Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de ocupação mais equânime e regular do território nacional. Proposta de Emenda Constitucional de sua autoria, que altera a forma da Federação brasileira.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL.:
  • Necessidade de ocupação mais equânime e regular do território nacional. Proposta de Emenda Constitucional de sua autoria, que altera a forma da Federação brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2003 - Página 42239
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, DESIGUALDADE REGIONAL, OCUPAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, BRASIL, OBEDIENCIA, MODELO, FEDERALIZAÇÃO, EXCESSO, CENTRALIZAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, POPULAÇÃO, ZONA URBANA, SITUAÇÃO, ABANDONO, ZONA RURAL, NEGLIGENCIA, GOVERNO FEDERAL, EXPLORAÇÃO, APROVEITAMENTO, RECURSOS ECONOMICOS, PAIS, EFEITO, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PREJUIZO, ECONOMIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, MODELO, FEDERAÇÃO, BRASIL.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a ocupação territorial brasileira tem, ao longo de nossa história, seguido linhas irregulares, tortuosas e centralizadoras. Não se trata, em absoluto, de um fenômeno isolado na história universal, mas o caso do Brasil se caracteriza por pontos bem específicos, aos quais minha exposição de hoje destinará seus comentários. Tal qual nosso injusto perfil distributivo em que concerne à renda nacional, nosso território tem sido apropriado sob uma perspectiva acentuadamente exclusivista, concentradora e antieconômica. Sem dúvida, o assunto merece uma reflexão mais profunda, de sorte a projetar novas e melhores luzes sobre o problema.

Mais especificamente, trago em mente os graves prejuízos geoeconômicos a que tem sido submetidos os espaços urbano e rural brasileiros, por força de um federalismo exacerbadamente centralizador e autoritário. A ausência histórica, por exemplo, de um projeto de ocupação do Centro-Oeste, da fronteira oeste e da Amazônia legal tem configurado, no Brasil, um quadro de desleixo, de abandono e de incompetência administrativa. Pior que isso é constatar que o potencial econômico a ser explorado nessas regiões não é efetivamente levado em conta quando se debatem novos modelos de desenvolvimento nacional. 

Ciente deste quadro preliminar, é de causar muito espanto que o Governo do Presidente Lula não tenha sequer incorporado tal questão no rol das preocupações nacionais. Pelo contrário, até onde se sabe, mais um grave silêncio se impõe, em nome da alegada governabilidade política. Apesar do esforço performativo em esconder a ausência programática, nada nos convence da disposição administrativa em abordar políticas relacionadas à ocupação territorial brasileira. Embora haja pelo menos dois ministérios com competência para tanto, nenhum se propõe, até o presente instante, a debruçar-se de modo conseqüente sobre o assunto.

Em vista disso, ao Senado não convém furtar-se de tal discussão, sob pena de vir a ser responsabilizado pelas mazelas atuais e as vindouras. Se, para os ocupantes atuais do Poder Executivo, o silêncio cumpre função estratégica, ao Poder Legislativo, tal postura tomaria um intolerável significado de omissão. Por isso mesmo, no que tange ao papel do Senado, nada mais oportuno do que tratar a questão da ocupação territorial por meio do reavivamento do problema do federalismo. 

Pelo menos desde junho último, não tenho hesitado em retomar, recorrentemente, a discussão sobre o tema nesta Casa, em razão de que apresentei Proposta de Emenda Constitucional que altera a forma da Federação brasileira. Ao contrário do modelo vigente, que se ajusta à forma de Estado unitário e centralizador, a PEC em pauta tenta compatibilizar as características da grande extensão territorial do País com a diversidade de nossas condições sociais, econômicas e culturais. A necessidade de um modelo descentralizador se faz cada vez mais urgente, atendendo às especificidades regionais, estimulando nossa capacidade criadora, a ponto de o povo brasileiro poder legislar e tomar decisões mais acertadas em favor de sua região.

Afinal de contas, nosso federalismo guarda raízes muito fincadas no regime absolutista monárquico, cuja centralização maximizadora do poder coroava seu espírito administrativo. Com o ingresso da República, inaugurou-se, no País, a passagem lenta e acanhada para um sistema mais democrático, cuja longa implementação dura até os dias de hoje. Nosso federalismo se ergueu a partir de uma concepção de Estado unitário, que se desmembra atabalhoadamente em células disformes, sem que houvesse, para tanto, um arcabouço cultural democraticamente robusto que lhes conferisse suficiente lastro histórico.

Em outras palavras, o desencontro da realidade brasileira com os dispositivos constitucionais tem sido tão gritante que a própria construção de nosso federalismo não escapou de ter sido elaborada em bases absolutamente irreais. Embora a Carta de 1988 tenha, de fato, avançado no processo descentralizador, a cultura federalista vigente ainda apresenta traços indiscutivelmente autoritários, sem que se possibilite um exercício democrático plenamente realizável. Diuturnamente, Estados e Municípios se debatem pela libertação dos freios constitucionais a que estão draconianamente submetidos, que os impedem de enfrentar as respectivas demandas e peculiaridades.

Além do apego à cultura de centralização federal, a apressada atribuição de competências à União e a formação jurisprudencial excessivamente centralizadora ainda contribuem para o estreitamento das veredas do exercício efetivo da autonomia federativa no Brasil. Desse modo, a repartição constitucional de competências no âmbito da República já deixou, há muito, de ser satisfatória para o enfrentamento da complexa realidade nacional. Sem dúvida, a descentralização consiste na fórmula mais aperfeiçoada e atualizada do federalismo.

Para que isso se consume, a redefinição federativa deve ser implementada, de sorte a recuperar a plenitude da ação estatal no Brasil, a eficiência do aparelho público e a resposta efetiva às demandas sociais. Redesenhar as assimetrias de nossa Federação pressupõe o reconhecimento das heterogeneidades brasileiras - as territoriais, as lingüísticas, as étnicas, as socioeconômicas, as culturais e as políticas. Com efeito, a adoção de um novo pacto federativo vincula-se à crença na sua capacidade em lidar com tais diferenças e diversidades. Portanto, o fictício federalismo em que vivemos deve ser urgentemente reformulado, sob pena de testemunharmos o comprometimento do Estado e da República.

A excessiva concentração de poderes em Brasília oferece resposta tímida às demandas municipais e estaduais, fortemente distanciada da realidade e das necessidades locais. Ainda que esteja localizada no Centro-Oeste, a Capital Federal parece flutuar sobre sua área geográfica, suspendendo por tempo indefinido sua condição territorial no conjunto dos Estados, como se estivesse deslocada do problema da ocupação regional. Em que pese sua proximidade dos Poderes da União a região central do Brasil não goza de privilégio algum em termos de incentivo de políticas públicas, tampouco dispõe de instrumentos legislativos suficientemente autônomos para resolver suas deficiências sociais e econômicas. 

Nessa ordem, nossa proposta se movimenta na direção de um discernimento mais lúcido de natureza técnico-constitucional, desfazendo uma confusão conceitual entre União e República. Com a nova redação, a PEC resgata a identidade própria e a desvinculação que devem vigorar entre as esferas de poder na Federação. Outrossim, retira-se do âmbito da Constituição Federal a disciplina da criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, atribuindo-a aos Estados. Dessa maneira, caberia a cada Estado a percepção da necessidade de alterações territoriais internas, da escolha do momento de fazê-las e do disciplinamento do processo, de acordo com o seu interesse político.

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria de frisar que, apesar de meu pessimismo presente, ainda deposito alguma fé no Governo agora instalado, no sentido de providenciar novas formulações políticas para a questão da ocupação mais equânime e regular do território nacional. Com a mesma fé, convicto estou de que a PEC acima comentada possui as qualidades legislativas necessárias e suficientes para garantir novos horizontes para o exercício democrático de nosso federalismo.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2003 - Página 42239