Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários às declarações do Presidente Lula sobre a autonomia operacional do Banco Central.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • Comentários às declarações do Presidente Lula sobre a autonomia operacional do Banco Central.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/2004 - Página 2439
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESVALORIZAÇÃO, DISCUSSÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUTONOMIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), DIVERGENCIA, EXECUTIVO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DEFESA, AUTONOMIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), SUBORDINAÇÃO, CUMPRIMENTO, DIRETRIZ, POLITICA MONETARIA, POLITICA CAMBIAL, EXECUTIVO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, LEGISLATIVO.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EPOCA, CANDIDATURA, ELEIÇÕES, DEFESA, AUTONOMIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, agradeço à Senadora Heloísa Helena por ter cedido seu horário e digo que retorno a esta tribuna para tratar de um tema que tem ocupado algum espaço no noticiário nacional: a autonomia operacional do Banco Central.

Na primeira semana da convocação extraordinária do Congresso Nacional, tratei do tema, fiz um pronunciamento sobre o assunto destacando a minha preocupação com as divergências existentes entre Ministros da República.

Desta vez, o que me traz à tribuna são as declarações do Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da autonomia do Banco Central. Os principais jornais do País repercutiram as palavras de Sua Excelência:

Autonomia do Banco Central é inquietação acadêmica. Nós, no Brasil, não estamos preocupados com isso. Ou seja, se a sociedade brasileira quiser discutir isso, se o Congresso Nacional quiser discutir, é uma discussão a mais.

Não, Sr. Presidente, não é uma discussão a mais. Basta verificarmos a pauta atual da Comissão de Assuntos Econômicos, constante da convocação extraordinária, em que o tema foi muito bem apresentado e dirigido, há pouco tempo, pelo Senador Ramez Tebet, mostrando tudo o que foi feito até agora e que, necessariamente, esses assuntos na área econômica acabam tendo, de uma ou de outra forma, algum tipo de ligação.

E, sendo assunto de área econômica, entendemos que isso não é um privilégio do Executivo, que só ele possa emitir a sua opinião. O assunto deve certamente ser discutido - como será, tenho certeza disso - aqui no Congresso, da mesma forma que foram levadas a efeito todas essas audiências públicas. E novas serão feitas na Comissão de Assuntos Econômicos, como anunciou o Sr. Presidente da Comissão, Senador Ramez Tebet.

Portanto, devemos agir da mesma forma quanto à autonomia do Banco Central. Não é como pensa o Senhor Presidente da República - apenas uma discussão a mais. Trata-se de um debate muito importante para o País, para a sociedade e para o Congresso. Tenho certeza de que é tema de interesse nacional, que deve tomar nosso tempo e que devemos aprofundar. Essa é que é a verdade. E não é - repito - uma discussão a mais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto ao posicionamento claramente contrário do Senhor Presidente da República em relação à autonomia do Banco Central, certamente se trata de uma manifestação pessoal e legítima de Sua Excelência. Entretanto, Sua Excelência, quando demonstra que o eventual interesse da sociedade e do próprio Congresso Nacional em debater a pena será mais uma discussão, deixa claro que, quando o Governo não quer - e tudo indica ser esse o caso -, o projeto não passará efetivamente de uma discussão a mais.

No entanto, o Congresso Nacional tem legitimidade e deve debater visando à aprovação ou, pelo menos, à discussão da autonomia do Banco Central. Além disso, entendo que, numa democracia tal como vivemos, as discussões que se travam na sociedade devem ser interpretadas e refletidas nas ações de seus representantes legitimamente constituídos, que somos nós, Sr. Presidente - Senadores e Deputados.

Tal como disse anteriormente, da mesma forma que goza o Presidente da República, ou qualquer outro cidadão brasileiro, do direito de posicionar-se contra ou a favor de qualquer tema no que tange à autonomia do Banco Central ou qualquer outro tema, registro, neste momento, minha total divergência em relação ao que pensa o Presidente da República.

Não se trata efetivamente de uma inquietação acadêmica e sim de garantirmos a operacionalização do que devem ser as funções de um Banco Central de forma autônoma, sem que haja interferência política nas suas decisões. Trata-se de uma tendência mundial, afinal cerca de dois terços dos países mais desenvolvidos hoje do mundo, Sr. Presidente Mão Santa, adotam essa posição. Então, não vejo por que ser isso uma discussão a mais, por ser isso apenas uma discussão acadêmica, se dois terços do mundo desenvolvido já adotam essa solução.

Cito alguns países que têm, por exemplo, a supervisão bancária, que é um tema ligado a esse que estou me referindo, feita por outra instituição: Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Coréia, Inglaterra, Japão, México, Suíça, Venezuela. E cito aqueles que têm a independência do Banco Central ou autonomia: outra vez a Austrália, o Canadá, o Chile, a Coréia, Inglaterra, Israel, México, entre outros, como Suíça e Nova Zelândia.

E nós não podemos achar que esses países citados sejam países que estejam tendo muitos problemas. Se formos verificar algumas taxas de crescimento desses países, seguramente teremos a convicção de que estamos no caminho certo de querermos discutir essa posição.

É fundamental ressaltar que defendo a autonomia operacional do Banco Central como garantia para que a instituição atinja metas e diretrizes estabelecidas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congresso Nacional. Aliás, a efetiva presença do Poder Legislativo na definição da política monetária e cambial do País é uma inovação que, juntamente com a nova definição do papel do Banco Central, responsável apenas pela condução dessas políticas monetária e cambial, consta do Projeto de Lei nº 317 que apresentei nesta Casa, no ano passado, e que tem como Relator na CCJ o Senador Tasso Jereissati.

Contrariando o que pensam algumas autoridades do Governo, entendo que o momento para que se iniciem as discussões da efetiva deliberação em relação a esse assunto deve ser agora.

Após a última reunião do Copom, que decidiu manter a Taxa Selic no mesmo percentual da decisão anterior (16,5%), pudemos verificar inúmeras decisões contrárias à decisão do Banco Central, ou mesmo dentro do Governo ou do Executivo. Boa parte das críticas, inclusive, foi feita por membros dos Poderes Executivo e Legislativo em relação à manutenção dessa taxa. De acordo com a maioria dos críticos, a decisão do Banco Central demonstra quão indesejável é a autonomia operacional da instituição, quando não é.

Ainda que defenda, de forma intransigente, a queda das taxas de juros como forma de crescer a economia do País, não creio que a utilização de critérios políticos deva prevalecer sobre critérios técnicos para a tomada dessa decisão. Não podemos, por exemplo, nos preocupar com a relação entre decisões do Copom e o calendário eleitoral.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, concluo com uma declaração, dada em entrevista à revista Sinal, órgão informativo do Sindicato dos Funcionários do Banco Central do Brasil, pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República: “O que o Banco Central precisa é ter autonomia operacional e fazer o seu trabalho com transparência absoluta”. O que o Presidente defendia antes - a autonomia operacional - é o que defendo hoje aqui nesta tribuna. O Presidente continua, com muita propriedade, dizendo:

Tem que divulgar relatórios regulares dizendo o que está fazendo e porque está fazendo, para que a sociedade possa acompanhar tudo de perto e, se for o caso, exigir mudanças. Isso é essencial, como mostram os escândalos recentes em grandes empresas americanas e também nos organismos de fiscalização, que poderiam impedir fraudes e outras irregularidades. Além disso, a política monetária tem de estar sintonizada com a política do Estado, exercida pelo Ministério. Então, [prossegue o então candidato Lula] o Banco Central tem uma missão fundamental e deve ter mecanismos para exercê-la, e é isso o que estamos discutindo agora - especialmente qual o grau de autonomia que ele deve ter para funcionar da melhor maneira para o País. Vamos divulgar a nossa decisão, em caso de vitória, tão logo terminem as eleições.

Concedo um aparte, que ouço com muita atenção, ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Rodolpho Tourinho, V. Exª traz para o Senado um tema da maior relevância, qual seja, a questão da autonomia e também da independência do Banco Central, que tem sido objeto de reflexão em nosso País e em muitas outras economias, conforme assinala em seu pronunciamento. Diferentemente de V. Exª, ainda não estou persuadido da idéia de concedermos autonomia, e sobretudo ainda se isto significar a total independência do Banco Central em relação ao Poder Executivo e também em relação ao próprio Poder Legislativo, em especial ao Senado Federal, uma vez que temos aqui a atribuição de estarmos argüindo e votando os nomes indicados pelo Presidente da República para exercerem a função de Presidente e de diretores do Banco Central. Dentro dessa discussão está a questão relativa aos objetivos que devem ser alcançados pelas autoridades monetárias e aquelas que no Banco Central têm a responsabilidade de levar adiante o manejo, a administração do instrumento de política monetária, quais sejam, por exemplo, a forma como se deve aumentar ou diminuir a quantidade de moeda na economia, seja pela emissão de nova moeda, seja através das operações de mercado aberto, seja pelas taxas de redesconto a serem cobradas na utilização de suas reservas, ou de quanto precisam depositar as instituições financeiras junto ao Banco Central; as operações de mercado aberto, enfim, as diversas formas pelas quais o BC regula a quantidade de moeda, bem como a quantidade de crédito, ou seja, do uso da moeda na economia. No Brasil, nestes últimos anos, as autoridades monetárias têm-se preocupado em enfatizar a meta de estabilidade de preços. Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso e durante o Governo Lula, temos observado que o próprio Presidente Henrique Meirelles enfatiza mais as metas de inflação em detrimento de outras que constituem objetivos importantes de política econômica, a saber: a taxa de desenvolvimento - a mais acelerada possível -, de acordo com a potencialidade da economia; o crescimento das oportunidades de emprego, com a meta de chegarmos, o mais próximo possível, ao pleno emprego; a melhoria da distribuição de renda na direção de maior eqüidade; o equilíbrio das contas externas, para que o seu eventual desequilíbrio não venha atrapalhar o objetivo maior de um crescimento da economia; a estabilidade de preço e assim por diante. Ora, é muito importante que o Poder Executivo, referendado pela vontade do povo na pessoa do Presidente da República, para levar adiante seus propósitos, suas metas, designar os Diretores do Banco Central, que obviamente precisam prestar contas tanto ao Executivo como ao Congresso Nacional. Uma das funções mais relevantes entre as funções privativas do Senado Federal é votar e argüir. A cada momento que temos dúvidas sobre procedimentos da condução da política monetária, convocamos, com freqüência, os diretores do Banco Central para vir a esta Casa, como também o faz a Câmara dos Deputados e suas Comissões Especializadas. Será que faria muita diferença se houvesse uma legislação pela qual os diretores do Banco Central, uma vez designados, não mais poderiam ser afastados por quatro anos? Será que, do ponto de vista da prática, levando em conta o que se passou no Brasil na última década, isso seria o mais adequado? Senador Rodolpho Tourinho, lembremo-nos, por exemplo, do seguinte episódio: durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, muitos eram os economistas que propugnavam uma mudança na política cambial, estando à frente do Banco Central o economista Gustavo Franco, que tinha a convicção de que deveria perdurar o sistema de taxas de câmbio relativamente fixas e que não deveria haver a desvalorização e a maior flexibilidade. Entretanto, num certo momento o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro Pedro Malan acabaram persuadidos de que era hora de mudar, mas para realizar a mudança precisaram mudar o Presidente do Banco Central. Inicialmente, houve uma situação bastante traumática com a designação do economista Francisco Lopes, mas durante a transição para um regime de taxas mais flexível, surgiu o episódio dos bancos que tiveram problemas, como o Banco FonteCindam e Marka, o que acabou resultando aqui numa CPI e no afastamento do Presidente Francisco Lopes. Daí, houve a necessidade de outra mudança, até que pudesse o Presidente Fernando Henrique Cardoso instituir uma sistemática de câmbio mais flexível. Ora, se me recordo, como uma possibilidade prática, o Presidente já estava com um diagnóstico de que era necessário mudar, mas o Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, não queria a mudança. Ele precisou mudar diante dos episódios havidos. Agora os problemas são outros. É interessante ver que a observação do presidente da República levou em conta que o próprio Presidente do Banco Central, Henrique Meireles expressou, já por diversas vezes, que se sente com autonomia para levar adiante os propósitos, as metas que lhe foram designadas, seja pelo Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, seja pelo Presidente da República. Inclusive aqui no Congresso Nacional, ainda que tantas vezes V. Exª e outros Senadores tenham dito o quão importante seria acelerar a economia e tudo; mas tem se respeitado o trabalho do Presidente do Banco Central. V. Exª acha que o Presidente Henrique Meireles deveria ter agora um mandato fixo de quatro anos? Ou seria adequado permanecer essa liberdade do Presidente da República, que hoje mantém a confiança nele? E se porventura surgir alguma situação que o Presidente da República entenda deva ser mudada e o Presidente Henrique Meireles avalie que outro deve ser o caminho, será que não deveria haver a possibilidade de mudança? Portanto, não estou advogando aqui uma mudança do Presidente do Banco Central, mas ainda não estou persuadido, Senador Rodolpho Tourinho, de que deva haver uma legislação provendo a autonomia do Banco Central. O Ministro Antonio Palocci chegou a dizer, na última reunião do Diretório Nacional, que está disposto a debater o tema conosco, inclusive chegou a usar a seguinte expressão: “Eu estou disposto a marcar dia, horário e armas para discutir a autonomia do Banco Central”, como se fosse necessário até escolher as armas. Cumprimento V. Exª por trazer um tema que é de fato importante para a condução da política econômica brasileira.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Se tivéssemos que discutir entre nós, seguramente eu não precisaria levar armas: marcaríamos hora e dia. No fundo, o que V. Exª pensa penso também.

Existem várias formas de se tratar a autonomia. Em primeiro lugar, autonomia não é independência. Em segundo lugar, há várias formas, várias gradações de se conceder autonomia. V. Exª se preocupa com o fato de que os diretores e o Presidente do Banco Central - o meu projeto é diferente - não passariam pelo Senado Federal. Ao contrário, Senador Eduardo Suplicy, passariam não só quando fossem admitidos, mas também quando tivessem que ser demitidos. Essa é que seria a diferença. A colaboração, no caso específico do meu projeto, é dar uma participação muito maior ao Legislativo e não tirar a responsabilidade nem a autoridade do Executivo.

Sabe V. Exª que existem outras coisas que devem ser debatidas. Temos que anexar toda a legislação do que é modificado em qualquer projeto nosso. Tivemos que anexar quatrocentas páginas ao projeto, mostrando quanta coisa hoje se prevê que o Banco Central faça e não faz. O Banco Central tem que tratar de qualquer tipo de consórcio no País, tomar conhecimento e autorizar, tratar das aplicações de crédito rural do Banco do Brasil, do registro de capitais estrangeiros e de tanta coisa, além da supervisão bancária. Em outros países, existe a tendência de separar a supervisão bancária para que possa haver um acompanhamento maior, porque estariam sempre os diretores e o Presidente do Banco Central muito mais voltados para aqueles dois objetivos maiores que é são a política monetária e a cambial.

Concordo com praticamente tudo o que V. Exª assinalou. Creio que pensamos da mesma forma. Isso apenas mostra, neste momento, que tenho razão de trazer esse tema aqui para debatermos. Acredito que o nosso projeto seria muito parecido. Com esse debate ganha a sociedade, ganha o Estado brasileiro e ganha, enfim,o Congresso. O meu desejo é que o Congresso tenha uma participação mais efetiva na elaboração e na definição dessas políticas para que possamos, com sensibilidade política maior, abordar determinados temas, sobretudo os sociais, que não temos visto serem tratados como deveriam.

Tenho certeza de que V. Exª concordaria com isso. Agradeço a tolerância, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/2004 - Página 2439