Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade do aprofundamento do debate a respeito da utilização de técnicas de engenharia genética para a obtenção de novas variedades de plantas.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Necessidade do aprofundamento do debate a respeito da utilização de técnicas de engenharia genética para a obtenção de novas variedades de plantas.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2003 - Página 42046
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • DEBATE, BIOTECNOLOGIA, UTILIZAÇÃO, GENETICA, CRIAÇÃO, VARIANTE, VEGETAIS, AVALIAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, RISCOS, SAUDE, ALIMENTAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CONFLITO, INTERESSE ECONOMICO, DOMINIO, PROPRIEDADE INTELECTUAL, MONOPOLIO, EMPRESA, SEMENTE, DEFENSIVO AGRICOLA, COMENTARIO, ESTUDO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PRODUTO TRANSGENICO.
  • DEFESA, CONTINUAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL, DOMINIO, TECNOLOGIA, GARANTIA, SEGURANÇA.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,a utilização de técnicas de engenharia genética para a obtenção de novas variedades de plantas é motivo de acirradíssima polêmica no Brasil e em todo o mundo.

É compreensível o fato de as posições confrontadas nesse debate serem extremadas. Afinal, por um lado, o domínio da chamada tecnologia do DNA recombinante abre, de fato, possibilidades enormes de benefícios para a qualidade de vida e o bem estar de toda a população do planeta; por outro lado, os riscos implicados pela introdução dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no ambiente natural e na alimentação humana não podem ser menosprezados.

E, além dos potenciais efeitos positivos e negativos inerentes à transgenia, o debate é também alimentado por disputas de interesses comerciais entre países, decorrentes da concentração e do domínio da propriedade intelectual - consolidada nas patentes -, bem como pelas preocupações relativas à produção de OGMs por umas poucas empresas, as quais podem se utilizar de técnicas e instrumentos disponíveis para aumentar o controle econômico sobre os produtos gerados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, uma revista semanal de grande circulação noticiou a divulgação, pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de um estudo contendo informações positivas sobre os alimentos transgênicos. Conforme esse trabalho, os produtos geneticamente modificados não representariam risco à saúde, sendo digeridos da mesma forma que qualquer outro alimento. Além disso, em sete anos de cultivo comercial, nunca se teria registrado qualquer tipo de problema, como contaminação ambiental ou intoxicação de consumidores. A revista também afirmou que, até o momento, nenhum estudo científico reconhecido provou ou sequer sugeriu que os transgênicos são nocivos à saúde.

No entanto, organizações não-governamentais (ONGs) como o Greenpeace e o World Wildlife Fund (WWF) fazem afirmações opostas a essas e procuram, também, respaldar-se em opiniões de estudiosos e em evidências científicas.

A primeira preocupação manifestada por essas entidades é que a engenharia genética seria, em sua opinião, uma tecnologia ainda não suficientemente amadurecida e testada para ser considerada segura e de resultados previsíveis. Segundo elas, ao proceder à quebra da cadeia de DNA para inserção do gene exógeno, os cientistas não teriam controle completo do “lugar” em que o novo gene é inserido, o que poderia causar resultados inesperados, uma vez que os genes de outras partes do organismo poderiam ser afetados. Essa preocupação se amplifica quando a transferência de genes ocorre entre espécies de diferentes reinos, como no caso da inserção de genes de animais em vegetais, de bactérias em plantas e até de humanos em animais ou vegetais.

Nesse sentido, denunciam que, entre as variedades de transgênicos que aguardam autorização para serem produzidas, estão espécies de salmão, truta e arroz que contêm um gene humano introduzido; batatas com um gene de galinha; e pepino e tomates com genes de vírus e bactérias. Em caráter experimental, cientistas já teriam introduzido genes de escorpião e água-viva em alimentos cultiváveis.

Ao enfatizar essa preocupação, o Greenpeace apóia-se, por exemplo, nos depoimentos do Doutor Michel Antoniou, palestrante sênior em biologia molecular de Londres, e do Doutor Mae Wan Ho, da Open University, do Reino Unido. De acordo com o primeiro, “Esta é uma tecnologia imperfeita que traz o perigo... O mais preocupante é a imprevisibilidade dos seus resultados”. Já o segundo pondera que, “Como nunca nenhum gene funcionou isolado, sempre haverá um efeito inesperado e imprevisível de um gene estrangeiro introduzido em um outro organismo”.

As organizações ambientalistas verberam, ainda, as dificuldades enfrentadas pelo consumidor para descobrir o que, de fato, está indo para a sua mesa. Segundo elas, estima-se que aproximadamente 60% dos alimentos processados contenham algum derivado de soja transgênica e que 50% tenham ingredientes de milho transgênico, não estando a maioria desses produtos rotulados.

Para elas, os riscos à saúde humana acarretados pelos alimentos transgênicos são muito concretos e objetivos. Afirmam, por exemplo, que esses alimentos poderiam prejudicar seriamente o tratamento de algumas doenças de homens e de animais, na medida em que muitos cultivos possuem genes de resistência antibiótica. Se o gene resistente atingir uma bactéria nociva, pode conferir-lhe imunidade ao antibiótico, aumentando a lista, já alarmante, de problemas médicos envolvendo doenças ligadas a bactérias imunes.

Os alimentos transgênicos poderiam, também, aumentar as alergias. Muitas pessoas são alérgicas a determinados alimentos em virtude das proteínas neles contidas. Haveria evidências de que os cultivos transgênicos podem proporcionar um aumento de alergias em relação a cultivos tradicionais. O laboratório de York, no Reino Unido, constatou que as alergias à soja aumentaram em nada menos que 50% naquele País, depois do início da comercialização da soja transgênica. Constatou-se, ainda, que a transferência de genes da castanha-do-pará para leguminosas, a fim de aumentar o teor de aminoácidos sulfurados nas proteínas das mesmas, fez com que as pessoas alérgicas à castanha manifestassem essa alergia ao consumir a leguminosa modificada.

Também no que se refere aos riscos para o meio ambiente decorrentes dos cultivos transgênicos, já há casos que os evidenciam. O risco da transferência não-desejada de genes já se concretizou em pelo menos um episódio. Nos Estados Unidos, o milho Starlink, variedade transgênica aprovada somente para uso em ração animal, por apresentar potencial alergênico, contaminou a cadeia produtiva convencional, o que minou a confiança do consumidor e a credibilidade dos órgãos reguladores norte-americanos.

Duras críticas são endereçadas ao patenteamento de organismos geneticamente modificados por empresas privadas. Uma vez protegidas por patentes, as sementes só estão disponíveis mediante o pagamento de royalties anuais. Como resultado, os produtores não poderão mais guardar as melhores sementes para plantarem na estação seguinte, abandonando uma longa tradição. Além disso, como já está ocorrendo nos Estados Unidos, contratos forçarão os agricultores a usarem a semente e o herbicida produzidos pela mesma empresa.

As multinacionais agroquímicas sabem que, atrás do controle sobre os principais cultivos do mundo - aí incluídos o milho, o arroz, o trigo e a soja -, mediante o patenteamento de suas sementes, há uma margem colossal de lucro a ser auferida. Se a corrente tendência de fusões empresariais continuar, um número pequeno de empresas controlará quase toda a produção mundial de alimentos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os argumentos alinhados por aqueles que se opõem aos transgênicos são não apenas respeitáveis, mas consistentes, bem articulados e merecedores de muita atenção e estudo.

De outra parte, não tem cabimento, na abordagem de temática tão complexa, a adoção de qualquer postura fundamentalista, radical, emocional ou ideológica.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que a transferência de genes, objetivando a melhoria do rendimento agrícola, é realizada há décadas, mediante técnicas tradicionais de cruzamento e melhoramento envolvendo reprodução normal ou até mesmo metodologias que alteram cromossomos, como a mutagênese química e a irradiação. Por meio das técnicas clássicas de melhoramento genético, os cultivares atuais tornaram-se significativamente diferentes dos seus parentes silvestres. Muitas dessas culturas eram originalmente menos produtivas e inadequadas para o consumo humano. Ao longo dos anos, os programas de melhoramento genético dessas culturas resultaram em plantas mais produtivas e nutritivas.

Nesses processos de melhoramento convencional, misturam-se e transferem-se para uma planta - ao acaso - grandes grupos de genes, resultando na produção de uma variedade com múltiplas características, algumas desejáveis, outras indesejáveis. O processo é, portanto, impreciso, sendo necessário separar as características que interessam, por meio de um processo demorado.

Já com a tecnologia do DNA recombinante, que começou a ser introduzida em meados da década de 1980, pode-se, de forma rápida, incorporar numa nova planta um único gene ou uns poucos genes bem definidos, correspondentes à característica única que se deseja obter. Isso pode ser feito entre espécies, famílias e até mesmo reinos diferentes. Dessa forma, uma propriedade interessante, por exemplo, de uma leguminosa, ou mesmo de uma bactéria, pode ser transferida a um cereal, ampliando, assim, a possibilidade do melhoramento.

Não há como negar, portanto, que a tecnologia do DNA recombinante é uma tecnologia moderna, com sólida base científica. E, até tomando por parâmetro as técnicas clássicas de melhoramento genético, é evidente seu importante potencial para aumentar a produção e a produtividade agrícola, com redução de custos; para reduzir o impacto ambiental da agricultura - por meio da redução ou extinção do uso de agrotóxicos -; e para melhorar a qualidade nutricional e tecnológica dos alimentos.

Os organismos geneticamente modificados hoje disponíveis no mercado referem-se, principalmente, a cultivares de milho, algodão, soja, colza, feijão, mamão, tomate, batata e arroz, entre outras, com consistentes características de resistência a pragas e doenças, além de tolerância a herbicidas. Essas características fazem com que, atualmente, sejam explorados, no mundo, cerca de 59 milhões de hectares com o agronegócio desses genótipos melhorados por técnicas modernas, atividade que, no ano 2000, rendeu mais de 2 bilhões e meio de dólares.

Para os defensores da transgenia, o próximo passo será o fortalecimento do processo de geração de novos cultivares, com a melhoria da qualidade de produtos como óleo e fibras, bem como a obtenção de plantas biorreatoras produtoras de anticorpos contra gripe, câncer e hepatite, por exemplo.

Com efeito, novas possibilidades, ainda em fase experimental, estão surgindo: espécies adaptadas a solos pobres ou excessivamente salinos e a condições climáticas e ambientais adversas; variedades agrícolas enriquecidas com proteínas e vitaminas; plantas com propriedades medicinais e de maturação mais lenta, permitindo maior período de armazenamento.

Reconhecendo o efeito alergênico de alguns OGMs, os defensores dos transgênicos afirmam que todo esforço tem que ser feito para evitar a introdução de fontes conhecidas causadoras de reações alérgicas em plantas alimentícias. No entanto, afirmam que a tecnologia do DNA recombinante pode ser considerada como um verdadeiro alento para pessoas alérgicas, pois ela é capaz de remover os genes dos agentes alergênicos que possam estar incluídos em genomas de vários produtos naturais, como arroz, castanha-do-pará e amendoim. Essa possibilidade se traduz em nova e vantajosa aplicação da engenharia genética, pois o OGM gerado não significa a adição de gene inexistente em seus paternais, mas, sim, a subtração de gene considerado indesejável para a saúde humana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, numerosíssimos são os argumentos esgrimidos tanto pelos defensores como pelos adversários dos organismos geneticamente modificados, de modo que abordá-los mais exaustivamente fugiria ao escopo deste pronunciamento.

Meu objetivo com esta fala é, exatamente, trazer esse importante tema para um constante debate em Plenário e nas diversas Comissões da Casa.

Tenho a convicção de que o Brasil deve continuar desenvolvendo pesquisas com transgênicos, pois o domínio do processo de inovação tecnológica e de sua biossegurança é decisivo para a obtenção de vantagens competitivas para o País.

A verdade é que as pesquisas ainda não são conclusivas quanto aos riscos para a saúde dos consumidores que venham a ingerir alimentos geneticamente modificados, bem como no que se refere aos riscos decorrentes da liberação de OGMs no meio ambiente, aspectos que devem ser estudados caso a caso. Ao mesmo tempo, existe o risco de que a dominação dessa tecnologia por empresas multinacionais possa criar dependência econômica e tecnológica externa.

É imprescindível que se reduzam ao máximo, antes da liberação de um organismo transgênico - seja planta, animal ou microorganismo -, as possibilidades de impacto negativo. Para tanto, é preciso fortalecer a capacidade técnica do setor público, para que as instituições responsáveis possam tanto acompanhar o desenvolvimento experimental como realizar o monitoramento pós-comercial, caso seja liberado o plantio de um determinado OGM no País.

O que se deve sempre buscar assegurar é o respeito ao “Princípio da Precaução”, que consiste em garantir que a liberação de um organismo transgênico não traga efeitos negativos à saúde humana e ao meio ambiente. Em outras palavras, não se pode liberar um organismo para uso generalizado enquanto não se tenham informações conclusivas que garantam a sua biossegurança. Esse Princípio, constante da Convenção Internacional de Diversidade Biológica, ratificada pelo Governo brasileiro, e também do Protocolo de Cartagena, atualmente sob apreciação desta Casa, reflete a sabedoria popular de que “é melhor prevenir do que remediar”.

            Observadas todas as cautelas, o domínio e a utilização das técnicas da engenharia genética poderão trazer relevantes benefícios para o País e para os brasileiros, motivo pelo qual considero da maior importância que o Senado Federal aprofunde o debate do tema.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2003 - Página 42046