Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Solidariedade ao Deputado Eduardo Greenhalgh em virtude de ter sido acusado de torturar um dos meliantes envolvidos na morte do prefeito Celso Daniel.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Solidariedade ao Deputado Eduardo Greenhalgh em virtude de ter sido acusado de torturar um dos meliantes envolvidos na morte do prefeito Celso Daniel.
Publicação
Publicação no DSF de 24/12/2003 - Página 42920
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, LUIS EDUARDO GREENHALGH, DEPUTADO FEDERAL, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DIREITOS HUMANOS.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste último pronunciamento que faço à Casa neste ano legislativo, não me deterei a reforçar críticas na direção do Presidente da República e de seu Governo. Portanto, o Presidente está livre de eu comentar a foto no skate. Tenho medo de uma queda que agrave a bursite, mas não comento o fato.

Não me reportarei ao episódio triste de ontem, quando percebi deslealdade, golpe, insensibilidade e até falta de lucidez política na direção das oposições, porque muitos momentos de luta virão, e não entendo que a verdadeira esperteza esteja em enganar os outros; a esperteza está em ser direito o tempo inteiro, porque assim se ganha crédito e a palavra passa a valer.

Fecho este ano, pois, dizendo que não é disposição minha voltar a fazer acordos com governo que, na calada da noite, ataca e obtém vitórias que podem ser de Pirro, revelando, ainda assim, uma fragilidade tão grande, porque houve apenas 41 votos no painel - eram necessários 41 -, sendo que um Senador do PSDB e um do PFL votaram com o Governo ontem, na Cofins. Portanto, nem atacando à traição, nem assim, consegue número para, sozinho, andar com os seus projetos, ou seja, não consegue andar com as próprias pernas.

Mas não é sobre isso que vou falar. Não vou sequer fazer carga em relação ao episódio de Santo André. Não farei. É véspera de Natal, e me espanta tanta agonia, tanta preocupação. Agora mesmo, vejo que a viúva do Toninho, do PT, quer reabrir o caso, enquanto as pessoas estão loucas para arquivar o caso de Santo André. É algo estranho. Ali, os acusados terão de ser inocentados, Sr. Presidente, ou inculpados. Não há meio-termo, não há coluna do meio em um episódio como aquele. Ou tem envolvimento de pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores, ou não tem. Ou tem corrupção grossa naquela prefeitura, ou não tem. Ou está havendo perseguição política por parte dos Procuradores do Estado de São Paulo, adversários políticos do Governador - e eu não creio nisso -, ou não está.

Fiz um pedido de CPI, que empacou em 25 assinaturas; não tem nenhuma do PT. Ninguém assina a CPI, ninguém se dispõe a ajudar a investigar. Parece que perderam a vontade de ver a verdade aparecer. Eu não sei por que empacou em 25 assinaturas, pois, no caso de outras CPIs, foi tudo muito rápido. Mas esta não, parece que tem um tabu. Fala-se neste nome, no nome de Santo André, e opera-se um milagre: ninguém quer assinar, e empaca-se num determinado número.

Mas não me deterei nisso. Venho aqui, Sr. Presidente, para fazer justiça a uma pessoa. Trata-se de assunto ligado indiretamente a este caso de Santo André.

            Hoje, o jornal Folha de S.Paulo apresenta o depoimento de dois dos meliantes envolvidos na morte do Prefeito Celso Daniel. Um deles disse que teria sido torturado pessoalmente pelo Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Não sei até que ponto há corrupção em Santo André; gostaria de saber, por isso pedi a CPI. Não sei até que ponto há envolvimento político-partidário ali; gostaria de saber, por isso pedi a CPI. Mas gostaria de dar um cheque em branco ao Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Gostaria de lhe dar um aval, se é que lhe adianta o aval de um adversário leal.

O Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh tem uma vida inteira dedicada à defesa dos direitos humanos. Não consigo vê-lo torturando nem permitindo tortura nem compactuando com tortura. Não consigo. O Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh foi um bravo defensor de presos políticos durante o período obscuro da ditadura. O Presidente Lula foi defendido por ele em auditoria militar realizada em Manaus, e estive presente durante todos os momentos daquele julgamento em que estava em jogo a liberdade do hoje Presidente Lula. Não era todo mundo que queria estar perto naquele momento. Hoje, o Presidente Lula está empanturrado de bajulação, de áulicos, de pessoas que o acham engraçado andar de skate; por mais que eu considere aquilo ridículo, as pessoas acham engraçado. Mas, quando ele estava para ser preso, eu estive ao seu lado, e quem o defendia era o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, que não era Deputado à época, mas apenas advogado, junto com Heleno Fragoso e com tantos outros bravos defensores da liberdade àquele tempo. O Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, portanto, evitou que a cadeia injusta da ditadura consumisse as vidas de muitas pessoas, a começar pela do Presidente Lula.

A vida inteira, enquanto fui Líder e Ministro do Governo Fernando Henrique, eu lidava com o Deputado Greenhalgh, cujas preocupações sempre foram na direção da defesa dos direitos da pessoa humana. Por exemplo, ele me ajudou a tocar para frente, no governo passado, um projeto - uma medida provisória que foi convertida em lei - que ampliava os limites da anistia. Ele dizia que essa era a grande luta que ele tinha de travar no Congresso, na Câmara dos Deputados. Impulsionado por ele e por pessoas que pensam como ele, marquei a primeira reunião dos anistiandos com o Presidente Fernando Henrique. Marquei fora da pauta, e levamos todos os anistiandos, representando suas entidades. O processo começou a avançar e virou a medida provisória que foi convertida em lei.

O Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, ao longo do tempo em que fui Líder do Governo e Ministro de Estado, fez-me um pedido só - portanto, eu não poderia esquecê-lo. Esquecemos de quem faz muitos pedidos, mas ele me fez um pedido só. Ele me pediu que influenciasse na promoção do Ministro de Segunda Classe - é assim que se denomina no Itamaraty, por mais que o nome seja de mal gosto, aquele que está para ser embaixador - Lindgren Alves, que estava esquecido num consulado nos Estados Unidos, sem chance de ser promovido a embaixador. O único pedido que ele me fez foi no sentido de que eu procurasse induzir o Presidente Fernando Henrique a nomear embaixador o Ministro de Segunda Classe Lindgren Alves.

Greenhalgh dizia que fazia essa solicitação por se tratar de um campeão dos direitos humanos, por se tratar de alguém que defende intransigentemente os direitos da pessoa humana. Eu disse que não conhecia o Dr. Lindgren Alves, mas que me empenharia ao máximo para obter aquela promoção, promoção que agradava ao atual Secretário Nacional de Direitos Humanos, Deputado Nilmário Miranda, e a todos aqueles que tinham essa vida e essa militância.

Fui ao Presidente Fernando Henrique e disse-lhe: Presidente, tenho aqui um pedido de alguém que sempre vota contra o senhor, do Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh e de outros. Eles pedem que o senhor nomeie embaixador, transforme em Ministro de Primeira Classe o atual Ministro de Segunda Classe que está num consulado de uma cidade dos Estados Unidos, jogado fora, numa cidade por onde passam poucos brasileiros. Eles pedem que o senhor o nomeie embaixador por se tratar de um campeão na defesa dos direitos da pessoa humana.

O Presidente disse-me que era uma luta danada, que havia pessoas que estavam trabalhando na nossa administração, ao nosso lado, ajudando a construir a nossa política de exportações, a nossa política externa. Se apenas algumas dessas pessoas seriam promovidas, como promover o Lindgren? Alguns dos que estavam conosco seriam ultrapassados, talvez caroneados - depende de como queiramos usar o termo.

Mas eu disse: “Presidente, se formos olhar carona por carona, esse rapaz está esperando há muito tempo por isso. Será que ele já não foi caroneado também?” Citei um argumento que tocou fundo no coração do Presidente: “Presidente, será que esse rapaz não está esquecido num consulado e não foi caroneado tantas vezes por ter sido alguém vinculado à defesa dos direitos da pessoa humana? Será que isso não fez com que alguns governos o prejudicassem? Será que isso não fez com que ele ficasse fora das panelinhas políticas? Será que isso não fez com que ele ficasse fora das possibilidades de promoção? Quem sabe nesta hora em que o senhor exercita este poder tão poderoso, que é o poder da Presidência da República, que é um poder que o senhor exerce” - eu disse ao Presidente Fernando Henrique - com comedimento, mas que é um poder que chega a ser obsceno. Se um Presidente se dispuser a usar tudo o que a Constituição permite, chega a ser algo obsceno, indecoroso.

Por isso, sou parlamentarista, por entender que o Presidente da República concentra poderes demasiados. Cabe ao fulano ser comedido. Se beltrano não quiser ser comedido, ele é quase um imperador no país.

Eu disse: “Presidente, será que o senhor não poderia usar a majestade do seu cargo para fazer algo que não lhe pediram, que não lhe dá ganho político, que não lhe acrescenta poder, que não lhe acrescenta nada? Ou seja, o senhor estaria atendendo ao pedido de um adversário seu, fidalgal. Não há nem garantia de que, a esta altura, enquanto eu lhe peço isso, o Greenhalgh não esteja acusando o seu Governo de alguma coisa ou atacando a sua pessoa duramente”. Eu jamais pediria a ele que deixasse de ser Oposição em troca de uma nomeação, em troca de um favor. Eu não pediria isso a ele, como ninguém vai me pedir isso jamais neste Governo. Aliás, eu me esmero em não pedir nada a este Governo. Quero distância para manter a minha independência e para a minha independência se transformar no meu voto consciente e na minha voz, que é incalável.

Portanto, eu disse: “Presidente, pense. Com uma canetada, com uma assinatura, o senhor faz justiça, muda a vida de uma pessoa, muda a vida de um cidadão, o senhor mostra o apreço do seu Governo pelo direito da pessoa humana, o senhor mostra algo coerente com a democracia que o senhor tão fortemente consolidou neste País”.

O Presidente pediu-me um tempo para pensar e, no dia seguinte, telefonou-me e disse: “Arthur, pode dizer ao Greenhalgh que o protegido dele está nomeado, que estou mandando nomeá-lo”.

Comuniquei ao Greenhalgh, que ficou muito feliz, assim como o atual Deputado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, outro homem de bem. Já citei Nilmário e tantos do PT que pediam o mesmo. O Greenhalgh solicitou de maneira muito forte, muito enfática. Comuniquei, então, ao Greenhalgh, ao Sigmaringa, ao Nilmário Miranda que a nomeação tinha saído, que um dos embaixadores nomeados por Fernando Henrique era Lindgren Alves - minha intimidade com ele é tanta que não sei exatamente o seu nome - ou Lundgreen Alves, algo assim.

Tempos depois, o Greenhalgh e o Sigmaringa levaram esse embaixador à minha sala, para agradecer. Eu disse: “Não tem que agradecer. Ao contrário, prestamos um tributo à sua luta pelos direitos humanos; prestamos um tributo. Desejo-lhe sorte; desejo que prossiga nessa trajetória”. E foi, sem dúvida alguma, uma homenagem à crença que temos, apesar da adversidade política, em figuras como o Deputado Sigmaringa, como o Deputado Greenhalgh, como o Deputado Nilmário Miranda. Podemos ser adversários sem deixar de reconhecer o valor, o mérito, a seriedade das pessoas que fazem política com valor, com mérito e com seriedade.

Citei, aqui, vários episódios: citei a defesa de presos políticos em geral; citei a defesa de Lula, em particular, numa hora em que Lula andava sozinho. Estávamos em Manaus, Greenhalgh, eu e mais algumas pessoas; Sua Excelência era quase que um leproso político para o País, ninguém queria se aproximar dele. Ou seja, só ocorreu a certos áulicos, que hoje enfeiam e decepcionam no Governo de Sua Excelência, aproximarem-se dele quando ele virava uma perspectiva de poder.

Nessa hora, eu, por exemplo, mantenho a minha independência e a minha firme disposição de Oposição. Nessa hora, vejo Greenhalgh muitas vezes tendo os seus laivos de independência, porque essa também é a sua marca. Portanto, eu gostaria de dar um depoimento - não me sentiria bem se encerrasse o ano sem dá-lo.

O jornal Folha de S.Paulo, equilibrado e combativo, como sempre, brilhante, como sempre, fez o que é seu dever: abriu espaço para uma declaração que tinha que ser dada. Então, nada contra a publicação. Fez muito bem o jornal em dar vez à opinião de quem queria opinar.

Não estou dizendo assim: “o meliante atacou Greenhalgh, logo a palavra do meliante não vale a pena”. Não. Porque não sei se se deveria desqualificar aquele Polila - não quero dizer que o General Newton Cruz tenha assassinado ninguém -; só estou dizendo que foi muito importante o depoimento do bailarino Polila, que era travesti, que era prostituto. Nem por isso se vai deixar de ouvir quem tem alguma denúncia a fazer. Sempre digo que se o crime foi no bas fond, se o crime foi na zona de drogas, se o crime foi na zona de prostituição, só pode ter sido visto por alguém parecido com Polila, não vai ser visto pelo Papa João Paulo II, que dificilmente estaria ali. Tem que ter sido visto por alguém que freqüenta aquele ambiente, por alguém daquele ambiente, por alguém que tenha, na verdade, compromisso com todas aquelas ilicitudes. Eu não desqualifico o depoimento de alguém só porque essa figura, porventura, pode, ela própria, ser desqualificada. Não. Não quero, portanto, entrar nem no mérito do tal meliante que disse isso.

Quero vir aqui, como colega de Congresso, como ex-colega de Câmara e como amigo pessoal do Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, e dizer que não creio que seja possível. Não creio. Vê-lo envolvido com tortura? Acho que não. Tenho certeza de que não. Estou seguro de que não. Imaginar que Greenhalgh tolerou que alguém torturasse? Com certeza, não. Imaginar - vou até mais além - que Greenhalgh soube que alguém torturou e não denunciou? Com certeza, não, porque tenho certeza de que S. Exª cumpriria o seu dever de cidadão de denunciar. Portanto, alguém acusar o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh de ter participado, ele próprio, de tortura, é algo que eu desminto cabalmente, sem ter falado com S. Exª. Desminto cabalmente. Ou seja, entre os seus defeitos - e S. Exª deve tê-los, com certeza um terço dos meus - não está esse desapego ao respeito à pessoa humana. Não está.

Portanto, Sr. Presidente, encerro o ano desejando a V. Exª e a toda a Casa feliz Ano Novo. Momentos novos de luta virão. Homenageio todos os meus companheiros de Oposição e aqueles que fizeram, ao seu modo, e com o que tinham de espírito público para oferecer - espírito público é uma marca desta Casa -, a luta a favor do Governo. Fico na minha posição de Oposição, fique quem quiser na posição a favor do Governo, e nós dialogaremos, aqui, sempre de maneira altaneira.

Mas estou aqui, Sr. Presidente, para desejar, sobretudo ao povo brasileiro, que ele realize os seus sonhos de maneira paulatina e irreversível, que ele seja cada vez mais exigente, que ele seja cada vez mais crítico, que ele seja cada vez mais maduro, que ele cada vez menos espere que soluções milagrosas caiam do céu. Solução milagrosa não cai do céu. Muito mais fácil é o Presidente andar de skate, para sair nos jornais, do que soluções milagrosas aparecerem na direção do povo brasileiro. Quero é uma sociedade organizada e febrilmente capaz de exigir os seus direitos. Se ela for assim, ela obrigará governos a andarem direito, ela obrigará a oposição a ser fiscalizadora, e ela, sem dúvida alguma, abrirá caminho para que possamos construir um País que vá na direção dos melhores sonhos da nossa gente e, portanto, na melhor tendência da história de um Brasil que não nasceu para a pequenez, não nasceu para o nanismo, nasceu para a grandeza, nasceu para a justiça e nasceu para a realidade democrática.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Arthur Virgílio, V. Exª me desculpe, pois eu deveria ter passado a Presidência, para aparteá-lo. Não o fiz porque estava absorvido pelo seu pronunciamento, e me prendi à Mesa para não perder nenhuma das suas palavras. Se V. Exª me permitir, gostaria de dizer que tive um relacionamento com Luiz Eduardo Greenhalgh em momentos difíceis da nossa República, quando da redemocratização do País. O seu trabalho sempre foi respeitoso. Eu o conheço. Como V. Exª, também fiquei chocado hoje quando li a notícia. Não posso acreditar que esse marginal tenha feito uma acusação consolidada. Tenho profundas dúvidas tendo em vista o comportamento sempre respeitoso, ético e dedicado aos direitos humanos do Luiz Eduardo Greenhalgh. Se V. Exª me permitir, quero endossar as suas palavras, porque também eu tive oportunidade, durante um longo período, de ter com S. Exª um relacionamento muito respeitoso.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Isso mostra a grandeza de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/12/2003 - Página 42920