Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem à vida e obra de Gandhi. Expectativas de cumprimento do acordo em torno da "reforma paralela" da Previdência.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Homenagem à vida e obra de Gandhi. Expectativas de cumprimento do acordo em torno da "reforma paralela" da Previdência.
Aparteantes
Almeida Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/2004 - Página 2430
Assunto
Outros > HOMENAGEM. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, MAHATMA GANDHI, LIDER, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, PAZ, INFLUENCIA, MARTIN LUTHER KING, LIDERANÇA, NEGRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, AUSENCIA, VIOLENCIA.
  • EXPECTATIVA, ETICA, CUMPRIMENTO, ACORDO, GOVERNO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, COMPLEMENTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ramez Tebet, que retorna à Presidência da Casa no dia de hoje, de uma história belíssima na Presidência do Senado da República.

Há algum tempo, numa entrevista, alguém me perguntava quais as referências históricas do meu mandato e da minha caminhada, e eu lhe dizia: Nelson Mandela, Gandhi, Zumbi dos Palmares e Martin Luther King, todos grandes vultos da nossa História. Por isso, Sr. Presidente, presto no dia de hoje uma homenagem a Gandhi em meu pronunciamento.

O último dia 30 de janeiro marcou o 56º aniversário da morte de Mohandas Karamchand Gandhi, reverenciado em todo o mundo como o Mahatma, ou “grande alma” na linguagem hindu. Faz 56 anos que ele foi assassinado.

Gandhi é um exemplo raro daquele líder que carrega a força espiritual e a força política de maneira uniforme. “Meu patriotismo”, dizia ele, “está subordinado a minha religião; agarro-me à Índia como uma criança ao seio da mãe, porque sinto que ela me dá o alimento espiritual de que eu preciso”.

Gandhi dedicou sua vida à superação dos desafios da pobreza, das desconfianças entre hindus e muçulmanos, da diversidade de raças e de castas, e da condição de colônia do Império Britânico da sua amada Índia.

Com sua fé, abraçou todos os credos, fazendo da verdade o seu Deus e da não-violência a sua prece. Misturando hinduísmo, budismo, versos do Alcorão e orações cristãs, Gandhi fez da prece e da meditação o alimento espiritual de uma vida dedicada à não-violência e à conquista da independência de seu povo.

Sua mensagem e seu exemplo de vida ficaram na história, conquistando corações e mentes pelo mundo afora. Seus ensinamentos sobre a paz e a não-violência influenciaram tanto a luta contra o regime de apartheid na África do Sul como a luta negra pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Em 1961, o Presidente do CNA - Congresso Nacional Africano, Albert Lutuli, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Um reconhecimento por meio século de resistência pacífica na África do Sul.

A vitoriosa luta contra a segregação nos ônibus, escolas, lanchonetes, parques, mercado de trabalho e pelo direito do voto, liderada pelo Reverendo Luther King, nos Estados Unidos, foi também inspirada nos ensinamentos de Gandhi.

As práticas de boicote e a ocupação pacífica, que encheram as prisões norte-americanas de homens e mulheres que cantavam alegremente seus hinos religiosos, encheram de esperança os oprimidos e deixaram atônitos os opressores.

Os princípios da não-violência pregados por Luther King eram a essência da mobilização e do poder de transformação da comunidade negra norte-americana nos anos 50 e 60.

Em 1959, Luther King passou um mês na Índia. Foi na Índia que ele tomou contato com as ações afirmativas e a política de cotas. Luther King voltou de lá com a determinação de alcançar a liberdade para o seu povo através de meios não violentos - repito, inspirado no grande Gandhi.

Em 1964, Luther King recebeu o Prêmio Nobel da Paz, um reconhecimento do mundo pela disciplina e a fecundidade com que esse líder extraordinário praticou os ensinamentos da filosofia da não-violência inspirados em Gandhi.

Entre nós, no Brasil, a criação do afoxé Filhos de Gandhi, em 1949, um ano após a morte do líder indiano, foi articulada por estivadores negros no cais de Salvador, que lutavam pela afirmação dos seus valores culturais e religiosos, perseguidos e discriminados. Eles se inspiraram também na mensagem de não-violência e de resistência passiva. Deixo aqui a homenagem da nossa Bahia aos Filhos de Gandhi.

A “Grande Alma” do povo hindu era um homem franzino, de um pouco mais de 1,60 metro de altura, sempre com seus inseparáveis óculos de arame. Nasceu Gandhi em 2 de outubro de 1869, em Porbandar, no Golfo de Oman, península de Kathiawar, na Índia. Filho de Karamchand, chamado Kaba e Primeiro Ministro do Estado onde nasceu, Gandhi tinha total devoção à sua mãe, Putlibai.

Com apenas 13 anos, casou-se com uma moça da mesma idade chamada Kasturbai, a quem atribuiu mais tarde ser a encarnação da tolerância. De seu casamento nasceram quatro filhos.

Gandhi formou-se em Direito em Londres e, em 1891, voltou à Índia para praticar a advocacia. Dois anos depois, foi trabalhar em Durban, na África do Sul, também colônia britânica.

Nessa época, o apartheid ainda não existia como política oficial, mas a sociedade sul-africana já era dividida pelo racismo. Lá, Gandhi inicia seu movimento pacifista, lutando pelos direitos da comunidade hindu.

Ao retornar à Índia, em 1914, dissemina seu movimento, cujo método principal de luta era e é a resistência pacífica. Nega qualquer colaboração com o domínio britânico que se estende desde o Século XVIII, e prega a não-violência como forma de luta.

Em 1922, organiza uma greve contra o aumento de impostos, na qual uma multidão descontrolada queima um posto policial. É detido e se declara culpado, sendo condenado a seis anos de prisão, mas é libertado em 1924.

Em 1930, lidera a famosa “marcha para o mar”, quando milhares de pessoas fazem a pé um percurso de mais de 320Km para protestar contra os impostos sobre o sal. É preso novamente e libertado. Durante suas prisões, sensibiliza o povo de seu país e do mundo fazendo greves de fome.

Em 1947, é proclamada, então, a independência da Índia. Gandhi tenta evitar a luta entre hindus e muçulmanos, que preferem estabelecer um Estado separado, o Paquistão. Aceita a divisão do país, porque não tinha saída, mas atrai o ódio dos radicais nacionalistas hindus. Um deles mata Gandhi com um tiro, na noite de 30 de janeiro de 1948.

Gandhi também foi famoso pela simplicidade do seu modo de vida: usava sandálias e roupas de algodão.

Conta-se que sempre que viajava de trem pela Índia, andava no espaço mais simples, entre os passageiros que não cultivavam hábitos de higiene nem de boas maneiras.

Certa ocasião, quando empreendia uma das suas viagens, Gandhi chamou a atenção de um rapaz que viajava junto a ele, no mesmo vagão, e que, de quando em quando, cuspia no chão. Diante da advertência recebida, o moço respondeu indelicadamente e repetiu várias outras vezes o gesto. Gandhi calou-se.

Depois de um bom tempo de viagem, o rapaz, que não conhecia Gandhi, pegou o seu violão e começou a tocar e a cantar músicas que exaltavam o grande líder, Gandhi. Ele não sabia que Gandhi estava à sua frente. Só depois que o trem parou numa estação é que o rapaz percebeu quem era o passageiro a quem havia respondido de maneira tão insolente e grotesca, ao ver a estrondosa recepção que era dada a Gandhi pelo povo.

Assim era Gandhi, um homem cuja existência não apenas dignifica a humildade como um todo, mas também a nutre com qualidades singulares.

Os movimentos pacifistas do mundo se inspiram na sua luta, centrada na desobediência civil, na não-cooperação com as forças opressoras e no diálogo franco, sincero, capaz de desmascarar a hipocrisia e despir a retórica de interesses inconfessos.

É também em seus ensinamentos que buscamos inspiração em nossa luta contra as diferentes formas de discriminação em nosso País, como os preconceitos contra os idosos, os portadores de deficiência, os negros e as mais variadas religiões.

Como Gandhi, também acredito que só podemos fazer o bem aos nossos semelhantes na medida em que cultivarmos a paz no coração e a serenidade na nossa mente.

Acredito ainda que avançaremos, sim, Sr. Presidente, a partir do momento em que os acordos forem respeitados e cumpridos, a palavra dada for valorizada e o bem comum defendido.

Por tudo isso, lembrando Gandhi, Mandela, Zumbi dos Palmares, Martin Luther King, é que acredito que o acordo pela aprovação da PEC nº 77 será respeitado. Não há, Sr. Presidente, na história da humanidade, um único governo que tenha conseguido avançar e ser respeitado pela sua população, sem o respeito ao princípio básico da relação entre as pessoas, que é a palavra empenhada, o acordo assumido. É uma questão de ética, de moral e de princípio.

Senador Tião Viana, permita-me dizer que sinto em V. Exª - um Senador que aprendi a respeitar muito - uma certa tristeza. E tenho liberdade de usar esse termo, pois foi o trabalho elaborado por V. Exª que convenceu este Senador e tantos outros a confiar na sua lavra. V. Exª foi o Relator. Os Senadores Ramez Tebet, Mão Santa, enfim, todos que aqui estão contribuíram para a proposta, mas V. Exª foi o Relator. Eu falava hoje com V. Exª - por isso fiz este pronunciamento com muita tranqüilidade -, que, mais uma vez, me dizia: “Paim, estamos construindo o acordo. O acordo será cumprido. Pode atrasar uma semana, duas, três, mas será cumprido”. E vi no brilho dos olhos de V. Exª a esperança de que o acordo feito efetivamente não irá para a vala comum, aquela vala, eu diria, da desonra, da mentira, dando a impressão de que nos passaram, como alguém já disse aqui, o conto do vigário: “Votem aqui, que aprovamos com vocês”. Eu não acredito nisso.

Senador Ramez Tebet, conheço V. Exª há algumas décadas nesta Casa. Quando V. Exª foi Presidente do Senado, inúmeras vezes vim conversar com V. Exª, que, muito franco, dizia: “Paim, as condições aqui são estas: vou reunir o Colégio de Líderes e, se der, vamos colaborar”. E assim avançamos diversas vezes. E foi esse o procedimento desta Casa em relação à PEC nº 77.

Por isso, nesta homenagem a Gandhi, homenageio todos os homens de bem que honram os acordos firmados, principalmente quando está em jogo o bem público, o interesse, aqui no caso, de seis milhões de pessoas.

Por isso, Líder Tião Viana, estou com V. Exª, com muita convicção de que esse acordo será cumprido, porque ele é de fato uma questão de Governo.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Paulo Paim, V. Exª me permite um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Almeida Lima, com muita alegria, ouço V. Exª.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Como V. Exª, na tarde de hoje, presta essa merecida homenagem ao grande líder que foi Gandhi, um poço profundo de sabedoria, permita-me trazer apenas um fato simples, mas de uma profundidade muito grande, que simboliza o caráter, a personalidade, o perfil desse grande homem, desse grande vulto que a humanidade conheceu. Certa vez, aquilo que um cidadão comum poderia considerar como ofensa foi dirigido a Gandhi. No entanto, o agressor arrependeu-se e, imediatamente, quis saber se Gandhi seria capaz de perdoá-lo. De inopino, ele respondeu que não perdoaria, para espanto do ofensor, e completou dizendo que não perdoaria. porque não se sentira ofendido. Essa é a grande figura de homem que a humanidade conheceu e que V. Exª tão bem estende essa homenagem mais do que merecida. Muito obrigado.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço a V. Exª, Senador Almeida Lima.

Tenho em mão a biografia de Gandhi, a qual estou lendo com muito carinho. Diz na capa: “Minha vida e minhas experiências com a verdade”. Achei essa frase muito bonita para o embate que estamos tendo neste momento. Espero que o espírito de Gandhi circule mais em Brasília, para que não entremos mais nessa linha do “prendo, arrebento, faço, aconteço, expulso”. Vamos torcer para que, nesta tarde de segunda-feira, prevaleça a fala do grande Gandhi entre nós.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/2004 - Página 2430