Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cumprimentos ao Senador Cristovam Buarque pela sua passagem pelo Ministério da Educação. Transcrição do discurso de posse do Presidente da OAB, Dr. Roberto Antônio Busato.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • Cumprimentos ao Senador Cristovam Buarque pela sua passagem pelo Ministério da Educação. Transcrição do discurso de posse do Presidente da OAB, Dr. Roberto Antônio Busato.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos, Garibaldi Alves Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/2004 - Página 2763
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, RETORNO, SENADO, CRISTOVAM BUARQUE, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • COMENTARIO, VISITA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, COMBATE, DIVERGENCIA, CARATER PESSOAL, MAURICIO CORREA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), BENEFICIO, REFORMA JUDICIARIA.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, REFORMA JUDICIARIA, LEGISLATIVO, SOCIEDADE CIVIL, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REGISTRO, PRESENÇA, NELSON JOBIM, MINISTRO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, POSSE, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), COMENTARIO, TRECHO, COBRANÇA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CRITICA, INSUCESSO, POLITICA SOCIAL, POLITICA DE EMPREGO, NECESSIDADE, MELHORIA, ENSINO JURIDICO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, CONSELHO NACIONAL, EDUCAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, ABERTURA, CURSOS, DIREITO, DEBATE, REFORMA JUDICIARIA, CONTROLE EXTERNO, EXCESSO, PROCESSO JUDICIAL, DEMANDA, PODER PUBLICO.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu também gostaria de cumprimentar o Senador e ex-Ministro Cristovam Buarque por sua passagem pelo Ministério, bem como pela volta ao Senado Federal, fazendo minhas as palavras do Senador Antonio Carlos Magalhães. Apenas não entendo por que, com todo esse currículo, com toda essa competência, com toda essa lucidez, S. Exª não pode ser Ministro deste Governo, que não tem lucidez e que não tem tido pelo menos um pouco de sensibilidade para com os vitimados.

A manchete de um dos jornais de hoje é: “O Presidente da Chuva”. Considero-a errada. Penso que seria mais lógico “A Oposição colocou o Presidente na chuva”. Depois que todos os Parlamentares, desde a semana passada, começaram a criticar a ausência do Governo no Nordeste a fim de levar pelo menos um pouco de solidariedade aos nordestinos desabrigados, o Presidente resolve ir para a chuva. Esperamos que Sua Excelência não se limite aos abraços e beijos, mas que crie condições para que os seus Ministros, os Governadores e os Prefeitos tenham uma solução razoável para a questão do Nordeste.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema da reforma do Judiciário trouxe-me algumas vezes a esta tribuna. Dois acontecimentos recentes - a posse, no domingo passado, do novo Presidente da OAB, Dr. Roberto Antonio Busato, e a visita, na segunda-feira, do Presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal - trazem-me, evidentemente, de volta ao tema.

Começo pela visita do Presidente Lula ao Supremo. Louvo pela iniciativa, pois considero simplesmente intolerável que os Presidentes de dois dos Poderes da República permitam que questões pessoais - e menores - interrompam o diálogo cordial e o espírito de colaboração que devem pautar permanentemente as relações entre ambos.

Sabemos, Sr. Presidente, que há divergências entre o Presidente Lula e o Ministro Maurício Corrêa, Presidente do STF, com relação à reforma do Judiciário. Mas somente por meio do diálogo será possível chegar a uma solução satisfatória para o País. E será aqui, no âmbito do Congresso Nacional, que essa discussão se desenvolverá.

Pessoalmente, já me manifestei favorável ao controle externo do Judiciário, objeto de discórdia entre o Presidente Lula e o Ministro Maurício Corrêa. Mas essa, a meu entender, é uma discussão que deve envolver não apenas a magistratura, mas também a sociedade civil organizada. E aqui, mais uma vez, parafraseio George Clemenceau, afirmando que Justiça é assunto importante demais para ficar apenas nas mãos dos operadores de Direito. É preciso envolver a sociedade - e o Poder Republicano que melhor a representa é, sem qualquer dúvida, o Legislativo.

Por isso, defendo e continuo a defender a reabertura das audiências públicas na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. E hoje quero registrar a presença do Ministro Nelson Jobim, que realmente foi da maior importância para a decisão dos Srs. Senadores na conclusão desse processo. Evidentemente, ganha maior importância, já que a reforma, com a posse do Governo Lula, ganhou outra perspectiva. O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, já afirmou que o projeto que acaba de voltar à CCJ não é satisfatório.

Se há novos parâmetros, é preciso que se reabra o debate e que nele se envolva a sociedade civil, e não apenas os assim chamados operadores do Direito. A proposta de reforma foi incluída nesta convocação extraordinária, mas não se pode pretender, Senador Mão Santa, que nela se resolva em rito sumário, sem que haja discussões em profundidade.

Pelo rito sumário pensávamos que se iria resolver a PEC paralela na Câmara dos Deputados. E parece-me, Senador Paulo Paim, que vamos terminar a nossa convocação e, lamentavelmente, a PEC não será votada, a não ser na CCJ, já que sabemos que o Senador Tião Viana não iria deixar, nem esta Casa, com vícios de inconstitucionalidade. A única coisa que vão fazer é dizer que não há vícios de inconstitucionalidade. Lamentavelmente, Senador Almeida Lima, a palavra do Governo não irá prevalecer, mais uma vez.

Dito isto, quero destacar, Sr. Presidente, alguns trechos do discurso do novo Presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Roberto Antonio Busato, e solicitar a V. Exª, Presidente Paulo Paim, sua transição integral nos Anais desta Casa.

Quero, inicialmente, congratular-me com S. Sª quando cobra mais ousadia do Governo Lula em implementar as mudanças com as quais se comprometeu na campanha eleitoral, frisando, no entanto, que essas mudanças devem ser pacíficas e dentro da lei e da ordem.

Outro ponto que considero importante destacar diz respeito às críticas que fez ao Fome Zero, citando, a propósito, a impagável frase de Luiz Gonzaga, o rei do baião, segundo quem “uma esmola dada a um homem são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. E acrescenta o Dr. Busato: “O pobre tem fome, sim. Tem fome de emprego e renda. Tem fome também - e sobretudo - de justiça”.

Outro tema tratado em profundidade no discurso de posse do Presidente da OAB - e que considero de grande relevância - é o da qualidade do ensino jurídico, que tem sido negligenciado no âmbito das discussões da reforma judiciária. Sem que se cuide desse aspecto basilar, como supor a melhoria da qualidade da Justiça entre nós?

É certo que precisamos reformular as leis processuais, aumentar o número de juízes (são pouco mais de 10 mil para 185 milhões de habitantes!), agilizar o funcionamento da máquina judiciária, torná-la acessível a todos os cidadãos e dar-lhe transparência. Mas nada disso fará muita diferença se estivermos formando maus profissionais - maus juízes, maus advogados, maus procuradores e maus professores de Direito.

E é isso o que está em pauta nessa questão do licenciamento em massa das escolas superiores de Direito. Ouçam o que diz o Dr. Busato:

Por competência legal, a OAB é chamada a se manifestar nos processos de abertura de novos cursos, mas cabe ao Conselho Nacional de Educação, enfim, ao próprio Ministério da Educação, a última palavra, independentemente do que opine a Ordem a respeito. Eis o quadro real: no último triênio, a OAB foi favorável à criação de 19 cursos jurídicos. O Conselho Nacional de Educação, porém, autorizou, no mesmo período, a criação de 222 cursos.

Feita essa denúncia, que reputo gravíssima, indaga o novo presidente da OAB:

Estamos falando de status, que muitos políticos, ingenuamente, imaginam adquirir com as autorizações de faculdades de Direito para suas cidades? Ou estamos falando de moeda eleitoral para atender políticos e empresários do ensino?

E acrescenta:

Se for esse último caso (refere-se à concessão de licença a cursos de Direito como moeda eleitoral), então, não tergiversemos: estamos diante de um escândalo. E, se assim for, precisa ser apurado. Com rigor.

            Subscrevo, em gênero, número e grau, essa afirmação. E sugiro que esta Casa, por meio da Comissão de Educação, una esforços à OAB para apurar os desmandos na concessão de licença para cursos de Direito desqualificados.

Segundo o Presidente da OAB, esses cursos de Direito são “ministrados de madrugada ou em horários pré-matutinos, em salas improvisadas de escolas de Ensino Fundamental, usando carteiras destinadas a crianças e adolescentes, em salas - pasmem! - de cinema, ou dividindo espaço em que durante o dia funciona a Câmara de Vereadores e, à noite, a faculdade de Direito.”

“Algo está muito errado”, diz o Dr. Busato. E nós, mais uma vez, somos forçados a concordar e compartilhar da mesma revolta e perplexidade.

Ao insistir na reforma do Judiciário, o Presidente da OAB acusa o Poder Público de ser o mais interessado na morosidade da Justiça, que o faz esquivar-se do pagamento dos seus compromissos.

Diz ele:

É o Poder Público, e não o cidadão comum, o responsável pela montanha de processos que sufocam os Tribunais. O cidadão é a vítima nesses processos. O Poder Público é o réu, a retardar o pagamento de suas obrigações de maneira vergonhosa e antiética. Como pensar em reforma do Judiciário sem fazê-la preceder - ou iniciar - pela reforma infraconstitucional da legislação processual, de que serve o Estado para retardar o cumprimento de suas obrigações?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da OAB considera a reforma do Judiciário mais que uma prioridade, “uma emergência institucional”. E, após lembrar que sua entidade defende o controle externo há nada menos que 18 anos, faz questão de definir que tipo de controle é esse e fazer as ressalvas indispensáveis:

Ressalto que a defesa do controle externo não pode ser compreendida como gesto depreciativo ao Poder Judiciário, cuja maioria absoluta de membros, a exemplo da advocacia brasileira, é gente honesta, trabalhadora e movida pelo ideal de servir ao público. Não se trata também de controlar mentes e sentenças. O controle é administrativo, e na essência, não pode diferir daquele que já é exercido em relação aos demais Poderes.

Eram esses os pontos que queria destacar nesse pronunciamento, cuja magnitude faz jus à transcrição integral nos Anais desta Casa.

Sr. Presidente, ao lado do meu pronunciamento, farei acompanhar o discurso de posse do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Roberto Antônio Busato.

Antes, porém, ouço o Senador Garibaldi Alves Filho.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Meu caro Senador Efraim Morais, quero me associar a V. Exª quando destaca o pronunciamento do Presidente da OAB, favorável a pontos essenciais da reforma do Judiciário. Além disso, destaco o pronunciamento do Ministro Nelson Jobim, hoje, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que trouxe esclarecimentos valiosos a todos os Membros daquela Comissão, principalmente no que diz respeito aos pontos mais controvertidos da reforma do Judiciário, que são a súmula vinculante e o controle externo. S. Exª praticamente desmistificou o que gira em torno desses dois pontos, fazendo ver que se trata realmente de uma necessidade, tanto o controle externo, da maneira como está concebido no projeto que veio da Câmara, quanto no que toca à súmula vinculante. Felicito V. Exª pelo pronunciamento com relação à reforma do judiciário.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - Agradeço a V. Exª, Senador Garibaldi Alves. Na realidade, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania convidou o Ministro Nelson Jobim para participar desse debate em palestra que fez, por estarmos unânimes com a sua reabertura. Evidentemente, que divergências terão, pois há pontos divergentes. Mas com a qualidade, a eficiência, a competência e a seriedade do Ministro Nelson Jobim esta Casa será esclarecida para que possamos nos posicionar definitivamente em relação a essa questão.

Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo, na íntegra, ao meu pronunciamento.

Concedo o aparte ao Senador Eduardo Siqueira Campos, com muito prazer.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Em primeiro lugar, parabenizo V. Exª pela sobriedade, importância e profundidade do seu pronunciamento. Senador Efraim Morais, como membro da Mesa não posso participar das Comissões Permanentes, mas assisti - não perderia essa oportunidade - ao belo depoimento do Ministro Nelson Jobim na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aliás, do futuro Presidente do Supremo Tribunal Federal. O Ministro Nelson Jobim, além de ter larga passagem pela vida pública brasileira, agora no Judiciário, deixa explícito que, embora seja um tema que divida opiniões, o controle externo em nenhum momento vai interferir na área jurisdicional, como, por exemplo, no mérito das sentenças, mas sim nos aspectos externos, nos aspectos administrativos, que nada implica um capitis diminutio para o Poder Judiciário. Considerei o depoimento do Ministro Nelson Jobim da maior importância, didático, pragmático, centrado, como é comum nas posições de S. Exª. Era apenas esta a contribuição que gostaria de fazer. Felicito V. Exª por seu pronunciamento.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - Agradeço, Senador Eduardo Siqueira Campos.

Aconselharia aqueles que não tiveram oportunidade de participar do debate ocorrido hoje na Comissão de Constituição e Justiça a pedir a fita à própria TV Senado, a fim de que possam sentir a importância, a segurança e, acima de tudo, a clareza com que o Ministro dissertou sobre os pontos em que foi argüido pelos Srs. Senadores.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª e peço, mais uma vez, que seja transcrito na íntegra o discurso de posse do novo Presidente da OAB, Dr. Roberto Antonio Busato.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EFRAIM MORAIS EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.

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     Discurso de posse do Presidente do Conselho Federal da OAB -

     DR. ROBERTO ANTONIO BUSATO

     Senhoras e Senhores,

     Desnecessário dizer da honra e da responsabilidade de estar assumindo a Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Tenho por esta instituição o maior apreço e aqui tenho vivido, há quase duas décadas, alguns dos momentos mais densos e significantes de minha vida pessoal e profissional.

     Nela venho exercendo, em sucessivas administrações, funções de direção, que me permitem afirmar que a conheço bem, por dentro e por fora. Chego à sua presidência ciente de seus desafios, dos avanços já obtidos, do custo dessas conquistas e, principalmente, do papel que nos cabe ter, neste momento em que o país vive novo ciclo político, marcado por esperanças e expectativas, ainda represadas por um modelo econômico insatisfatório.

     Sem deixar de ser a Casa do Advogado, a OAB é bem mais que uma entidade classista: é trincheira de defesa da cidadania, sentinela avançada da sociedade civil, vigilante na defesa intransigente do Estado de Direito democrático.

     A OAB compartilha da esperança do povo brasileiro em transformações pacíficas, dentro da lei e da ordem, que conduzam à inclusão social. Compreende que não se muda aos solavancos uma estrutura sócio-econômica, por mais injusta. Mas entende também que é preciso ousar, avançar, arrostar perigos, afirmar corajosamente posições. A exclusão social no Brasil ¾ um dos países com maior nível de concentração de renda do planeta! ¾ reclama urgência.

     E aqui estamos, dentro de nossas limitações e prerrogativas, para auxiliar no atendimento a essa urgência.

     A Ordem não tem partido político ou sectarismo ideológico. Seu compromisso é com o Estado de Direito Democrático e a justiça social, conceitos em si redundantes, já que um inexiste sem o outro, mas que, nas circunstâncias brasileiras, convém destacar.

     Democracia sem justiça social é mera abstração jurídica ¾ e, a rigor, é nesse estágio que ainda estamos. Nossa República, embora mais que centenária, somente agora começa a ser posta diante do significado e do compromisso de seu nome: Res Pública ¾ coisa pública.

     Não tenho dúvida de que o Brasil vive um dos momentos mais importantes de seus cinco séculos de história. Estabelecemos os fundamentos de uma bela civilização, marcada pela pluralidade étnica e cultural. Somos a décima economia do planeta, mas não conseguimos ainda estabelecer magnitude equivalente no plano social. Os conflitos que presenciamos não se fundam em questões étnicas ou religiosas. Têm viés sócio-econômico, cujas soluções estão ao nosso alcance e dependem exclusivamente de determinação política.

     Creio que este momento chegou e cabe à sociedade civil organizada o papel simultâneo de pressionar o Poder Público e auxiliá-lo na busca das transformações políticas, econômicas e sociais. Daí porque considero este um momento precioso na História do Brasil.

     A nós, da OAB, cabe papel intransferível, de vigilantes da ordem jurídica e dos interesses da cidadania.

     O cumprimento desta missão começa internamente. Precisamos ¾ nós, os operadores do Direito ¾ aprofundar as atenções no campo do ensino jurídico, de modo a elevar a qualidade dos serviços que prestamos à comunidade. Sem Justiça, não há democracia, civilização ou direitos humanos. Sem Justiça, o que resta é o caos. E num contexto em que o ensino jurídico perde qualidade e substância é esse o fantasma que visualizamos no horizonte.

     Analisemos então números importantes.

     Somos uma família de 445 mil e 418 advogados. Desse total, 160 mil não completaram ainda o quinto ano de profissão. Em 1960, tínhamos no Brasil 69 faculdades de Direito. Nos anos 90, esse número passou para 400. Hoje, funcionam regularmente no País 762 instituições de ensino jurídico superior.

     Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 70 mil bacharéis de Direito ingressam no mercado a cada ano. Como a maioria dos novos cursos iniciou as atividades a partir da segunda metade dos anos 90, é fácil imaginar que a população de bacharéis vai dobrar, ou redobrar, nos próximos anos.

     Como qualquer família numerosa, temos altos e baixos, virtudes e defeitos, mas uma propensão natural a encarar desafios. Assumo a Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil consciente de que vivemos um processo de transformação profunda na estrutura de nossa organização, a exigir, além da vontade de superar obstáculos, inteligência e criatividade.

     OAB e democracia caminham juntas e representam uma obra em constante aperfeiçoamento. A Ordem é, como já disse, lume para a cidadania, garantia de equilíbrio nas relações jurídico-institucionais, busca da paz social, mas é também a arena dos muitos heróis que me antecederam. Heróis que se lançaram na guerra contra o preconceito, o medo, a violência, a tirania, o terror, a censura, a omissão e todas as formas de injustiça.

     Que as minhas palavras iniciais sejam aos jovens advogados aqui presentes e aos outros tantos mil que estão a caminho.

     Este é o nosso campo de batalha. 

     Neste campo, que nossa bandeira seja a da ética. Não a ética como slogan, mas a ética no sentido aristotélico, reunindo em seu conceito as virtudes da Coragem, da Temperança, da Magnanimidade, da Franqueza e da Justiça, sendo a Justiça a maior de todas, por ser integral e perfeita. Integral porque compreende todas as demais; perfeita porque quem a possui pode utilizá-la não só em relação a si mesmo, mas também em relação aos outros.

     Unidade e ética inspiraram a minha candidatura. Mas venho aqui com a consciência de que “unidade não significa unanimidade, muito menos conciliação subalterna”. É aos ensinamentos de um dos edificadores da moderna democracia brasileira, Tancredo Neves, a quem recorro nesta hora em busca de uma conciliação que seja fundada em princípios éticos. 

     Não podemos - insisto: não podemos! - nos depreciar nem depreciar a instituição em razão de disputas internas pelo poder e que tornam os nossos discursos vazios. A democracia é ruidosa e o calor das campanhas eleva o tom das manifestações, como ficou demonstrado no ano passado nas acirradas eleições das Seccionais nos Estados. Não somos melhores ou piores, mas temos a obrigação de sermos diferentes.

     A Ordem precisa ser exemplar e tem o dever de assim se apresentar perante a sociedade, sob pena de comprometer sua autoridade moral quando cobrar ética e integridade dos homens públicos.

     Em hipótese alguma podemos cair nas armadilhas da política eleitoral, naquilo que Gilberto Freyre chamava de “mais traiçoeira das políticas”, em que os amigos, cegos pela fúria da competição, tornam-se às vezes piores que os inimigos, e os inimigos chegam a parecer melhores que os amigos.

     Se a OAB ajudou a escrever as mais edificantes páginas da história brasileira nos últimos 74 anos; se a OAB é paradigma para a sociedade civil como uma entidade que esteve sempre ao lado da Justiça; se a OAB teve a coragem de denunciar os desmandos e a corrupção, é porque nunca se deixou levar pela política rasteira, nunca negociou sua independência, nunca se permitiu ser cúmplice dos poderosos. Seu único compromisso foi ¾ e continua sendo ¾ com a liberdade, a democracia e a paz social.

     Senhoras e Senhores,

     Os olhos da sociedade se voltam para nós. A conduta individual do advogado é posta à prova diariamente, tornando a credibilidade uma exigência constante em sua vida. Basta um único deslize moral para que se reflita na coletividade. Cabe, aqui, uma reflexão sobre a formação do advogado. O fenômeno da explosão dos cursos jurídicos está a merecer de todos nós uma tomada de posição mais efetiva.

     Não se trata de uma preocupação meramente corporativa, em razão da competição dos milhares de novos bacharéis que ingressam no mercado. Noções de Direito, a meu ver, deveriam ser fornecidas desde o ensino fundamental para alicerçar a crença em uma cidadania participativa. O que preocupa é o produto de um ensino que, na maioria das vezes, não busca o cidadão, mas o lucro. Preocupa, sobretudo, o que se move por trás do lucro. 

     Por competência legal, a OAB é chamada a se manifestar nos processos de abertura de novos cursos, mas cabe ao Conselho Nacional de Educação, enfim, ao próprio Ministério da Educação, a última palavra, independente do que opine a Ordem a respeito. Eis o quadro real: no último triênio, a OAB foi favorável à criação de 19 cursos jurídicos. O Conselho Nacional de Educação autorizou, no mesmo período, a criação de 222 cursos.

     Estamos falando de status, que muitos políticos, ingenuamente, imaginam adquirir com as autorizações de faculdades de Direito para suas cidades? Ou estamos falando de moeda eleitoral para atender políticos e empresários do ensino?

     Se for esse último caso, Senhoras e Senhores, então não tergiversemos: estamos diante de um escândalo. E, se assim for, precisa ser apurado. Com rigor.

     Critério é a palavra-chave da questão. Se o critério for o de permitir que cursos de Direito sejam ministrados de madrugada ou em horários pré-matutinos, em salas improvisadas de escolas de ensino fundamental, usando carteiras destinadas a crianças e adolescentes, em salas - pasmem! - de cinema, ou dividindo espaço em que durante o dia funciona a Câmara de Vereadores e, à noite, a faculdade de Direito, então algo está errado. Algo está muito errado.

     A OAB, tenham certeza, não opinaria em contrário a nenhuma instituição que atendesse cuidadosamente aos critérios exigidos por lei, por entender que o ensino jurídico tem um papel político maior, justificação social bem mais profunda. E por entender que o ensino jurídico sem qualidade atinge, como já disse, toda a Justiça, na medida em que compromete a formação dos operadores de Direito - advogados e magistrados - e, em última análise, o conceito de cidadania e de democracia.

     Esse precisa ser o norte, o guia, o verdadeiro sentido da Reforma do Judiciário. E por um motivo óbvio: para termos uma Justiça célere, eficiente, acessível a todos, precisamos, primeiro, de um Judiciário preparado. O operador do Direito bem preparado é sinônimo de Justiça melhor ¾ portanto, mais justa, se me permitem a expressão. 

     Devo traçar, aqui, outra linha de reflexão. As razões da morosidade da Justiça no Brasil têm raízes históricas profundas, a começar pelo excesso de legislação que acaba por confundir juízes e advogados e abrir brechas para o sentimento de litigiosidade que sempre dominou o Poder Público. Vivemos o paradoxo da noção de Justiça como limitadora de Poder.

     É o Poder Público, e não o cidadão comum, o responsável pela montanha de processos que sufocam os tribunais. O cidadão é a vítima nesses processos. O Poder Público é o réu, a retardar os pagamentos de suas obrigações de maneira vergonhosa e antiética. Como pensar em reforma do Judiciário sem fazê-la preceder ¾ ou iniciar ¾ pela reforma infra-constitucional da legislação processual, de que se serve o Estado para retardar o cumprimento de suas obrigações?

     Há que se perguntar a quem interessa uma Justiça morosa? Num país com pouco mais de 10 mil juízes, distribuídos nas esferas estadual e federal, para atender 185 milhões de habitantes, volto a perguntar - a quem interessa uma Justiça lenta?

     Certamente, não ao cidadão-contribuinte, que, com seus impostos, sustenta toda a estrutura administrativa dos três Poderes da República.

     Nesse ponto, quero referir-me à reforma do Judiciário, pois mais que prioridade, é emergência institucional. Não obstante, tramita há doze anos no Congresso. Congratulo-me aqui com o Governo Federal por ter reconhecido a natureza prioritária dessa demanda.

     Entre as várias propostas de mudança que essa reforma deve conter - e que não cabe aqui esmiuçar -, destaco a do controle externo, que considero indispensável à transparência que deve presidir as relações dos Poderes do Estado com o público.

     Ressalto que a defesa do controle externo não pode ser compreendida como gesto depreciativo ao Poder Judiciário, cuja maioria absoluta de membros, a exemplo da advocacia brasileira, é gente honesta, trabalhadora e movida pelo ideal de servir ao público.

     Não se trata também de controlar mentes e sentenças. O controle é administrativo e, na essência, não pode diferir daquele que já é exercido em relação aos demais Poderes.

     A Ordem, que teve a iniciativa de propor o controle externo como prioridade há nada menos que 18 anos - em Conferência Nacional realizada em 1986, em Belém do Pará - estará vigilante nessa discussão, à qual contribuirá com o acervo de informações que acumulou ao longo destes anos.

     Urge, nesta hora, resgatar o compromisso inalienável que tem o advogado com a cidadania, o aperfeiçoamento das leis, a garantia dos direitos individuais, sociais e de preservação dos valores da pessoa humana. Sendo indispensável à administração da Justiça, o advogado necessita exercer, da forma mais ampla possível, o direito de defesa dos interesses a ele confiados sem temor, e com a segurança de que, no seu exercício profissional, não sofrerá nenhum tipo de represália.

     Haveremos de mobilizar as advogadas e os advogados brasileiros neste nosso campo institucional de batalha em defesa das prerrogativas profissionais, cujo alcance vai bem além do interesse pessoal. Trata-se de defender a coletividade, pois, se compreendemos as prerrogativas essenciais ao trabalho do advogado, constatamos que os seus direitos profissionais são antes direitos dos cidadãos.

     Todos os cidadãos, indistintamente, têm direito à ampla defesa ¾ e ao advogado compete a missão de assegurar o pleno exercício desse direito, baseado nos pressupostos da lei, dentre os quais o dever de resguardar o sigilo profissional. Devemos ter sempre presente em nossos corações e mentes o ensinamento de Rui Barbosa, segundo o qual o advogado, no seu exercício profissional diário, não se subordina a nenhum outro poder humano, senão à lei e à sua própria consciência.

     Vale dizer: a ética é ¾ precisa ser ¾ o seu referencial maior, inegociável. Desviar-se dela é grave delito moral que o sujeita implacavelmente aos rigores da lei, doa a quem doer.

     Senhoras e Senhores,

     Para nos fazermos respeitar, precisamos ousar com responsabilidade e coragem, com a certeza de que estamos trabalhando por uma instituição que nos honra e marca a história contemporânea de nosso país com páginas de bravura e dignidade.

     Não trago em meu currículo títulos maiores do que aqueles angariados ao longo de minha trajetória na Ordem, nem o brilho de teses acadêmicas que não sejam as que defendi nos embates com os meus companheiros de Conselho Federal, em busca do bem comum da advocacia e da sociedade. Eles me bastam.

     Aqui me fiz aprendiz, e aprendiz continuo sendo da nossa história democrática. Tornei-me produto do meio, inspirado na ousadia e na coragem dos que me antecederam.

     Coragem para proclamar a fé em um país que, por sua vez, não pode deixar apagar a chama da esperança nas forças políticas que ainda haverão de remodelar a nossa realidade, permitindo que o bem-estar básico dos mais humildes seja um compromisso efetivo, e não mero expediente propagandístico.

     Nesta Casa, o eminente constitucionalista Paulo Bonavides advertiu, em data recente, que não é democrático país que concentra renda e perpetua privilégios. País que vê crescer as legiões dos sem-terra, sem-emprego, sem-teto, sem-saúde, sem-hospital e sem-escola. Me inspiro nestas palavras para proclamar a necessidade de continuarmos nos indignando com a tragédia social de nosso País ¾ e de que a esperança não se transforme em desengano.

     A lição que o mundo tem a oferecer, ainda que repartido entre pobres e ricos, opressores e oprimidos, é de que a paz social está intrinsecamente ligada à estabilidade econômica e às oportunidades de emprego. Sirvo-me, nesse sentido, de lição extraída de nosso cancioneiro popular, do baião-protesto imortalizado pelo pernambucano Luiz Gonzaga, que ensinava que uma esmola dada a um homem são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.

     O pobre tem fome, sim. Tem fome de emprego e renda. Tem fome também ¾ e sobretudo ¾ de Justiça.

     Privá-lo de Justiça é retirar-lhe a esperança. A ausência de esperança ¾ o desespero ¾ empurra milhares de jovens diariamente no caminho das drogas e da violência. E a violência faz surgir em nossas cidades o Estado delinqüente ¾ a Narcocracia ¾, a substituir o Estado de Direito democrático, transformando cidadãos de bem em caricaturas do medo. Para dar um basta a essa lógica perversa, não precisamos recorrer ao jogo bruto da violência contra a violência.

     Tudo o que precisamos é substituir a arma pela caneta, dando à educação o verdadeiro papel que lhe cabe para a construção de uma sociedade civilizada. Não há democracia sem a educação como fundamento. Poderemos ter a democracia institucional, mas não a democracia efetiva, aquela que gera condições de vida, de progresso, de crescimento, de desenvolvimento.

     Senhoras e Senhores,

     Advogadas e advogados,

     Não devo me estender mais. Quero agora voltar aos heróis que me antecederam neste campo de batalha, homenageando-os na figura do presidente Rubens Approbato Machado. Mas confesso que não estou preparado para despedidas. Quero crer que Approbato continuará sendo presença constante e seminal nesta Casa que tanto lhe deve.

     Aqui sua presença ímpar encarnou, na plenitude, o que se espera de um homem público, com responsabilidades que vão além da instituição que representou: cultura jurídica, independência, consciência social e valor ético. A OAB, sob seu comando, foi livre e corajosa para defender a dignidade humana, a cidadania, a moralidade pública, a justiça e a paz social.

     Muito obrigado, meu amigo e sempre prezado Presidente, Rubens Approbato Machado, a quem tive a honra de servir com lealdade.

     Aqui, Rubens exerceu seu mandato com espírito público. Aqui, suas lições estarão para sempre guardadas. Vossa Senhoria tem o direito de retornar às atividades profissionais em São Paulo, mas não está dispensado de seus compromissos com a Ordem dos Advogados do Brasil. Eu o convoco a continuar nos ajudando com sua experiência e eterna jovialidade ¾ e que não venha só: Dona Miryam Approbato Machado também tem cadeira cativa nesta Casa.

     Companheiros de Diretoria e Conselheiros Federais. Convido-os todos a ingressar nesta Casa com esse mesmo espírito público demonstrado por Rubens Approbato Machado, para que possamos servir à instituição e ao País com o melhor de nossas convicções. Com a energia transformadora que nos permita ousar e abrir novos horizontes. Neste momento, evoco as palavras de Giuseppe Garibaldi, o herói dos dois mundos, o herói da Guerra dos Farrapos:

     “Com companheiros como vós, posso tentar tudo!”

     Evoco também a José Martí, para quem “a melhor maneira de dizer, é fazer.” O Brasil conta conosco para fazer.

     Busco agora na minha família inspiração e forças para esta travessia. Wilma, minha mulher, por sua proteção, orientação e paciente tolerância; meus filhos Roberto, Rodrigo e Vivien, pelas alegrias que nem toda essa emoção pode retribuir. Obrigado.

     Chego ao cargo de forma inédita, como cidadão-advogado, o que confirma a natureza antipreconceituosa da Ordem, instituição plural e ecumênica. E, dentro desse espírito ecumênico, encerro citando Chico Xavier, um brasileiro que soube expressar com sua espiritualidade os princípios mais nobres que enchem a alma humana de clareza e dignidade. 

     Você pode morar numa casa mais ou menos

     Numa rua mais ou menos,

     Numa cidade mais ou menos.

     Pode até ter um governo mais ou menos.

     O que você não pode, jamais,

     É amar mais ou menos,

     Ser amigo mais ou menos,

     Ter fé mais ou menos

     Sonhar mais ou menos e

     Acreditar mais ou menos.

     Senão você corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos.

     Deus nos proteja.

     Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/2004 - Página 2763