Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a oitava Reunião Ministerial para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a oitava Reunião Ministerial para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2003 - Página 42029
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, MINISTRO, AMERICA, RESULTADO, FLEXIBILIDADE, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DETALHAMENTO, POSIÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BUSCA, INICIO, ACORDO, POSTERIORIDADE, APERFEIÇOAMENTO.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, INTERESSE NACIONAL, UNILATERALIDADE, LIBERALISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DETALHAMENTO, SITUAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, OBSTACULO, EXPORTAÇÃO.
  • COMPARAÇÃO, PROPOSTA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), UNIÃO EUROPEIA, AMBITO, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO, ESTADOS MEMBROS.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acompanhei com grande interesse o desfecho da 8ª Reunião Ministerial da Alca, realizada em Miami, no final do mês passado.

            Os representantes dos governos brasileiro e americano declararam terem ficado satisfeitos com aquilo que resultará na formação de uma Alca “light”, que deverá contemplar uma visão mais flexível sobre a formação do bloco comercial hemisférico.

De acordo com essa nova visão, o objetivo do Brasil e dos Estados Unidos, co-presidentes do processo negociador, é o de delinear um acordo mínimo de modo a alcançar consenso entre os 34 membros do bloco e dar tempo ao tempo para o aprofundamento das negociações em temas sensíveis e de maior complexidade.

Essa nova posição norte-americana representa notável mudança, se lembrarmo-nos que, em outubro de 2002, o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, ao advogar uma Área de Livre Comércio das Américas geral e abrangente, afirmou, em tom arrogante e desafiador, que o Brasil precisaria escolher entre a Alca e a Antártica.

            Essa mudança de comportamento por parte dos Estados Unidos tem sua razão de ser. A conjuntura política de hoje não é a mesma de 1994, quando foi lançada a idéia de uma Alca ambiciosa, com a inclusão de itens como compras governamentais, legislação de patentes, setor de serviços e um item muito abrangente e perigoso para o Brasil, que é o da garantia dos investimentos externos. Não é a mesma de antes de setembro de 2001. A defesa de uma Alca “light” pelos Estados Unidos obedece a injunções políticas internas, tanto dos poderosos lobbies de algumas indústrias quanto em virtude do advento das eleições presidenciais naquele país no ano que vem.

Para não desagradar o eleitorado norte-americano, a vontade em prol da liberalização continua desde que as inúmeras barreiras não-tarifárias permaneçam do jeito em que estão. Por outras palavras, é o mesmo que dizer “liberalizar, sim, mas o mercado dos outros”.

É por isso, Sr. Presidente, que devemos ter muito cuidado ao propugnarmos uma Área de Livre Comércio em um continente marcado por tantas desigualdades. Não podemos nos dar ao luxo de defender, de forma inflamada, o livre mercado quando a liberalização que está sendo discutida é seletiva e obedece a uma lógica econômica que interessa quase que exclusivamente à maior potência mundial, aos Estados Unidos.

São ingênuos, para dizer o mínimo, os defensores do livre comércio, que não enxergam - ou não querem enxergar - o que aos nossos olhos parece cristalino: os Estados Unidos, em momento algum, sinalizaram com a abertura de áreas da economia em que eles são claramente ineficientes. Ao contrário, o que temos verificado é o movimento inverso, com a promulgação, por exemplo, da Lei de Subsídios à Agricultura, que despejará estonteantes US$180 bilhões para os agricultores norte-americanos em um prazo de dez anos.

Qual é o sentido, Sr. Presidente, de defendermos um livre comércio que enfatiza a desgravação tarifária, quando os interesses brasileiros são precipuamente nas barreiras não-tarifárias de acesso ao maior mercado do mundo?

Não discutimos o fato de que, no conjunto, os Estados Unidos apresentam economia relativamente aberta. O problema é que os produtos brasileiros de maior competitividade não sofrem apenas com picos tarifários; sofrem, também, com a imposição de cotas, de subsídios e de restrições fitossanitárias que encobrem notórios fins protecionistas.

A mudança de enfoque dos Estados Unidos denota que esse país não tenciona ferir nenhuma suscetibilidade no plano interno. É sintomático o representante norte-americano afirmar que “cada um de nós tem sua sensibilidade”. Ora, sem dúvida, abrir o mercado do suco de laranja para os competitivos produtores brasileiros deixaria o governador da Flórida, por acaso, somente por acaso, irmão do Presidente Bush, em uma situação complicada nas próximas eleições. Será que alguém se recorda que foi nesse Estado norte-americano onde as conturbadas eleições presidenciais foram decididas?

O problema, Sras e Srs. Senadores, é que o suco de laranja não está sozinho: a mesma situação ocorre com o setor de couros e calçados, papéis e celulose, siderurgia e o setor têxtil e de confecções. Coincidentemente, as cadeias industriais mais competitivas do Brasil são as mais “sensíveis” para os norte-americanos. Isso sem falar na agricultura, setor econômico em que o Brasil começa a despontar como um dos líderes mundiais.

Em contrapartida, durante anos a fio, os Estados Unidos fizeram defesa renhida da abertura dos chamados bens de capital, da indústria química e petroquímica, áreas em que ainda necessitamos de algum amadurecimento antes de tomarmos. medidas liberalizantes de maior envergadura.

Esse quadro que tento esboçar denota uma postura unilateralista, no melhor estilo “venha a nós o vosso reino”, sem contrapartidas, sem a preocupação da reciprocidade, sem a assunção da responsabilidade gerada pela mão pesada do império norte-americano. A Alca, nestes termos, é a antípoda do que foi - e do que tem sido - o processo de integração européia.

Basta lembrarmos de que a locomotiva franco-germânica sempre se preocupou em agregar, em construir riquezas e de estender as mãos àqueles países menos dinâmicos economicamente, para que estes pudessem, de fato, acompanhar o ritmo daquelas nações mais ricas e industrializadas. O resultado é estonteante aos olhos de todos: quem conheceu Portugal logo após Salazar e conheceu a Espanha logo após Franco e hoje retorna à antiga Ibéria leva um tremendo susto, devido ao extraordinário progresso conseguido por essas nações, por mérito próprio e também por se terem reerguido em ambiente propício à prosperidade recíproca. É esse o traço distintivo, o verdadeiro etos da União Européia até aqui.

Concluo, com a benevolência de V. Exª.

Esses motivos, somados, requerem a atenção redobrada de nossas autoridades.

É esse o nosso maior dever, e são essas as minhas inquietações, que compartilho com V. Exªs, porque estou certo de que não podemos - nem devemos - faltar com o nosso alerta e com a nossa voz quando está em jogo o interesse nacional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2003 - Página 42029