Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao governo para que disponibilize, via internet, as informações acerca dos seus gastos, conforme sistema que implantou quando governou o Estado do Amapá.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Apelo ao governo para que disponibilize, via internet, as informações acerca dos seus gastos, conforme sistema que implantou quando governou o Estado do Amapá.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Mozarildo Cavalcanti, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 23/12/2003 - Página 42738
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, INSTRUMENTO, GOVERNO FEDERAL, POLICIA FEDERAL, COMBATE, CORRUPÇÃO, APOIO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), DIVULGAÇÃO, INTERNET, GASTOS PUBLICOS, OBSTACULO, POPULAÇÃO, ENTENDIMENTO, DADOS.
  • ELOGIO, SISTEMA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO AMAPA (AP), IMPLANTAÇÃO, ORADOR, EX GOVERNADOR, SEMELHANÇA, SISTEMA INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA (SIAFI), FACILITAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, UTILIZAÇÃO, INTERNET, QUESTIONAMENTO, AQUISIÇÃO, MEDICAMENTOS.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero agradecer ao Senador Augusto Botelho pela cessão de seu tempo para que eu possa me manifestar e revelar a esta Casa um poderoso instrumento de combate à corrupção, fundamental para que possamos reduzir a desconfiança entre o cidadão e as autoridades públicas, que são pagas com recursos do contribuinte e que terminam cometendo atos criminosos.

Podemos destacar algumas ações do Governo e o trabalho da Polícia Federal, apesar das dificuldades enfrentadas atualmente por toda a estrutura do Estado. A ação da Polícia Federal tem sido eficiente no sentido de desbaratar quadrilhas que se alojam no andar de cima da criminalidade, ou seja, que se alojam nas instituições públicas, como é o caso da Operação Anaconda, que já prendeu um juiz federal, e há mais dois afastados e um suspeito. Das oito Varas de São Paulo, quatro estão em suspeição. Cinqüenta por cento da representação da Justiça Federal em São Paulo está sob suspeição, o que é uma situação de extrema gravidade.

Também poderíamos ressaltar a operação de Roraima, que trouxe a lume a questão do uso do dinheiro público para a manipulação de pessoas, no conhecido caso dos “gafanhotos”. Essas ações terminam animando a sociedade brasileira e os agentes políticos do País a contribuir para que reduzamos cada vez mais a corrupção.

Srªs e Srs. Senadores, quero, portanto, mencionar o instrumento que sugiro, citando algumas comprovações da sua eficiência. Neste ano todo, fiz questão de tentar construir canais de informação, para que possamos trabalhá-las e torná-las públicas. Nesse aspecto, houve alguns avanços interessantes.

Na semana passada, por exemplo, o Ministério da Ciência e Tecnologia colocou na Internet todos os seus gastos. Esse é um passo muito importante, mas é o primeiro. O segundo passo é a sociedade entender e passar a se utilizar dessas informações para poder exercer, com eficiência, a fiscalização.

Estou falando isso, Senador Ney Suassuna, porque, também na semana passada, uma ONG que desde 1983 luta contra a corrupção, a Transparência, Consciência & Cidadania - TCC - Brasil, enviou uma carta ao Presidente Lula, cobrando o compromisso de campanha de criação de um conselho de combate à corrupção. Ora, considero desnecessário criarmos um conselho de combate à corrupção, se passarmos a utilizar o instrumento que quero revelar aqui.

Refiro-me à telemática, pois, se o cidadão que está na frente do seu computador, na sua casa, pode usar a telemática para a diversão, para o entretenimento, para a construção de cultura, pode usá-la também para controlar o Estado. Essa é a revelação que quero fazer, e vou dar alguns exemplos que vão nos ajudar a entender.

O Ministério colocou na Internet todos os seus gastos, mas levaremos muito tempo para entender e saber utilizar as informações. Ora, informação sem que saibamos utilizá-la não faz sentido. O mesmo aconteceu quando fui governador, por dois mandatos. Há cinco anos, trabalhamos com a experiência de tornar transparente a execução orçamentária e financeira do Amapá, e só muito recentemente aprendemos a utilizar as informações virtuais disponíveis.

Pois bem, ainda há pouco, retirei da Internet alguns dados que gostaria de demonstrar. Existe o Siafem, do Amapá, que é o mesmo Siafi, do Governo Federal. No Amapá, foi feita uma conexão, um link do nosso Siafem com a Internet. Todos os gastos do Governo do Amapá são divulgados, em tempo real, pela rede mundial de computadores. Portanto, posso acompanhar, em qualquer lugar do mundo, os gastos do meu Estado. E possuo uma informação que demonstra com clareza a eficiência desse instrumento, ao serem divulgados gastos públicos na Internet. O mais interessante é que não há necessidade de lei para isso. Mesmo que esteja tramitando no Senado Federal uma lei para obrigar os entes públicos a expor seus gastos na Internet, não há necessidade de lei, porque o dinheiro é público. E, se o dinheiro é público, todos têm o direito de saber em que é gasto. No entanto, isso não ocorre em nosso País. O dinheiro público é blindado com uma caixa-preta, e não sabemos o que é feito dele.

Tenho aqui dois empenhos, um do dia 13 de outubro do ano passado. Quem quiser acompanhar, pode acessar a Internet, página do Governo do Amapá: WWW.Amapá.gov.br, clicar em “gestão de dinheiro” e abrir “empenho”. São dois empenhos, um de1,512 milhão e outro de 810 mil. Detectamos esses empenhos na Internet e desconfiamos da utilização desse recurso. Abrimos o empenho para saber a que se destinava o recurso e a quem. O nome da empresa: BS Administração Ltda. Os dois empenhos no valor de quase R$2,5 milhões. E a destinação era para fazer treinamento de pessoal. Ora, dia 13 de outubro, faltando dois meses para concluir o mandato, não haveria a menor possibilidade de se gastar tanto dinheiro.

Entramos com uma ação na Justiça - vejam a importância desse instrumento - e o Juiz, baseado em consulta on line sobre as despesas do Governo do Estado, detecta a emissão dos empenhos nos valores acima referidos, e toma a seguinte decisão: “Determino imediato bloqueio da conta da empresa BS Administração Ltda. que mantém na Caixa Econômica, agência de Macapá”... ou seja, em 24 horas. O que quero mostrar é a eficiência do instrumento de comunicação bem usado. Em 24 horas, o Juiz mandou bloquear o dinheiro na conta, e o Estado economizou mais de R$2,4 milhões.

Prometi economizar cinco minutos, e vou fazê-lo. Todavia, quero dar outro exemplo. Acabei de retirar - retirei no dia 22/12, aqui não dá a hora, mas foi uma hora atrás -, da Internet a cópia de um empenho, feito no dia 5 de maio deste ano, para compra de soro. Aqui há vários médicos, a quem vou pedir ajuda: Senador Papaléo Paes, do meu Estado; Senador Augusto Botelho, que me permitiu utilizar este tempo; e o Senador Mozarildo Cavalcanti, de Roraima. Acabei de ver na Internet, repito, o empenho para compra de soro fisiológico, frascos de 500ml. O Amapá comprou no ano passado, Dr. Papaléo - não sei se V. Exª tem essa informação -, 400 mil frascos de soro - soro glicosado e soro fisiológico. Ora, a população toda do Amapá é de 540 mil pessoas; portanto, é quase um frasco de soro para cada habitante. No mínimo, há alguma coisa curiosa nessa informação, que precisa ser investigada, porque 400 mil frascos de soro - fisiológico e glicosado -, lotam mais ou menos 10 carretas. Pelo que conheço do meu Estado, a Coordenação de Medicamentos não teria espaço para armazenar tanto medicamento. Foi pago um montante de R$748 mil. O único trabalho que tive foi o de abrir a página do Governo na Internet e pesquisar no material de consumo do Fundo Estadual de Saúde. É uma demonstração clara da transparência e do uso da telemática como instrumento de cidadania e de combate à corrupção. É possível - e nosso dever - demonstrar essas possibilidades.

Concedo um aparte ao Senador Papaléo Paes.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador João Capiberibe, agradeço a oportunidade de fazer este aparte. Quero ressaltar a sua permanente e incisiva determinação de fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. Volto a insistir no que já debatemos anteriormente. É inegável que expor as contas de um Governo, de um Estado, de uma prefeitura, de qualquer órgão público, nos traz subsídios, como no caso que V. Exª citou, pois conseguiu os dados via Internet. Preocupa-me, no entanto, que passemos para a população que essa é a solução de todos os problemas. Para mim, a solução de todos os problemas é contar com mecanismos para alcançar as mesas de licitação, onde ocorre a maior corrupção. Quem se prepara para fazer corrupção ao dirigir um órgão público assessora-se de uma forma tal para que, ao expor suas contas, essas apareçam sempre bonitinhas. O procedimento da mesa de licitação onde foi gerada a corrupção dificilmente será detectada. A análise dos números de uma mesa de licitação será totalmente normal. Há, ainda, outro tipo de corrupção que pode ocorrer. Vamos falar de medicamentos. Compram-se mil unidades e o Governo paga. Na hora de receber, há um atestado de recebimento das mil unidades, mas elas não entram. Pode existir uma cadeia, que é o que mais nos preocupa. V. Exª tem o mérito de tornar mais claras para a população as contas do Governo do Estado do Amapá. No entanto, precisamos arranjar outros mecanismos para atingir a corrupção que pode haver em qualquer parte deste País e que não conseguimos detectar apenas vendo essas contas na Internet. Quero parabenizar V. Exª. Preocupa-nos muito a corrupção no serviço público. Por isso, temos que pensar em outras alternativas para detê-la, porque ela envolve propinas e outros mecanismos. Muito obrigado.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Papaléo Paes. Gostaria apenas de esclarecer que temos um exemplo clássico que pode nos servir de objeto de estudo nesta Casa. Refiro-me ao mpenho que acabei de ler, segundo o qual Fundo Estadual de Saúde compra com recurso do Sistema Único de Saúde, portanto, recurso federal. Chamaria a atenção do Sr. Ministro da Saúde para que imediatamente pedisse a abertura de uma auditagem do empenho que estou mostrando - vejo essa atitude como fundamental -, porque foram gastos R$748 mil gastos em soro - fisiológico e glicosado -, em 400 mil frascos de 500ml.

Há dois modos de corrupção na compra de medicamentos - aqui estão dois médicos, que sabem disso. A primeira é superfaturar, a segunda é usar nota fiscal “fria”. Esse é um caso que pode perfeitamente ser enquadrado num desses exemplos. Não estou dizendo que tenha havido corrupção, mas são dez carretas só de soro. Primeiro, onde foi colocado todo esse medicamento? Será que todas elas chegaram ao destino?

O Ministério da Saúde tem de auditar imediatamente. O empenho está na Internet. Esse é um documento oficial do Governo. Não é invenção de ninguém da Oposição; é um documento oficial.

Há dois pedidos de aparte: Senadores Antonio Valadares e Mozarildo. Cavalcanti.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo, médico e Senador de Roraima.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador João Capiberibe, quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que faz, principalmente no que tange à publicidade dos atos administrativos, um dos esteios da administração. A publicidade feita pela Internet, diria, é quase uma obrigação. E V. Exª informou que, no exemplo do Amapá, o Juiz, em 48 horas, mandou bloquear as contas. E nada substitui a decisão judicial, porque essas operações estão sendo feitas pela Polícia Federal, o juiz autorizou a escuta, autorizou a quebra do sigilo bancário e telefônico, e as prisões foram efetuadas porque o juiz as determinou. E nenhuma dessas ações inquisitoriais ou de investigação pode substituir, ao final, a decisão do Judiciário. O Judiciário, inclusive, está dando um exemplo investigando mais de 14 juízes. Segundo o noticiário de hoje, ele próprio está fazendo essa investigação, essa depuração. Realmente, é importante que avancemos no controle do combate permanente à corrupção, que passa primeiramente pela publicidade - que é constitucional até - e também por não perdermos de vista que nada pode substituir o Poder Judiciário e que devemos fortalecê-lo.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Não tenho a menor dúvida disso, Senador. Acho que as instituições deste País precisam ser fortalecidas, o Ministério Público precisa ser fortalecido, precisamos dar mais poder ao Ministério Público. Vejo que há uma discussão aqui na Casa em relação à sua ação. Eu também fui vítima de Procuradores. Mas a instituição não depende do desvio de conduta de um Procurador. Temos que fortalecê-la e dar, cada vez mais, poder porque trabalhamos com recurso público, recurso do cidadão.

Concedo o aparte ao meu Líder, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador João Capiberibe, V. Exª, à frente do Governo do Amapá, deu um exemplo edificante de como se deve administrar controlando os órgãos do Governo dando transparência aos seus atos, que puderam ser acompanhados pela Internet, por meio de um processo moderno, introduzido por V. Exª, em que qualquer cidadão ou cidadã pode acessar as informações governamentais, sem causar nenhum transtorno, embaraço ou qualquer constrangimento ao administrador público. Aliás, temos como exemplo da eficiência do seu trabalho neste aspecto a introdução, no Ministério da Ciência e Tecnologia, desse método de acesso, via Internet, das contas governamentais. Eu estive presente ao ato, juntamente com V. Exª e o Senador Geraldo Mesquita, além de várias Lideranças da Câmara dos Deputados, apoiando integralmente aquela ação do Ministério da Ciência e Tecnologia, que se inspirou justamente no Governo de V. Exª, que foi um modelo de trabalho, de eficiência, de realização e, acima de tudo, de transparência e de honestidade, tanto que V. Exª se elegeu Senador da República, apesar de todos os percalços que procuraram criar à sua candidatura. E V. Exª está aqui, com a sua voz vibrante, atuante e atualizada, trazendo ensinamentos primorosos para todos aqueles que desejam um Brasil respeitado, com credibilidade e transparente. E nenhum governo, como o de Lula, poderia jamais recusar ou deixar de aceitar esta sugestão grandiosa que V. Exª apresenta ao Governo Federal. Portanto, quero me somar ao trabalho de V. Exª. Sabemos que existe farta legislação para combater a corrupção, mas isso só pode ser feito por meio de ações benfazejas, como a que V. Exª empreendeu à frente do seu Governo. Existe o Decreto-Lei nº 201, que é um decreto draconiano contra os prefeitos municipais, e nem por isso prefeitos deixaram de praticar irregularidades graves. Existe a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é “driblada” pelos governadores. Existe a Lei do Colarinho Branco para colocar os corruptos na cadeia, que não impede que muitos continuem ludibriando a Justiça. Ações como a de V. Exª, sem dúvida alguma, repercutem de forma positiva na boa ações dos administradores públicos do Brasil. Meus parabéns a V. Exª.

           O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Líder Senador Antonio Carlos Valadares.

Encerro meu pronunciamento fazendo um apelo aos meus companheiros do PT para que os Ministérios que hoje estão sendo administrados, geridos pelo PT, façam exatamente o que foi feito pelo Ministro Roberto Amaral, que colocou na Internet as suas contas. E faço um apelo também ao PMDB, que deverá compor o Ministério do Presidente Lula, para que já chegue no Ministério expondo os seus gastos, o seu desempenho na Internet, para que nós possamos acompanhar.

E aqui fica um compromisso meu. Eu estou acompanhando o desempenho orçamentário e financeiro do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na hora em que eu detectar qualquer irregularidade, vou trazê-la ao Plenário, para que a possamos discutir, porque o que está em jogo é um instrumento poderoso de informação e de combate à corrupção.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/12/2003 - Página 42738