Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Problemas dos índios brasileiros.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Problemas dos índios brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 19/12/2003 - Página 42241
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, PROBLEMA, INDIO, HISTORIA, BRASIL, IMPORTANCIA, ESTADO, DESENVOLVIMENTO, POLITICA INDIGENISTA, EFICACIA, DEFESA, DIREITOS, PRESERVAÇÃO, CULTURA, COMUNIDADE INDIGENA, PROTEÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, DIVERSIDADE, GRUPO INDIGENA, QUALIDADE DE VIDA, DIGNIDADE, EXERCICIO, CIDADANIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez ocupo esta tribuna com o propósito de chamar a atenção para os problemas dos índios brasileiros. Gostaria de destacar algumas questões, que reputo da maior importância, relativas à construção da cidadania indígena no Brasil. Precisamos ter consciência de que, enquanto o Estado não resgatar sua dívida perante esse importante segmento da sociedade brasileira, enquanto as populações indígenas, em sua maior parte, ainda se encontrarem privadas de condições dignas de saúde e sem a assistência de que precisam para o desenvolvimento de projetos relacionados às suas culturas tradicionais, serão cidadãos pela metade. É absolutamente necessário, como tenho dito diversas vezes nesta Casa, ir além, muito além da mera demarcação das terras a que fazem jus os povos indígenas.

Precisamos também ressaltar que é exatamente a omissão do Estado perante essa grave questão que cria o caldo de cultura para a proliferação de ONGs e missões religiosas relacionadas ao tema, muitas das quais não estão efetivamente comprometidas com os interesses das populações que dizem proteger. Nutrem-se, essas organizações, das lacunas de uma política indigenista historicamente incapaz de fazer face aos problemas dos povos indígenas brasileiros.

Dotados de uma enorme capacidade de resistência, os povos indígenas, que vinham sofrendo todas as formas de violência física e cultural, vêm se recuperando desde a década de 1950. Caminham, assim, apesar de todos os percalços, para a reconstrução de sua dignidade, identidade cultural e demografia. Se as estimativas indicam que havia cinco milhões de índios quando os europeus chegaram ao Brasil, essa população se reduziu a 120 mil pessoas na década de 1950. Atualmente, contamos 400 mil membros dessas sociedades, distribuídos em 218 etnias.

Esses povos sofreram todo tipo de exploração desde os tempos coloniais, sendo emblemático que a primeira alusão, ainda que indireta, à cidadania indígena no Brasil tenha sido justamente o Diretório dos Índios, promulgado pelo Marquês de Pombal em 1757. Esse estatuto determinava a expulsão dos jesuítas e demais ordens religiosas das aldeias indígenas. Objetivava-se, então, que os povos indígenas se incorporassem à chamada sociedade civilizada e abandonassem suas culturas tradicionais. Iniciava-se, assim, uma longa e conflituosa trajetória de inserção do elemento indígena na sociedade brasileira, ocupando sempre condição subalterna e sendo submetido a diversas formas de violência e exploração.

As Cartas Régias que se seguiram à política pombalina, ao longo do século dezoito e do primeiro quartel do século dezenove, autorizavam a captura, a escravização e até mesmo a morte de qualquer índio que se opusesse à ocupação do território brasileiro. Um interessante estudo sobre o tema, intitulado “O Caminho Brasileiro para a Cidadania Indígena”, foi produzido pelo antropólogo Mércio Gomes, atual presidente da Funai e estudioso da matéria. Segundo o pesquisador, essas antigas normas que autorizavam a violência contra o indígena estão na origem de um sentimento, ainda forte entre os setores rurais mais retrógrados no Brasil, de que é aceitável ignorar a presença dos índios, atacar aldeias ou mesmo praticar seu extermínio em nome do desenvolvimento econômico.

A política indigenista do Império ampliou e acentuou o princípio da necessidade da incorporação do índio, incentivando a catequese e até definindo como extintas algumas aldeias por considerar que seus moradores já se confundiam com o restante da população. Essa concepção, de que os índios estavam em processo de extinção e caminhavam para o abandono de suas culturas, vigorou por muitos anos e esteve presente na própria criação do Serviço de Proteção ao Índio, o SPI, em 1910.

Apenas na década de 1950, com a fundação do Museu do Índio e a criação do Parque Nacional do Xingu, passou-se a abordar a questão por um ângulo verdadeiramente novo, levando em consideração a importância dos aspectos culturais para os povos indígenas. Diversas outras terras foram demarcadas tendo como base esses critérios, superando os parâmetros anteriores, que apenas levavam em consideração as necessidades para a prática da agricultura e da pecuária. Esse importantíssimo avanço deveu-se, em grande parte, ao trabalho de brasileiros exemplares como os antropólogos Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão e os indigenistas Leonardo, Cláudio e Orlando Vilas-Boas.

A Constituição de 1988, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reconheceu plenamente os direitos, os territórios a cultura e as tradições dos indígenas brasileiros, estabelecendo, inclusive, o prazo de cinco anos para a demarcação de suas terras. As condições legais para a consolidação da cidadania indígena no Brasil estão dadas. No entanto, como sabemos, elas não são suficientes para que os direitos se concretizem. É necessário que, a partir da disseminação da consciência sobre a importância do índio no Brasil, se afirmem as políticas públicas e as condições de subsistência econômica. Isso se dará a partir da efetivação de projetos compatíveis com a cultura dos povos indígenas e que sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental e econômico.

Nos últimos anos, tem-se avançado significativamente em termos de afirmação dos direitos de posse dos índios sobre suas terras tradicionais e do usufruto exclusivo sobre seus recursos naturais. Conforme estabelece a Constituição Federal, incluem-se aí as riquezas do solo, dos rios e dos lagos. Dessa forma, por meio de diversas experiências, têm-se procurado garantir os meios para a subsistência das comunidades indígenas por meio de projetos de auto-sustentação econômica. Essas iniciativas incluem manejo florestal sustentável, artesanato, produção, beneficiamento e comercialização de frutas regionais e muitos outros projetos.

Trata-se, enfim, da construção de alternativas de exploração econômica pelas comunidades indígenas que respeitem suas tradições culturais, rompendo o ciclo do assistencialismo e da tutela e contrapondo-se a modelos predatórios de desenvolvimento.

O fundamental, Srªs e Srs. Senadores, é que essas experiências relacionadas ao chamado etnodesenvolvimento estejam de acordo com a vocação histórica e cultural específica da sociedade indígena considerada e não adotem a lógica do empreendimento empresarial ou a busca do lucro.

Além disso, a Funai deve ampliar sua atuação e criar novos mecanismos institucionais de fomento a iniciativas dessa natureza, assim como o monitoramento cuidadoso dos projetos. Exercendo o Estado, Sr. Presidente, com a devida responsabilidade e competência, o papel que lhe cabe nesse setor, estaremos fortalecendo a autonomia dos povos indígenas e protegendo-nos contra os riscos da interferência de terceiros.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/12/2003 - Página 42241