto aprovado pela colenda Câmara Federal, o Projeto do Estatuto do Desarmamento representa significativo avanço em relação à legislação ora vigente, sobretudo quanto à disciplina do porte de arma de fogo e das condições para a sua aquisição.
A Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, peca por insuficiência e extrema permissividade nessas questões, pois, a rigor, qualquer pessoa pode obter porte de arma, desde que preenchidas umas poucas condições.
Similarmente, a única restrição quanto à aquisição de arma de fogo contida na referida lei diz respeito à idade do adquirente, que deve ter acima de 21 anos.
No entanto, é fundamental que se tenha claro que o texto originalmente aprovado no Senado Federal é bastante mais restritivo, motivo pelo qual defendo, com veemência, seu restabelecimento quando voltarmos a examinar a matéria em Plenário.
Existem, de fato, algumas diferenças muito relevantes entre o texto aprovado nesta Casa e o substitutivo da Câmara. Entre elas, gostaria de destacar as seguintes:
No caput do artigo 4º, o texto do Senado condiciona a aquisição de arma de fogo de uso permitido à demonstração da efetiva necessidade, exigência que, na Câmara, foi alterada para declaração de efetiva necessidade;
O parágrafo 5º do mesmo artigo, na versão desta Casa, proíbe terminantemente a comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre pessoas físicas, enquanto os Senhores Deputados Federais entenderam de permitir esse tipo de comércio mediante autorização do SINARM - Sistema Nacional de Armas;
A interpretação a contrario sensu do inciso IV do artigo 6º do Projeto saído desta Câmara Alta veda que as cidades com população inferior a 250 mil habitantes instituam guardas armadas, restrição que foi suprimida pela Câmara dos Deputados;
O parágrafo 5º do mesmo artigo 6º prevê que as armas de colecionadores sejam desprovidas de mecanismos de disparo, outra limitação retirada pela Casa revisora;
Os artigos 11 e 12 do Projeto originário do Senado punem expressamente a fabricação e a venda de armas de fogo sem autorização;
O artigo 27 do mesmo Projeto estipula a obrigatoriedade do uso de detectores de metais em eventos com mais de mil pessoas;
E, finalmente, a modificação mais polêmica realizada pela Casa revisora: o parágrafo único do artigo 28 do Projeto do Senado fixava o mês de outubro de 2003 para a realização do referendo popular acerca da proibição da comercialização de armas de fogo e munição. No substitutivo da Câmara, não se definiu data para a realização do referendo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a extrema gravidade do problema da insegurança em nosso País não permite que se adotem meias medidas. A sociedade brasileira deseja uma lei que desarme de fato a população civil. Estamos todos fartos da matança. Não há motivos reais para que o cidadão comum possua armas. Elas não contribuem em nada para aumentar sua segurança.
Ao contrário, como todas as estatísticas demonstram, armas em poder de civis são fator de incremento da violência e de aumento da probabilidade de acidentes graves ou fatais.
O estudioso Luis Alfonso de Alba, analisando o problema das armas leves na América Latina, aponta que a proliferação dessas armas “contribui não apenas para a geração, continuação e agravamento dos conflitos, mas também para a desestabilização das instituições e da democracia”.
Está absolutamente correta sua afirmativa. Na medida em que os delinqüentes se tornam mais e mais audaciosos, na medida em que os cidadãos de bem e até mesmo as forças de segurança se sentem permanentemente acuados pelos bandidos, a opinião pública passa a descrer das instituições, perde a confiança na proteção oferecida pelo Estado, desacredita do ordenamento legal como instrumento eficaz de regulação da vida em sociedade.
Essa situação é perigosíssima, podendo, com efeito, colocar em risco o próprio regime democrático.
Por isso mesmo, devemos aprovar um Estatuto do Desarmamento digno desse nome. É auspicioso registrar que a colenda Comissão de Constituição e Justiça da Casa aprovou, nesta quarta-feira, novo substitutivo apresentado pelo eminente Senador César Borges, o qual restabelece os pontos principais do Projeto original do Senado.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vamos dar um basta à barbárie! Chega de tanto sangue derramado! Vamos desarmar o Brasil!
Muito obrigado.