Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A importância da educação, ciência e tecnologia como indutoras do desenvolvimento social.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • A importância da educação, ciência e tecnologia como indutoras do desenvolvimento social.
Publicação
Publicação no DSF de 23/12/2003 - Página 42825
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, ANALISE, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, INDEPENDENCIA.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, peço atenção especial sobre o tema da educação, ciência e tecnologia como indutoras do desenvolvimento com eixo no social.

Solicito registro da referida matéria pela relevância e sua importância, para que faça constar nos Anais da Casa, pois um País que não investe na educação de seu povo não consegue libertar-se da inventividade alheia e tem sua civilização por ela moldada, de forma passiva e desfiguradora.

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ALOIZIO MERCADANTE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

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     EDUCAÇÃO, CIÊNCIA & TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

     Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o acesso universal à educação pública é um princípio republicano fundamental. Trata-se de resgatar o jovem do âmbito exclusivo da formação na vida familiar, esfera do privado, e incluí-lo em uma dimensão mais ampla de sociabilidade, na convivência com o diverso, com a alteridade, com o direito do outro, presente ou ausente, e com as suas próprias obrigações na esfera pública. A escola deve buscar formar e não conformar, explorar as possibilidades de realização do ser humano e não estreitar sua visão. O ser que aprende é o ser que se transforma e que abre caminhos para a ação criativa no mundo.

     Essa capacidade transformadora pode ser maior em determinadas pessoas, mas não deve ser exclusiva de uma casta, de uma classe, de uma fração ou segmento. Uma nação que expande seus horizontes, não o faz apenas a partir daqueles que revelam capacidades excepcionais em criar conhecimento científico ou de usar esse conhecimento para abrir fronteiras de geração de riqueza, como revela a visão schumpeteriana1[1] da mudança econômica. Uma nação se constrói a partir da contribuição de cada um dos seus membros, do mais brilhante dos cientistas, do mais hábil dos empreendedores, do mais visionário dos políticos a mais anônima das pessoas, porém consciente e beneficiária do projeto nacional.

     Um país que não investe na educação de seu povo não consegue libertar-se da inventividade alheia e tem sua civilização por ela moldada, de forma passiva e desfiguradora.

     A ciência é um bem universal, mas sua geração e apropriação devem se dar a partir das necessidades e peculiaridades de cada povo. O saber fazer, o saber usar, o saber observar, dependem do equipamento cognitivo dos sujeitos do saber. O conhecimento de fronteira, seja científico ou tecnológico, pode ser inútil em um ambiente impermeável ao novo. Nesse sentido, a educação para a mudança não é um imperativo apenas político, para transformar a ordem social, principalmente quando eivada pela injustiça, mas também é imperativo econômico. Não se trata da preparação para a absorção fascinada dos signos do consumismo fútil, mas da consciência de que a incorporação do novo modo de fazer aumenta a riqueza da sociedade, ampliando assim o potencial de distribuição de renda e riqueza.

     A educação não melhora a distribuição de renda porque amplia o mal denominado “capital humano”. O acúmulo de conhecimento técnico e de qualificação não se traduz necessariamente em aumento da renda do sujeito que acumula expertise empregado, como também não é inexorável que o acúmulo de capital implique sua adequada remuneração. Quando uma nação amplia seu nível educacional, eleva sua capacitação científica e tecnológica e seu potencial de ampliação da produtividade, seja por geração e/ou rápida adoção de novas tecnologias. É a incorporação, ou não, da produtividade aos salários diretos ou indiretos (gastos sociais) que permite a maior ou menor distribuição da renda. E essa incorporação só ocorre através da mediação da disputa social e política. Os salários reais aumentam se os trabalhadores organizados em sindicatos conseguem negociações salariais favoráveis às suas categorias profissionais no limite mínimo dos ganhos de produtividade setorial. Os gastos sociais aumentam se os interesses dos trabalhadores estão adequadamente representados nos orçamentos públicos e isso só ocorre se eles elegem seus representantes em número adequado nos parlamentos federais ou locais.

     As forças do mercado podem elevar os salários de forma generalizada e breve apenas em momentos excepcionais: quando se está próximo do pleno emprego ou devido a episódios setoriais curtos em que a demanda de força de trabalho é superior à sua oferta. No longo prazo, a dinâmica do capital é tal que a mudança tecnológica torna o trabalho vivo redundante, ampliando o desemprego e forçando a queda dos salários. Desta forma, as formas clássicas nas formações sociais capitalistas contemporâneas de lidar com essa dinâmica têm sido através da regulação do processo de distribuição de renda, seja diretamente através da relação capital e trabalho, que é importante, porém, limitada, por ser pró-cíclica ou pela apropriação da renda através do Estado (políticas sociais, welfare state ) que representa forma mais ampla, por ser anticíclica. Aqui está a importância de um processo de desenvolvimento com eixo no social.

     Entretanto, a educação não é apenas essencial para assegurar oportunidades para todos os cidadãos e permitir melhor distribuição interna dos rendimentos, mas também para possibilitar maior equilíbrio de riqueza e poder entre as nações e ensejar melhor inserção dos países no cenário internacional. Nesse sentido, a educação é estratégica também do ponto de vista geopolítico.

     Com efeito, é fato notório e evidente que um dos grandes problemas mundiais, talvez o maior, refere-se à extrema e crescente concentração de renda e poder entre as nações. De acordo com dados da UNCTAD, o fosso entre países em desenvolvimento e desenvolvidos se amplia cada vez mais. Em 1965, o PIB por habitante dos países mais ricos, que detêm 20% da população mundial, era 30 vezes superior ao dos países mais pobres do planeta. Já em 2000, apenas 35 anos depois, essa diferença mais do que dobrou, passando para 65 vezes. Ressalte-se que tal tendência vem se mantendo e se aprofundando neste início de milênio. Especificamente na América Latina, a renda média per capita, que representava um terço do rendimento médio do Norte em finais dos anos 70, caiu, hoje, para menos de um quarto. 

     Obviamente, essa imensa e crescente concentração de riqueza em nível mundial está diretamente relacionada à concentração internacional do saber, especialmente do saber científico e tecnológico. No atual padrão de acumulação de capital, a capacidade de produzir conhecimento científico-tecnológico e, especialmente, de transformar esse conhecimento em técnicas e produtos inovadores e mais competitivos, faz toda a diferença.

     Nesse campo, os países desenvolvidos detêm um férreo oligopólio. Só para se ter uma idéia, calcula-se que a produção científica do Brasil, país que tem óbvio destaque entre as nações em desenvolvimento, corresponda apenas a cerca de 2% da norte-americana. Se tomarmos como indicador o número de patentes depositadas no escritório norte-americano de patentes (USPTO), parâmetro internacionalmente aceito para se medir o desenvolvimento científico e tecnológico de países, veremos que a participação do Brasil no total de depósitos feitos por nações estrangeiras tem se situado entre 0,04% e 0,05%, nos últimos 10 anos. Tal participação é, pois, ínfima, e revela falta de uma estratégia consistente de desenvolvimento tecnológico. Em contraste, alguns países, como a Coréia do Sul, por exemplo, vêm expandindo fortemente as suas pesquisas básicas e aplicadas. Em 1980, a Coréia do Sul depositou apenas 8 patentes no USPTO, enquanto que o Brasil depositou 24. Já no ano de 2000, o nosso país depositou 98, ao passo que a Coréia do Sul depositou 3.314, quase 34 vezes mais! Significativamente, aquele país e outros tigres asiáticos, assim como a China, se constituem num seleto grupo de nações que, graças à combinação de políticas econômicas que privilegiaram os fatores endógenos do crescimento e as empresas nacionais com investimentos substanciais em educação, ciência e tecnologia, conseguiram reduzir, ao mesmo tempo, a sua pobreza interna e a distância que os separavam dos países mais ricos.

     Há, portanto, correlação estreita e evidente, nos planos interno e externo, entre educação, ciência e tecnologia, por um lado, e desenvolvimento econômico com redução da pobreza e das desigualdades, por outro. Por esse motivo, o debate sobre a transferência de tecnologia esteve no centro das intervenções dos países em desenvolvimento em todos os foros mundiais, notadamente nas décadas de 60 e 70. No âmbito da ONU, por exemplo, chegou-se a discutir um código de conduta para empresas multinacionais, o qual previa, entre outros dispositivos, que tais empresas deveriam comprometer-se a transferir conhecimento tecnológico para os países em desenvolvimento onde atuassem. A idéia era conciliar o direito à propriedade intelectual com o direito ao desenvolvimento, de modo a reduzir o fosso entre países ricos e pobres.

     Infelizmente, nas duas décadas subseqüentes o conceito de transferência de tecnologia foi paulatinamente abandonado e substituído por uma crescente rigidez dos mecanismos internacionais de proteção da propriedade intelectual. A assinatura, em 1994, do TRIPS, o acordo sobre propriedade intelectual da OMC, praticamente sepultou quaisquer perspectivas de colaboração efetiva e substancial entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no campo científico e tecnológico e consolidou o predomínio das grandes companhias multinacionais na introdução de técnicas e produtos inovadores no processo produtivo.

     Não se trata de afirmações bombásticas e vazias. Qualquer um que tenha tomado conhecimento das barreiras e obstáculos que alguns países desenvolvidos impõem ao programa aeroespacial brasileiro sabe perfeitamente que a tendência é de concentração cada vez maior do saber científico e tecnológico.

     Assim sendo, o uso da educação, ciência e tecnologia como indutoras do desenvolvimento com eixo no social passa não apenas por políticas ativas internas, mas também por uma política externa que privilegie a união entre países em desenvolvimento, de forma a melhor defender os seus interesses comuns vis a vis aos dos países desenvolvidos, modificando a correlação de forças no cenário internacional, e que busque parcerias estratégicas diferenciadas, de modo a diversificar a cooperação científica e tecnológica.

     Nesse sentido, a constituição do G+ e a consolidação ou criação de parcerias estratégicas efetivas com países como China, Rússia, Índia, África do Sul poderão, se bem combinadas com políticas internas adequadas, colocar o País no rumo acertado do progresso científico e tecnológico e do desenvolvimento sustentado centrado na redução das desigualdades internas e externas. 


1[1] O motor do desenvolvimento econômico na visão de Schumpeter é composto pelas inovações de toda natureza -- financiadas por crédito novo -- que recombinam os fatores produtivos de uma forma mais eficiente e funcional. A capacidade de perceber novas oportunidades de lucros através das inovações, na abordagem original desse pensador econômico, é atributo de empresários visionários, que assim justificam sua função social e seu acesso a lucros extraordinários, até que os imitadores tardios entram no mercado e provocam uma queda dos lucros para o padrão reprodutivo normal. ( “Capitalismo, Socialismo, Democracia” e a “Teoria do Desenvolvimento Econômico” e “Ensaios”).



Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/12/2003 - Página 42825