Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Abordagem sobre a crise nas universidades públicas brasileiras.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Abordagem sobre a crise nas universidades públicas brasileiras.
Publicação
Publicação no DSF de 23/12/2003 - Página 42828
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP), CENSO ESCOLAR, ENSINO SUPERIOR, BALANÇO, EXPANSÃO, NUMERO, CURSOS, ESTUDANTE, PROFESSOR, AUMENTO, ESCOLA PARTICULAR, ANALISE, CRISE, UNIVERSIDADE, SETOR PUBLICO, ABANDONO, FALTA, RECURSOS.
  • ANALISE, DADOS, SUPERIORIDADE, QUALIDADE, ENSINO, PESQUISA, UNIVERSIDADE, SETOR PUBLICO, APREENSÃO, CRISE, PREJUIZO, DEBATE, CONSCIENTIZAÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PERDA, AUTONOMIA, PAIS.

       O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

       Do Senador Almeida Lima (PDT - SE) Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores,

       Pretendo, hoje, abordar um aspecto preocupante da educação em nosso País. Trata-se da crise que atinge nossas universidades públicas.

       Recentemente, o INEP -- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira divulgou os dados do Censo da Educação Superior de 2002. Alguns dados são, de fato, impressionantes.

       Em cinco anos, o número de cursos de graduação no País cresceu mais de 100%. Aumentou também o número de estudantes: em 1998, tínhamos 2,1 milhões de estudantes matriculados em instituições de ensino superior. Em 2002, já eram 3,4 milhões de matriculados.

       Também cresceu o número de professores em exercício na graduação: 38% a mais em 2002, em relação a 1998.

       Esses números traduzem uma expansão significativa do ensino superior no Brasil. Disso não há dúvida. E não há dúvida, também, de que temos motivos, diante dessa expansão, para estarmos contentes -- ainda que conscientes do longo caminho a percorrer, visto que apenas 9% dos brasileiros entre 18 e 24 anos estão matriculados no ensino superior. Mas olhemos esses dados por outro prisma. Tão clara quanto a tendência de expansão, desenha-se, paralelamente, uma outra, também significativa. Levando-se em conta, agora, a classificação das instituições de ensino superior como públicas ou privadas, rapidamente podemos constatar que esse crescimento não foi simétrico. O crescimento apontado pelas estatísticas do censo foi, sobretudo, uma expansão do ensino privado.

       Em 1998, a rede privada concentrava 78% do total de Instituições de Ensino Superior no País. Em 2002, esse total pulou para 88%. Em 2002, as instituições privadas detinham 70% das matrículas em cursos de graduação contra 62% em 1998. Também o aumento do número de professores na rede privada foi bem mais expressivo do que na rede pública.

       Creio que uma análise adequada da crise da universidade pública no Brasil não pode deixar de levar em conta esse quadro que nos revelam os dados do Censo realizado pelo Inep. Seria certamente falacioso tentar, agora, associar de forma mecânica o crescimento do ensino superior privado com a crise da universidade pública. Não quero cair na ingenuidade de dizer que o crescimento da rede privada se dá em detrimento da rede pública, ou que é a causa da crise crônica das universidades públicas. Há, no entanto, um aspecto sintomático inegável na assimetria entre a participação das instituições públicas e privadas no crescimento do ensino superior nos últimos anos. O que esse sintoma revela é o abandono da universidade pública pelo Governo que deveria ser responsável por sua manutenção. Sem o suporte que sempre teve e sem que lhe sejam oferecidas alternativas viáveis, a universidade pública não apenas deixa de crescer no ritmo que a sociedade desejaria e necessitaria, mas definha. É a isto, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores, que temos assistido na última década: ao progressivo definhamento das instituições públicas de ensino superior, acompanhando o florescimento, que não deixa de ter seu lado alvissareiro, das escolas privadas.

       A crise da universidade pública é, sobretudo, uma crise de sustento. Mal tendo meios para sustentar-se, dificilmente poderiam as instituições públicas crescer na proporção das expectativas da sociedade e, certamente, não na proporção necessária para preencher a grande lacuna educacional com que o País ainda terá de conviver por muito tempo.

       Proponho agora, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, que olhemos a questão de uma perspectiva diferente. Se, do ponto de vista quantitativo, as instituições privadas de ensino superior tomam cada vez mais a dianteira, do ponto de vista da qualidade, mantém-se clara a superioridade do ensino superior público. O Exame Nacional de Cursos, o “Provão”, mostra que ainda predomina a qualidade no ensino de graduação nas universidades públicas: 52% dos cursos oferecidos por essas instituições têm conceitos A ou B, contra apenas 20% na rede privada. Na pós-graduação, a liderança das instituições públicas é mais flagrante. A rede pública concentra mais de 80% das matrículas em cursos de Mestrado e cerca de 90% em cursos de Doutorado. É a universidade pública, portanto, que tem formado os professores que, em seguida, são incorporados pela rede privada. Além do mais, a maioria esmagadora da pesquisa produzida no País é realizada em instituições públicas. É também a universidade pública que continua produzindo conhecimento novo no País.

       Para sermos justos, não podemos deixar de reconhecer que a própria universidade pública tem sua parte de responsabilidade na crise que a afeta. Mas, com recursos escassos e sem autonomia suficiente para contornar as dificuldades impostas por essa escassez, a universidade pública aprofunda sua crise sem ter possibilidade sequer de reparar os erros pelos quais poderia ser responsável. E, muitas vezes, as saídas entrevistas pela universidade são fontes de novos problemas. Pensemos, por exemplo, na proliferação de fundações de apoio que surgem no vácuo antes preenchido pelos recursos públicos, como solução para o problema do financiamento e como alternativa mais ágil para os problemas administrativos enfrentados pelas universidades. A convivência, nem sempre fácil, entre público e privado não deixa de resultar em conflitos de interesses, levantando, constantemente, questões éticas de vários tipos.

       Esse é o quadro, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, que nos mostra a crise da universidade pública. O que podemos esperar, a partir disso? O pior que podemos esperar, naturalmente, é o colapso definitivo das universidades públicas.

       Como há ainda um caminho considerável a ser percorrido pelas instituições privadas até que seja atingido o nível de excelência de algumas de nossas universidades públicas - excelência, aliás, construída de maneira consistente ao longo de quase sete décadas, desde os anos de 1930 -, esse colapso significaria uma perda irreparável de qualidade para o nosso ensino superior, um retrocesso que não podemos nos dar o luxo de permitir.

       Além de repositório da excelência no que diz respeito ao nosso ensino superior, a universidade pública cumpre papéis fundamentais. Sendo lugar de criação e inovação, é ingrediente indispensável para o desenvolvimento do País. E aí desponta o que considero o aspecto mais severo da crise. A inércia em que mergulhou a universidade brasileira, no que respeita a formação de idéias, do debate e da conscientização.

       É a universidade o local apropriado para o estímulo às idéias e ao pensamento. Diria melhor, cabe à universidade fazer pensar e, a partir daí, desenvolverem-se visões críticas, não conformistas do estamento mundial, do país, da cultura e da sociedade. É a arena por excelência do debate, do incentivo ao debate.

       A mim parece, Senhor Presidente, que o conceito de laboratório de formulação de idéias é uma das principais missões da universidade. E é sobre tudo, nesse aspecto, que chama a atenção a sua crise, já há alguns anos estamos sem formulação onde nada se cria e se transforma para pior. A falta de formulação está criando na universidade pública, um hiato de pensamento de conseqüências imprevisíveis para a elaboração de concepções técnicas, doutrinárias e até ideológicas, que certamente influirão negativamente na formação do pensamento nacional no futuro.

       O desempenho da universidade pública brasileira hoje acompanha melancolicamente, toda a performance negativa do País como resultado da ação governamental, que já vem de alguns anos e se agrava agora. A doutrina neoliberal aplicada como tema maior nas ações governamentais, a visão da chamada “economia de mercado” imposta sobre a ótica da educação: formar profissionais apenas para ingressar no mercado de trabalho. Aformação superior, como condição primordial, para ilustrar curriculum vitae. Produção mecânica e em massa de bacharéis e doutores.

       Apenas isso!

       Há outro aspecto que julgo importante abordar e que, ao meu juízo, contribui para o desmantelamento da qualidade da universidade pública que é a desvalorização do professor no que se entende por falta de condições materiais de trabalho, de estrutura para o ensino e a pesquisa e, sobretudo, quanto ao salário.

       Aviltante para o professor, de quem se exige considerável carga horária, dedicação exclusiva, especialização ou formação em mestrado e não raro doutorado.

       Para que se tenha idéia da defasagem salarial e da importância, que o atual Governo atribui ao professor universitário público, está no fato de que recentemente abriu-se concurso para o preenchimento de vagas nos quadros da Polícia Rodoviária Federal, onde se exige nível médio de escolaridade para um salário de R$3.735,00, ao passo que a universidade pública paga R$3.592,00 a um professor com doutorado e dedicação exclusiva.

       Não podemos esquecer, ainda, o efeito negativo que teria o colapso da universidade pública sobre todo o sistema educativo, dada a organicidade desse sistema. É inconcebível um bom ensino básico sem um ensino superior de qualidade, nem que seja pela simples razão de que os professores do ensino fundamental e médio são formados em instituições de ensino superior. E visto que, na situação atual, a própria rede privada depende quase inteiramente da universidade pública para a qualificação de seus próprios quadros, o papel determinante da universidade pública para o bom funcionamento de todo o sistema fica ainda reforçado.

       Enfim, por seus efeitos, quase podemos dizer que a crise da universidade pública é a crise da educação brasileira. Constituindo a fonte de excelência na formação em nível superior, a universidade pública dá o tom da formação nos demais níveis, seja no sistema público de ensino, seja no privado.

       Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, É triste constatar, no cenário de expansão do ensino superior nos últimos anos a que me referi no início, o declínio e a crise persistente das universidades públicas. E, diante do que temos a perder, mais triste é não conseguir enxergar a luz no fim do túnel, esperando apenas que ele tenha um fim. As escolhas que faremos nos próximos anos, no que diz respeito às políticas públicas voltadas para o ensino superior, serão decisivas. Dados os papéis fundamentais desempenhados pela universidade pública, sem falar no tesouro cultural que nossas universidades representam, é nosso dever redobrar nossa atenção no momento de fazermos essas escolhas.

       Para encenar, gostaria de trazer aqui as palavras de um grande educador, homem de visão e coragem, que desafiou, na sua época, preconceitos de vários tipos em defesa da educação pública: “A Universidade é, pois, na sociedade moderna, uma das instituições características e indispensáveis, sem a qual não chega a existir um povo. Aqueles que não as têm, também não têm existência autônoma, vivendo, tão-somente, como um reflexo dos demais.”

       Essas palavras foram ditas por Anísio Teixeira em 1935, no discurso que proferiu por ocasião da inauguração dos cursos da então Universidade do Distrito Federal, germe da atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje, quando, mais do que nunca, a posse e a produção de conhecimento tornou-se um elemento-chave para a conquista de uma existência autônoma, ressalta a importância das Universidades.

       Na nossa situação atual, deixar continuar o processo de definhamento das Universidades públicas é perder posições importantes na afirmação de nossa autonomia.

       Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.

       Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/12/2003 - Página 42828