Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a reforma política. Cumprimentos ao Senador Eurípedes Camargo pela sua atuação no Senado Federal.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre a reforma política. Cumprimentos ao Senador Eurípedes Camargo pela sua atuação no Senado Federal.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 27/01/2004 - Página 1316
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA. HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, REFORMA POLITICA, SOLUÇÃO, CRISE, REPRESENTAÇÃO POLITICA, ESPECIFICAÇÃO, FIDELIDADE PARTIDARIA, FINANCIAMENTO, FUNDOS PUBLICOS, CAMPANHA ELEITORAL, POSSIBILIDADE, ADOÇÃO, VOTO DISTRITAL.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, EXTINÇÃO, POSSIBILIDADE, REELEIÇÃO, EXECUTIVO, IMPEDIMENTO, ABUSO, UTILIZAÇÃO, FINANÇAS PUBLICAS, CAMPANHA ELEITORAL.
  • PRETENSÃO, ORADOR, APRESENTAÇÃO, PROPOSIÇÃO, UNIFICAÇÃO, PROCESSO ELEITORAL, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL.
  • SAUDAÇÃO, EURIPEDES CAMARGO, SENADOR, ELOGIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje gostaria de abordar o tema da reforma política. Entre os diversos ajustes reclamados pela sociedade brasileira, a reforma política é um dos que, vez por outra, volta à pauta e, espantosamente, com a mesma freqüência, acaba saindo do foco. Seja porque não se quer reformar as instituições políticas, seja por acomodação, seja por falta de opções ou de criatividade, o fato é que o Congresso acaba sempre por adiá-la. Entretanto, vimos que a vontade política pode tornar possível a aprovação de uma reforma. Executivo e Legislativo se mobilizaram para as reformas previdenciária e tributária de tal modo, que foram aprovadas em menos de um ano.

Mas, enquanto questões previdenciárias e tributárias são de fácil visualização pela sociedade e pelos atores econômicos e políticos, aparentemente não há sensibilização tão forte para a reforma política. Consegue-se até vislumbrar a necessidade da reforma do Judiciário, principalmente quando vem a público que alguns de seus membros são envolvidos em acusações de corrupção e de outras falcatruas. Mas esse é apenas o aspecto menor de uma possível reforma do Judiciário.

A reforma política, há anos, está a vagar pelo Congresso, principalmente porque estamos muito habituados a essas regras. (Quando digo “estamos”, refiro-me aos que participam mais de perto das decisões políticas: parlamentares, sindicatos, centrais sindicais, corporações de empresários, etc.) Estamos muito habituados, repito, a essa regras. E de tal modo “cegos” que não vislumbramos saídas.

Na época da ditadura, era fácil unir esforços em torno de sua derrubada: anistia, liberdades políticas, constituintes, eleições diretas, etc. Para tudo isso, conseguimos mobilizar a sociedade; e foi a sociedade o motor dessas mudanças. E o Parlamento, que deixou de estar imune às pressões sociais, consagrou-as em documentos legais que conhecemos como Constituição Federal e a Lei Eleitoral, entre outras.

Vencida essa etapa, precisamos agora aperfeiçoar os mecanismos democráticos da sociedade brasileira. Necessitamos aperfeiçoar os mecanismos de participação; é imperativo “desviciar” as máquinas de fazer candidatos e consagrar vitoriosos, que é a mesma máquina de fazer candidatos derrotados; e é a mesma máquina de isolar não as chamadas “minorias”, mas as “maiorias silenciosas”, isto é, as que não encontram os mecanismos adequados para se expressarem. Ou, até, que de tanto terem sua voz reprimida, seus clamores negados, acabam por vislumbrar outras saídas para sua atuação política. Fogem da esfera institucional e passam a, pelo menos, tolerar ações administrativas e políticas que não as favorecem.

E o Estado, com toda a sua máquina e todo o seu aparato, de tanto marginalizar esses segmentos da população, acaba, ele sim, sendo ignorado. E ignorado não por um processo sistemático que chamamos, nobremente, de “desobediência civil”, mas de fuga dos processos tradicionais.

Não precisamos recorrer a muitos expedientes históricos para constatarmos o quanto a sociedade brasileira tem sido, desde a chegada dos colonizadores, uma sociedade que, deliberadamente, constrói a exclusão. A exclusão do acesso à terra, pela doação de extensos territórios a poucos donatários, situação essa que o nosso Governo tem o compromisso de mudar.

Como, então, tal sociedade não seria excludente politicamente? Como, se é a política que comanda todos os outros setores? E afirmo, com convicção, que uma das mais perversas exclusões é mesmo a política.

Basta ver que apenas no século XX foram feitas algumas conquistas para incorporar vastas maiorias. Mas nem é necessário retornar até o período monárquico. Na República mesmo, houve exclusão deliberada, já que, no antigo regime, a concentração de poder é que era a legitimada.

Primeiro, o mecanismo do voto censitário do Império, que era baseado na renda, foi substituído pelo voto masculino, o que deixava de fora as mulheres, os menores de 21 anos, os analfabetos, os religiosos monásticos e os soldados em geral. Quem votava, então? Menos de 6% da população brasileira! Além disso, pelo fato de ser aberto (não secreto), a identificação vinculava votantes e “patrões” de um modo geral, o famoso “voto de cabresto”. Isso sem falar nas fraudes e na famigerada “Comissão Verificadora”, cuja missão era a de convalidar ou não o resultado das eleições nacionais.

Com todas as idas-e-vindas da democracia, sempre interrompida por períodos ditatoriais, pouco se avançou no poder real da sociedade. E hoje, com todas as liberdades democráticas de que aparentemente dispomos, continuamos a nos guiar por regras que, de antemão, já excluem grupos sociais significativos de terem sua representação no Congresso.

Com raras exceções, nossos partidos, que são a expressão dessa mediação, permanecem frágeis e suscetíveis a desagregações. Tal crise dos partidos, segundo os especialistas, não é privilégio nosso, pois está presente em todo o Ocidente. Trata-se de uma crise de representação. O alto absenteísmo em eleições, como é o caso dos Estados Unidos, é emblemático dessa situação. Se, em passado recente, certos partidos se estruturavam de tal modo a representar uma visão “totalizante” (não totalitária), que hoje se diz “global”, da sociedade, na época atual, isso dificilmente ocorreria. Para tais modelos partidários, não apenas a política, mas a cultura, a economia, o lazer, a estética deveriam ter algo em comum, dirigida partidariamente. Não é difícil constatar que esse modelo não se sustenta nos dias de hoje.

Na agenda daqueles que querem fazer política estão incluídas questões como sexualidade, etnia, religião, gênero, opções de consumo, meio ambiente e tantos outros. E nem sempre os partidos estão aptos a darem conta dessa multiplicidade de interesses.

Estamos pois, de fato, frente a uma crise de representação que afeta diretamente os Partidos. Uma crise que não se resolverá só com regras do tipo fidelidade partidária. Não se pode chegar a uma situação de obrigatoriedade de filiação que se assemelhe à obrigação que temos hoje de pagar impostos. Será que, ao invés de limitar, não se deve ampliar as possibilidades de participação? Desse ponto de vista, retirar do Partido o monopólio da política institucional, seria até um bom começo. Na Itália, por exemplo, qualquer grupo de cidadãos pode apresentar candidatos por intermédio de listas cívicas.

Mas esse é apenas um dos aspectos das reformas nas quais precisamos avançar. Outro aspecto é o do financiamento público de campanhas. Enquanto não houve igualdade de condições de acesso aos meios de divulgar plataformas eleitorais, teremos sempre no Congresso, salvo exceções, uma “plutocracia”, ou seja, um poder sempre regado pelo favoritismo financeiro, ainda que um ou outro operário ou até camponês chegue até aqui.

Mas há outros aspectos nos quais podemos avançar. Será que não podemos adotar o voto distrital? Por tal sistema, teremos a possibilidade de os candidatos se vincularem a determinadas regiões específicas de cada Estado. Cito aqui o caso de Minas Gerais, com mais de 800 Municípios. Se tirássemos um dia para visitar cada Município, seriam necessários três anos para realizar uma campanha eleitoral em Minas Gerais.

Com o Estado dividido em determinado número de distritos equivalentes ao de cadeiras no Legislativo, os Partidos apresentariam seus candidatos, e ganharia o mais votado em cada distrito. Como a condição básica para dividir o mapa é que cada área tenha um número equivalente de eleitores, teríamos uma vantagem a mais, que seria acabar com os problemas sobre-representação e sub-representação, dos quais tanto se reclama hoje.

Hoje, como os Deputados podem eleger-se com votos de qualquer lugar do Estado, acabam ganhando os de maior poder de alcance - leia-se, quase sempre, dinheiro - em diversas regiões. Assumem as vagas os mais votados das legendas com maior votação.

Mas, se acharmos que a adoção do voto distrital é um passo muito grande para nossas pernas, por que não um sistema misto? Nessa concepção, metade das vagas do Legislativo seria escolhida pelo sistema proporcional, como é hoje, e outra metade, pelos distritos, por listas feitas pelos Partidos, com nomes e ordem de preferência definidos em convenções partidárias.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Sibá Machado, V. Exª me permite um aparte?

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Senador Ramez Tebet, ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Sibá Machado, V. Exª está tratando de uma reforma que há muitos anos é esperada. Fala-se em reforma política, como se ela realmente pudesse aprimorar os nossos costumes. Mas V. Exª aborda um ponto muito importante em seu pronunciamento. Fala do voto distrital misto, no qual haveria uma lista partidária. A meu ver, esta é a grande dificuldade: a elaboração da lista. Sabemos como a cúpula domina os Partidos políticos. Então, quanto à organização da lista, a grande incógnita é encontrar um meio de essa lista ser democrática, senão estaremos contribuindo para aumentar o coronelismo e o caciquismo no País, pois quem prepara essa lista é uma cúpula, que poderá incluir os nomes que quiser, ficando a base alheia. É esse o problema da lista partidária. Não sei que critério adotaríamos para evitar o predomínio do caciquismo e do coronelismo. Cumprimento V. Exª por abordar tema tão importante, a reforma política, e agradeço a oportunidade. Precisamos refletir sobre esse assunto da lista partidária. Muito obrigado.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Senador Ramez Tebet, agradeço a brilhante contribuição. V. Exª até me fez pensar na decisão que terão os Partidos de tomar, ampliando ao máximo o número de filiados ou reduzindo. Porque para ter uma plenária representativa para a escolha e definição dessas listas, se o Partido tiver milhões de filiados, como fará para definir as listas? Realmente, é muito bem pensada a consideração de V. Exª. Agradeço o aparte.

Outra modificação que considero importante, objeto de proposta de emenda constitucional que apresentei, é o fim da possibilidade de reeleição para o Executivo, que passaria a ter mandato de cinco anos. A experiência colhida dos pleitos realizados com direito de reeleição exibiu à sociedade um espetáculo triste de uso abusivo da máquina pública, da frouxidão da ação da Justiça Eleitoral, da impotência dos mecanismos de controle dos excessos políticos e a má compreensão desse instituto. Por isso, a minha PEC propõe a extinção dessa possibilidade.

Pretendo ainda apresentar outra proposição no sentido de unificar os processos eleitorais em todos os seus níveis. O Brasil tem prejuízos incalculáveis com o sistema eleitoral atual. Saímos de um forte jejum político para um liberalismo quase descontrolado, uma quase banalização da democracia por meio de eleições a cada dois anos. Com mandatos de apenas quatro anos intercalados por eleições no meio desses mandatos, o planejamento da gestão torna-se refém desses processos, ficando o País à mercê dos eternos debates preparatórios de candidaturas e de mobilizações eleitorais, configurando-se um estrangulamento para o crescimento econômico.

Nossa proposição visa unificar as eleições em data única a partir do ano de 2010, ficando então os eleitos de 2004 com mandatos excepcionais de seis anos e os eleitos de 2006 com mandatos ainda de quatro anos, ambos com direito à reeleição. A partir de 2010, todos serão submetidos a mandatos de cinco anos, sendo vetado ao Executivo o direito de reeleição. Assim, as eleições no Brasil ocorrerão nos interstícios de um lustro.

Penso ainda na possibilidade de exigência, para efeito de candidaturas, de certificado de cursos preparatórios dos candidatos pelos seus respectivos Partidos políticos e/ou fundações de formação política, onde o pretendente conheça o básico da doutrina política de seu Partido e temas de interesse público. Considero isso uma necessidade para um melhor desempenho de mandato e fortalecimento das organizações partidárias, que em muitas ocasiões pecam em transformar o espaço público em algo banal ou simplesmente experimental. Um mandato é coisa muito séria, envolve grandes responsabilidades, onde a dicotomia do “fazer o que penso” e “fazer conforme o coletivo partidário” precisa ser mais bem resolvida, sob pena de prejudicar ainda mais a disciplina e a fidelidade partidária.

Acredito que tais medidas, juntamente com outras proposituras que circulam no Congresso Nacional, como a votação em listas e o financiamento público de campanha, entre outras, vão contribuir para o fortalecimento das estruturas de representação e melhor adequação do planejamento administrativo de governo e do Estado Brasileiro.

Srªs e Srs. Senadores, não tenho aqui a fórmula perfeita. Mas precisamos reduzir o grau de “imperfeição” reinante hoje. Imperfeições que não são acidentais, geralmente, sustentam privilégios renitentes. Imperfeições que relegam parcelas significativas da população de terem suas idéias representadas no Parlamento.

Nesta oportunidade, quis apenas sinalizar o quanto é importante reformarmos nossas instituições representativas. Inclusive algumas dessas reformas já aprovadas nesta Casa. E nem entrei nas considerações sobre as formas alternativas de organização, como é o caso dos “conselhos” de gestão, seja para as políticas de saúde, de educação, de cultura, meio ambiente, seja para aspectos mais gerais, como o orçamento participativo e tantas e tantas outras formas de participação popular. Portanto, o Congresso não pode desconhecê-las, não pode ignorá-las, não pode fazer ouvidos moucos.

Sr. Presidente, antes de encerrar, eu gostaria de saudar o nobre Senador Eurípedes Camargo. Mediante as reformas realizadas pelo Governo, o ex-Ministro da Educação e atual Senador da República pelo Distrito Federal, Cristovam Buarque, já retornou a esta Casa.

Portanto, estamos alegres em receber o nosso companheiro Cristovam Buarque; por outro lado, tristes ao perdermos a companhia do nosso amigo, companheiro e fiel militante do PT, Senador Eurípedes Camargo, que conheci durante nosso convívio nesta Casa. Desejo congratular-me com S. Exª que, de vez em quando, nos ajudava com os trabalhos desta Casa.

Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Sibá Machado, gostaria de pedir a V. Exª e à Mesa a sua permanência na tribuna, porque V. Exª ainda dispõe de dois minutos, justamente para que possamos suprir o Regimento Interno da Casa, porque, tendo em vista as reformas realizadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o Regimento Interno do Senado Federal, o Senador Cristovam Buarque automaticamente já ocupa o cargo de Senador. Assim sendo, o Senador Eurípedes Camargo não é mais o titular. S. Exª não está mais no exercício do mandato de Senador. Portanto, é preciso que façamos justiça a S. Exª, homem de origem humilde, filho de carroceiro, ele mesmo um serralheiro, militante político desde o tempo em que Brasília não possuía representação política no Senado Federal nem na Câmara dos Deputados, S. Exª já militava em partidos políticos, auxiliando a comunidade. Sempre presente, militava no exercício da cidadania, o que é muito importante. No convívio que manteve conosco, Senador Sibá Machado, Eurípedes Camargo se revelou um homem sensível, defensor do Distrito Federal, que falava pelos humildes. Homem que, pela trajetória de um ano no Senado da República, honrou a representação do Distrito Federal. Gostaria, portanto, que V. Exª permanecesse na tribuna a fim de aceitar, em seu discurso, a manifestação de um representante do Mato Grosso do Sul, Estado também pertencente ao Centro-Oeste, manifestação sincera, que vem do fundo do meu coração, pela amizade que mantive com o Senador Eurípedes Camargo. Conhecedor, portanto, do que lhe vai no fundo da alma; desejoso de contribuir para que o País encontre seu verdadeiro destino. Aproveito o pronunciamento de V. Exª para me congratular com o Senador Eurípedes Camargo e com o Distrito Federal, que tem este homem na vida pública, que aqui exerceu, por um ano, o cargo de Senador da República, defendendo os interesses do Distrito Federal e sempre atento aos melhores destinos da sociedade brasileira. Agradeço a V. Exª.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Senador Ramez Tebet, com muita satisfação, peço a incorporação do aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.

Peço mil desculpas ao Senador João Capiberibe por não ter percebido que S. Exª havia me pedido um aparte. Não faltará oportunidade de ouvi-lo, com toda a atenção, nos próximos apartes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/01/2004 - Página 1316