Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Polêmica em torno da regularização do sistema de assistência à saúde da população brasileira.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Polêmica em torno da regularização do sistema de assistência à saúde da população brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 23/12/2003 - Página 42824
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ATIVIDADE ECONOMICA, PLANO, SAUDE, ANALISE, LEGISLAÇÃO, SETOR, DEMORA, CRIAÇÃO, ORGÃOS, REGULAMENTAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR (ANS), ELOGIO, ATUAÇÃO, CONTROLE, PREÇO, REAJUSTE, FISCALIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, DEBATE, PARCERIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), CONSELHO NACIONAL, MELHORIA, SITUAÇÃO, REGISTRO, NECESSIDADE, AUMENTO, QUADRO DE PESSOAL.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a regulamentação do sistema de assistência à saúde da população brasileira tornou-se um dos pontos mais polêmicos e difíceis de equacionar dentre as inúmeras questões que devem ser respondidas em nossa busca de maior justiça social.

E dentro desta vastíssima polêmica está a questão da regulação e fiscalização da assistência suplementar à saúde, o que comumente chamamos de planos de saúde.

De fato, Senhor Presidente, o Estado brasileiro tem-se defrontado com uma situação deveras incômoda na qualidade de gestor do interesse público, ou seja, do interesse coletivo dos cidadãos e cidadãs que mantêm relações com o setor de saúde suplementar.

O que se passa é que o setor já é uma atividade econômica relevante no País desde os anos 60 e, apenas em 2000, é que se criou um órgão de Estado com a responsabilidade de atuar junto a ele - a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS.

A dificuldade iniciou-se no fato de que as empresas em atividade no setor eram regidas pela legislação de tipo societário, o que as fazia serem vistas mais como empresas comerciais do que prestadores de serviços em setor essencial à vida da população. Durante quase trinta anos, as empresas se multiplicaram de modo indisciplinado e heterogêneo, o que acabou por causar um total desencontro entre os interesses dos usuários e os das empresas.

Só em final de 1997, a Câmara dos Deputados conseguiu levar a termo um projeto de lei de regulamentação dos planos de saúde, que se transformaria na Lei nº 9.656, de 1998. Para que as alterações desejadas pelo Senado fossem atendidas, o Governo Fernando Henrique Cardoso editou a MP 1.665, de 1998, que dá ênfase ao pólo assistencial da regulação e fortalece o papel do Ministério da Saúde no processo. O texto vindo da Câmara preocupava-se em impor rigor à regulação da atividade econômica, deixando a regulação da assistência sob a égide de instrumentos mais flexíveis. Estabelecia, também, o Plano de Referência, que não admitia qualquer exclusão ou exceção de cobertura. Caberia ao consumidor escolher por este plano ou por coberturas inferiores a ele, o que significaria exclusões de coberturas assistenciais.

O que a MP estabeleceu foi que o Plano de Referência é obrigatório, deixando de ser de oferecimento obrigatório, mas, sim, o único a poder ser comercializado. Regras reforçadas ou novas regras foram criadas para proteger o consumidor, como controle dos reajustes de preço, proibição de seleção de risco e de rompimento unilateral do contrato com os usuários de planos individuais.

Dessa nova forma de enfocar o controle da atividade, surgiu no texto que emergiu do Senado o sistema de regulação bipartite, ficando a regulação da atividade econômica na esfera do Ministério da Fazenda e a da atividade de produção dos serviços de saúde, da assistência à saúde, no Ministério da Saúde.

Assim, o setor passou a ter como marco legal a Lei nº 9.656, de 1998 e a MP nº 1.665, de 1998, cujo número atual é 2.177-44.

O fato de o setor ter existido por cerca de 30 anos, sem qualquer regulação, exigiu, e ainda está exigindo, a regulamentação de diversos dispositivos legais. Tudo, ou quase tudo, carecia de definição, principalmente na dimensão da assistência à saúde, absolutamente inédita. Um dos pontos mais complexos e que ainda necessita de adequação é o dos contratos antigos vis-à-vis de sua migração para nova sistemática, sobretudo os dos usuários individuais.

Senhoras e Senhores Senadores, a ANS foi criada para regular uma atividade privada já existente, extremamente complexa, em setor essencial, qual seja o da saúde, e que nunca havia sido objeto de regulação do Estado.

Não bastasse a ingrata tarefa reservada à ANS, ela sofria e ainda padece da síndrome de falta de quadros técnicos habilitados no Estado brasileiro. Como ela sequer é sucedânea de órgão congênere, além de não dispor de quadros pré-existentes, encontra-se tolhida em sua capacidade de arregimentar efetivos competentes pela tramitação de uma ADIN no STF contra o modelo de contratação previsto na Lei 9.986, de 2000. Mesmo lutando com essa dificuldade, típica das agências criadas no governo passado, a ANS conseguiu que a regulação do sistema de saúde complementar se tornasse efetiva e eficaz.

A pronta atuação da ANS tem sido a responsável pelo maior controle nos preços e seus reajustes, principalmente nos planos individuais e familiares, nos quais os consumidores têm pouco ou nenhum poder de barganha.

A fiscalização exercida pela ANS, seja direta, seja indireta, tem servido para granjear-lhe respeitabilidade junto à opinião pública e junto às empresas prestadoras de serviço e operadoras. A fiscalização direta se dá em duas vertentes: a de apuração de denúncias e representações, no Programa Cidadania Ativa; e a de diligências nas operadoras, no Programa Olho Vivo.

Senhor Presidente, afora a inegável operosidade da ANS, muito ainda se deve fazer para que a ação do Estado, via suas agências reguladoras, se possa considerar como satisfatória. Assim, o Fórum da Saúde Suplementar, organizado pela ANS, sob coordenação do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde, cuja conclusão deve dar-se neste final de ano, visa a dotar a ANS de novos meios de maximizar sua eficácia como agência reguladora do interesse coletivo dos cidadãos.

Há muitos desafios a serem superados, como o da ampliação da cobertura assistencial dos planos antigos, com a migração dos contratos antigos para os contratos regulados.

A repactuação da relação entre as operadoras e prestadores, médicos, laboratórios, clínicas e hospitais, está sendo exigida, pois a sistemática de pagamento por procedimento, como forma única, tem acirrado as tensões entre as partes, além de ser o único ponto de gerenciamento das operadoras que escapa à regulação da ANS, permitindo que muito abusos praticados na relação operadora-consumidor ali se escondam.

A criação de novos mecanismos de mobilidade dos consumidores de planos individuais, comumente chamada de portabilidade de carência, é outra questão crítica na nova fase de evolução da regulação do setor de saúde suplementar. O fato de ainda existirem cerca de 70% de consumidores detentores de contratos antigos, regidos pela legislação anterior a 1998, dificulta a solução da questão, mas exige, também, criatividade dos agentes, para que se possa efetivar um real controle de qualidade e de preços sobre esse segmento de planos.

Parcela significativa de usuários de planos, principalmente coletivos, que não dispõem de recursos para aquisição de medicamentos prescritos seria favorecida pela introdução desse benefício cuja discussão deve avançar em busca de uma solução.

A sistemática de ressarcimento do SUS, quando presta serviços aos detentores de planos, bem como a incorporação de tecnologia pelos prestadores são outros dois pontos que devem sofrer avanços.

Resseguro e co-seguro para casos de riscos elevados; garantia de continuidade de atendimento aos usuários de operadoras liquidadas extrajudicialmente, segurança jurídica com a prolação de sentenças definidas pelo STF sobre as ações nele ajuizadas e a conversão da MP 2.177-44; são ainda outras medidas que se afiguram indispensáveis para que a ação da ANS possa se tornar mais e mais eficaz em favor da sociedade em geral.

De todo modo, Senhor Presidente, torna-se mais e mais visível a importância da política pessoal, seja no regime de sua contratação, seja no sistema de sua formação e qualificação, que deve servir a agências reguladoras do Estado brasileiro. Não se pode querer ter órgãos preocupados com o interesse coletivo e com a seriedade de prestação de serviços, se não há quadros estáveis, bem formados tecnicamente e efetivamente preocupados com o bem coletivo. Isso é uma premissa para a boa atuação do Estado regulador que se quer desenvolver no Brasil do século XXI.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/12/2003 - Página 42824