Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da construção de um projeto de desenvolvimento nacional que preserve a biodiversidade.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Defesa da construção de um projeto de desenvolvimento nacional que preserve a biodiversidade.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2003 - Página 42040
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • DENUNCIA, CONTRABANDO, BIODIVERSIDADE, BRASIL, REGIÃO AMAZONICA, ALEGAÇÕES, PESQUISA CIENTIFICA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ASSISTENCIA RELIGIOSA, ASSISTENCIA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, LUCRO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, PAIS ESTRANGEIRO, INJUSTIÇA, EXPLORAÇÃO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, PAGAMENTO, ROYALTIES.
  • NECESSIDADE, OCUPAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, SOBERANIA, PROTEÇÃO, BIODIVERSIDADE.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1500, quando da descoberta do Brasil contada para a história, a primeira grande reportagem brasileira foi creditada a Pero Vaz de Caminha. Sobre a nova terra, escreveu ele: “mataria que é tanta, e tão grande, tão densa e de tão variada folhagem, que ninguém pode imaginar”. Quinhentos anos depois, apesar do desmatamento e da degradação ambiental, a constatação de Caminha pode, ainda, ser repetida, em possíveis relatos sobre as matas e as florestas brasileiras, particularmente se o novo repórter da história descrever sobre as imensidões amazônicas.

“Faça-se um país à imagem e semelhança do paraíso”. E, assim se fez essa terra distante, descoberta quinze séculos depois que o filho do Criador teve que multiplicar pães e peixes e expulsar vendilhões do templo. Mais cinco séculos se passaram e a história mostra que, aqui continua, “em se plantando, tudo dá”. Em terras tão férteis, o milagre da multiplicação se repete a cada semente, a cada safra. Mas, a história também mostra que os vendilhões voltaram ao templo. Eles vieram com os colonizadores e levaram o pau-brasil. Levaram o nosso ouro, a nosso látex, o nosso cacau. Os livros de história brasileira enaltecem a bravura da nossa gente na expulsão de franceses e holandeses. Muito sangue se derramou em defesa da soberania nacional. Hoje, os invasores se travestem de pesquisadores, catequizadores, turistas, organizações humanitárias e não-governamentais e levam as nossas sementes, a nossa madeira mais nobre, o veneno das nossas cobras, a essência das nossas plantas e a beleza dos nossos animais.

O tráfico de animais silvestres já é considerado a terceira maior atividade ilícita do planeta, depois do narcotráfico e do contrabando de armas. Segundo o Ibama, o Brasil perde algo como US$ 16 milhões diários, com a biopirataria. Isso significa que quase U$ 6 bilhões anuais se escoam pelo ralo da ilegalidade. Esses números estão, com certeza, subestimados, porque se trata de atividade que, qualquer que seja o número, estará escamoteado pela clandestinidade que, por definição, está fora de qualquer investigação mais apurada. Para se ter, apenas, uma idéia de grandeza, o Ipea estimou o valor do nosso patrimônio genético e chegou a um número próximo de US$ 2 trilhões.

O Brasil pertence a um grupo de 12 países incluídos na classificação de megadiversidade, que concentram, juntos, mais de 70% da diversidade biológica de todo o planeta. Do outro lado, mais de 80% de toda a pesquisa na área de medicamentos concentra-se nos sete países mais desenvolvidos do mundo. Não é à toa, portanto, o interesse dos países mais ricos pela biodiversidade dos países mais pobres. A biopirataria gera patentes para produtos que são cobradas, ironicamente, de todos os países, incluindo aqueles de onde se extraem, criminosamente, as matérias-primas. Para se ter um exemplo, especialistas em farmacologia estimam que, hoje, 40% das matérias primas principais utilizadas na fabricação de remédios têm como base os produtos naturais.

A imprensa é rica na divulgação de matérias sobre os desvios daquilo que pode ser a nossa maior riqueza. Não são, apenas, os nossos rios mais caudalosos, que jorram, abundante, o líquido que impulsionará as guerras do futuro. Não são, unicamente, as nossas florestas, como o motivo alegado do tal “pulmão do mundo”. São as nossas madeiras mais nobres, as nossas plantas mais raras, os nossos frutos mais exóticos, os nossos répteis, os nossos fósseis, os nossos minerais mais preciosos...

Segundo a revista IstoÉ, o carro chefe da exploração predatória é o mogno, madeira tropical mais nobre e valiosa do mundo. Segundo a edição da revista de 24 de setembro último, entre 1971 e 2001, foram derrubadas 2,5 milhões de árvores, com prejuízos que somam US$ 4 bilhões. A madeira é desviada, principalmente, para os Estados Unidos e para a Inglaterra. Na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, utiliza-se a andiroba, o cupuaçu, a copaíba, o pau-rosa, entre outras plantas, para a produção de cosméticos e remédios. Também a indústria multinacional de medicamentos utiliza, como matéria-prima, a toxina dos sapos amazônicos, o veneno das cobras, o curare, a acerola, a quebra-pedra, o bibiri. Destes animais e destas plantas são retirados remédios para a hepatite B, a hipertensão, além de expectorantes, estimulantes e anestésicos. Uma única grama de veneno de algumas espécies de cobras brasileiras é vendida, pelos piratas dos nossos dias, a US$ 40 mil. Especula-se que o remédio para a cura da AIDS será extraído da biodiversidade amazônica. Imagine-se, portanto, os bilhões de dólares que são apropriados num mercado em que o Brasil nada recebe. Pior: paga.

Até mesmo a nossa cachaça mais famosa teve que substituir o seu lendário rótulo “Havana”, porque alguém, com certeza degustador contumaz de maltes de outras terras, patenteou tal renome, indubitavelmente sem qualquer alusão ou homenagem à capital de Cuba. A fruta mais exótica da Amazônia, o Cupuaçu foi patenteada pela japonesa Asahi Foods, para produzir chocolate. O extrato da fruta, pela Body Shop, para a produção de cosméticos. A mesma ISTOÉ deu conta de que a Bristol Myers Squibb utiliza o veneno da nossa cobra jararaca, a partir de pesquisa realizada por um professor brasileiro, e registrou a patente de um princípio ativo indicado para controlar a pressão arterial, medicamento que gera, para a empresa, US$ 2,5 milhões anuais em royalties, pagos, inclusive, pelo Brasil.

A Constituição de 1988 dedica capítulo especial à questão do meio ambiente: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. No capítulo II do mesmo artigo, enfatiza: “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e a manipulação de material genético”. Portanto, a defesa da biodiversidade brasileira é um ditame constitucional, a ser assumido pelo poder público e pela coletividade, não apenas através de medidas meramente provisórias.

É evidente que há interesses maiúsculos que procuram manter essa fragilidade na defesa das nossas riquezas naturais. E, não serão as autuações localizadas e a reboque suficientes para expulsar os vendilhões do nosso tempo. Até porque há interesses locais interessados para que se mantenham invadidos os nossos templos.

O Brasil é um país rico, de pobres. As nossas riquezas brotam, como numa possível nova versão da Carta de Caminha. Entretanto, não mais devemos escrever para os novos colonizadores, para aguçá-los na “derrama”. Devemos, sim, refletir sobre tamanhos potenciais, para que possamos ultrapassar essa realidade de um país pobre, de ricos.

Esse tem que ser o grande desafio neste novo ano que se aproxima: ocupar os nossos próprios quintais. A biodiversidade brasileira tem que se constituir, necessariamente, na base para a construção de um projeto de desenvolvimento verdadeiramente nacional, para os brasileiros, para uma nação soberana na propriedade e democrática na repartição das suas riquezas.

O Brasil foi eleito para se constituir numa espécie de síntese da Criação. É preciso tomar posse.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2003 - Página 42040