Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificativas as Propostas de Emenda à Constituição 52, 53 e 54, de 2003, apresentadas por S.Exa., que dizem respeito à reforma do Estado brasileiro.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Justificativas as Propostas de Emenda à Constituição 52, 53 e 54, de 2003, apresentadas por S.Exa., que dizem respeito à reforma do Estado brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/2004 - Página 2773
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, REFORMULAÇÃO, ESTADO, DEFESA, REDUÇÃO, BUROCRACIA, GASTOS PUBLICOS, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, ESPECIFICAÇÃO, NUMERO, CONGRESSISTA, DEPUTADO ESTADUAL, VEREADOR, EXPECTATIVA, DEBATE, SOCIEDADE CIVIL, AUMENTO, EFICACIA, PODER PUBLICO.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, CARGO ELETIVO, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, VICE-GOVERNADOR, VICE-PREFEITO, LIMITAÇÃO, MINISTERIO.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, DATA, ELEIÇÕES, BRASIL.
  • JUSTIFICAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, FEDERAÇÃO, AUMENTO, AUTONOMIA, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, ESTADOS, MUNICIPIOS.

O SR. ALMEIDA LILMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Com toda a certeza, Sr. Presidente, falarei por menos de 50 minutos, mas acredito que por mais de 20. Daí a alegação que fiz.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em junho de 2003, tive oportunidade de apresentar a esta Casa três propostas de emenda à Constituição que, pelo assunto, poderiam ser apenas uma proposta, pois os temas são correlatos e dizem respeito a uma proposta de reforma do Estado brasileiro. As três PECs receberam os números 52, 53 e 54 e encontram-se hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, já com a designação do Relator, o nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.

Tive oportunidade de fazer alguns pronunciamentos, mostrando, em tese, de forma até mais teórica, a necessidade da reforma do Estado brasileiro. Cheguei a afirmar até que ela deveria ser a primeira a ser assumida pelo próprio Poder Executivo, pelo Governo do Presidente Lula, mas preferiu S. Exª as reformas da Previdência e tributária, cujas contas - eu tinha certeza, pois todas as reformas apresentam uma conta, como de fato está ocorrendo - serão pagas pelo povo.

A proposta de reforma do Estado, na forma que apresentei, é o contrário. Ela tem também uma conta a ser paga, mas é dirigida às elites e, sobretudo, à classe política. E quero ter a oportunidade, neste instante, de forma mais didática, não teórica, de tecer alguns detalhes desta proposta. Por considerá-la extremamente importante para o Estado brasileiro, entendo que deveria ter sido assumida pelo Poder Executivo, embora o tempo não passou e assim poderá ainda ocorrer.

Srs. Senadores, precisamos não de um Estado pequeno na economia - o que não defendo -, mas do tamanho exato da máquina burocrática, que é a consumidora dos recursos financeiros de que o País dispõe não para o exercício da atividade-fim a que está subordinado e para o qual existe, mas para a atividade-meio.

Para ser mais objetivo, é preciso diminuir o tamanho dessa máquina. O Governo e o Congresso Nacional, para dar um exemplo à sociedade brasileira, deveriam, como ainda devem - a oportunidade aí se encontra -, dar o exemplo, cortando o excesso de gordura em seu próprio corpo. Há muita gordura a ser cortada. Deveriam começar a partir de si, para, em segundo lugar, se houvesse necessidade, fazer a reforma da Previdência, a reforma Tributária e tantas outras. A população brasileira pelo menos procuraria entender, pois os cortes e as diminuições se processariam primeiro no corpo do Estado, em que beneficiadas diretamente estão as elites e a classe política.

Portanto, essa é a proposta, porque não posso conceber que o Estado brasileiro, no momento em que se encontra, sem atender às necessidades do povo, tenha de possuir um Congresso Nacional com 513 Deputados. E, para que eu tenha autoridade de falar no número de Deputados Federais, de Deputados Estaduais, de Vereadores, de Vice-Presidente, de Governadores e de Prefeitos, decidi falar primeiro do Senado Federal, por entender que hoje somos 81 Senadores, 3 representantes por Estado, quando - e esta é uma proposta que fiz na PEC nº 54 -, em vez de 3, o Senado Federal, por Estado, deveria ter apenas 2 Senadores. Aqui trabalharíamos do mesmo jeito; não haveria dificuldade alguma. Nos Estados Unidos da América há 2 para cada um dos seus 50 Estados, num número total de 100 Senadores.

Portanto, essa é a proposta que trago a esta Casa, à sociedade brasileira, ao Poder Executivo, esperando ainda que ele a encampe. Não haveria problema algum na continuidade, na normalidade institucional. O número excessivo de Deputados Federais, quando poderíamos sobreviver muito bem com algo em torno de 395, o equivalente, aproximadamente, a menos 25% da representação hoje existente. Estados que começam com o mínimo de oito representantes, a exemplo do meu Estado de Sergipe, começariam apenas com cinco, enquanto outros teriam o mesmo percentual de 25% diminuído. Não temos a necessidade do excesso de Deputados Estaduais. Assembléias Legislativas como a de Sergipe, com 24 Parlamentares, podem muito bem funcionar com menos 25% desse número.

No País, hoje, temos algo em torno de 60 mil vereadores. O número mínimo para os Municípios menores é de exatamente nove vereadores, mas poderia ser de cinco. Municípios pequenos, com população que não chega a dois mil habitantes, têm nove vereadores. O cidadão procura um médico e não encontra, enquanto os vereadores são vistos pela cidade; procura um dentista e não encontra; procura o delegado de polícia e não o vê, porque ali não existe assistência à saúde, à segurança pública, aos mais carentes.

Apresentei a proposta que tramita na Casa, e este não é apenas um discurso, como tantos outros que já proferi. O objetivo deste pronunciamento é dar a minha contribuição e promover o debate com todas as Srªs e os Srs. Senadores e com a sociedade brasileira.

Para que Vice-Presidente da República? Aliás, hoje, no Brasil, o Presidente da República viaja, e o Vice-Presidente não assume. Há um Primeiro Ministro. E, nos impedimentos, pode assumir a Presidência da República o Presidente da Câmara, ou o Presidente do Senado ou o Presidente do Supremo Tribunal Federal, nessa ordem. Para que Vice-Governador de Estado, se pode assumir o posto do Governador o Presidente da Assembléia ou o Presidente do Tribunal de Justiça? Para que Vice-Prefeito, se pode ocorrer o mesmo?

Na minha proposta, há uma limitação de, no máximo, 20 Ministérios. Mais uma vez, cito o exemplo americano de cerca de 13 a 15 Departamentos de Estado ou Secretários de Estado com o mesmo grau, com o mesmo nível. No Brasil, existem hoje, entre Ministérios e Secretários com staff de Ministério, mais de 40!

Lamentavelmente, fui o único Senador que votou contra a medida provisória do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando desejou, no início do seu Governo, aumentar o número de Ministérios e de Secretarias. Por uma questão de consciência e de coerência, eu não poderia votar de forma diferente. Teríamos um Estado enxuto, que daria exemplo à sociedade e mostraria ser possível promoverem-se transformações, eliminando-se os excessos. O ganho seria enorme, sob o ponto de vista financeiro e, sobretudo, ético. O Governo teria mais legitimidade para promover outras mudanças necessárias, de caráter estrutural.

Ao contrário, o Governo amplia a máquina sem necessidade - essa crítica foi feita em outras sessões e é repetida hoje. Foram criados 3 mil cargos em comissão, e aumentou-se o número de funcionários para 40 ou 45 mil, quando ainda não há prestação de serviço adequada à população, única função do Estado, para a qual ele foi constituído.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amplio a proposta dizendo que precisamos estabelecer datas diferentes, como a que apresentamos, para que, em 2010, com a mudança do mandato dos Prefeitos a serem eleitos em 2008, tenhamos eleições gerais neste País. Não sou contra as eleições. Ao contrário, sou extremamente a favor, mas já fui do Legislativo e do Executivo e sei muito bem que, quando um Governador, um Prefeito ou Presidente senta em sua cadeira para administrar o Município, o Estado ou o País, mal começando o ano, já está preocupado com a realização, no ano seguinte, de eleições em outro nível, municipais ou gerais.

Sem nenhum casuísmo, sem diminuir o mandato de quem quer que seja ou ampliar o mandato dos que já foram eleitos - e a nossa proposta contempla esse outro item, porque estaríamos contribuindo, no mínimo, para a eliminação, em um plano intermediário, de uma eleição -, poderíamos estabelecer as eleições de forma conjugada, em um mesmo dia, sobretudo diante da modernidade brasileira nesse campo das eleições e das apurações eletrônicas. Não estaríamos colocando a máquina do Governo em obras eleitoreiras, em decisões políticas que vêm para facilitar a vida do candidato “a” e do candidato “b”.

É preciso que todos tenhamos a responsabilidade, a autoridade que o povo nos deu, como representantes, para decidir em seu nome, pois a democracia que vivemos é representativa. Assim, devemos propor, mesmo que em uma pregação no deserto, mesmo que motivando chacota, a diminuição do número de Senadores, por Estado, de três para dois, ou até mesmo dos Deputados Estaduais, Deputados Federais e Vereadores. É preciso que isso seja proposto não apenas em um discurso, mas na apresentação das propostas de emenda à Constituição, devidamente protocolizadas já desde o ano passado, no mês de junho.

Se, no ano passado, não tivemos condições de fazer isso, diante das duas propostas de reforma à Constituição - a da Previdência e a tributária -, que tomaram toda a pauta de discussões por todo o ano, por que não se estabelecer a proposta de reforma do Estado brasileiro neste ano de 2004, já que o Governo não vai encaminhar a proposta de reforma trabalhista e ainda se discute a reforma do Poder Judiciário? Por que não se estabelecer a proposta de reforma do Estado brasileiro?

Não estou a propor reforma político-eleitoral-partidária! Não se trata de reforma político-eleitoral-partidária e casuísmos para as próximas eleições. É outra coisa completamente diferente. É a reforma do Estado, não apenas nesses aspectos a que me referi. Preferirei, em outra oportunidade, referindo-me à PEC nº 53, fazer uma apresentação, de forma mais prática e direta, da proposta de descentralização da Federação brasileira. Da forma como se encontra hoje, não se trata de uma Federação, mas de um Estado unitário, onde as competências, as atribuições e as funções, hoje concentradas no Governo da União, no Executivo, no Legislativo, possam ser descentralizadas para os Estados e Municípios, dando a estes a condição de entidades mais do que autônomas para gerenciar os seus problemas, sobretudo diante da dimensão continental que é o Brasil.

No rincão, no interior, as condições de vida são outras, diferentes das dos grandes centros. As especificidades e a sua cultura são próprias. E, acima de tudo, lá temos a inteligência do brasileiro, que pode muito bem contribuir para o processo de engrandecimento do nosso País, que a legislação e a Constituição não lhe deram oportunidade.

Temos Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas em Municípios e Estados preocupados apenas com a votação anual de uma reforma administrativa, ou de um orçamento, ou da nomeação de logradouros públicos e dos famosos títulos de cidadania, quando poderiam assumir grande parcela da responsabilidade que, hoje, é do Congresso Nacional para legislar; inclusive sobre matéria de Direito Civil, matéria de Direito Penal, licitações públicas de interesse e a custo do orçamento estadual. Enfim, poder-se-ia procurar desobstruir a atividade do Parlamento Nacional, que deixa, muitas vezes, de discutir questões maiores, que dizem respeito aos interesses da nacionalidade, que podem ser discutidas no âmbito do Estado, a exemplo da Lei de Locações, de uma relação entre as pessoas.

No Estado de São Paulo, a questão locação, habitação, é completamente diferente da de minha cidade, Santa Rosa de Lima, ou Nossa Senhora das Dores, no Estado de Sergipe, enquanto a lei é feita em Brasília para ser cumprida na capital, em São Paulo, no Rio de Janeiro e no longínquo Município de Poço Redondo, no Estado de Sergipe, ou até mesmo em seu povoado de Santa Rosa do Ermírio. Esta não é uma Federação? Este não é um Estado unitário? Mas aquele que chega ao poder o admira e concentra ainda mais poderes, mesmo que não tenha condições de exercê-los. Passam quatro, oito anos no cargo, e ainda pensam que poderiam ocupá-lo por dezesseis anos, ou se tornarem eternos no cargo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisamos tratar da questão. Na verdade, esse foi o tema de meu primeiro pronunciamento no ano passado, lá pelo dia 26 de fevereiro, quando aqui chegava. Essa foi a minha reflexão. Entendo que o Estado brasileiro não cumpre seu papel. Estamos no início de uma nova sessão legislativa ordinária para o próximo dia 15 ou 16 e poderíamos, de forma diferente desta convocação extraordinária, estabelecer uma pauta, uma agenda, no Senado Federal, de discussão de propostas que tenham profundidade como esta, de transformação da vida nacional. É preciso que conclua o que todos já sabemos: o Brasil não está bem, tem inúmeros problemas, mas não podemos imaginar que um Governo que foi eleito para promover transformações chegue ao Executivo, cruze os braços e não promova, com a legitimidade eleitoral popular que teve e tem, advinda das urnas, não tenha a coragem de dizer “esta é a proposta que trago a esta Casa”. Srªs e Srs. Senadores, eu ficaria plenamente satisfeito de vê-la pelo menos na pauta, debatida, discutida, pois, como eu disse em outras oportunidades em que integramos a classe política, se não abrirmos os olhos e passarmos a compreender e, assim, a agir de forma a atender aos interesses populares, chegará o dia em que o tecido social estará mais do que esgarçado. E as conseqüências de rupturas já estamos antevendo na segurança pública, na qual o Estado diante do problema se apresenta de forma incapaz. Estados-membros afirmam que não possuem combustível para os veículos que cumprem diligência, mas o Estado possui enormidade de recursos para as contratações de cargos comissionados, a compra de aeronaves, recursos para a publicidade, para o marketing, para a propaganda.

E não pensem V. Exªs que a população não está observando e discordando. É preciso que todos tomemos consciência desse fato e cheguemos à conclusão de que estamos muito distante do povo. Hoje já não se pode falar em democracia direta como se praticava na Grécia, nas cidades gregas, nas cidades-estado, onde o cidadão decidia. Hoje ela é representativa, ele elege para outros decidirem. Precisamos estar em sintonia com a população e não apenas chegar aqui, balançar a cabeça e dizer amém ao governo, promovendo reformas, cuja conta quem paga é o povo. E esse distanciamento não é bom para a vida do Estado; conseqüentemente, para a vida da Nação. É preciso que haja uma sintonia, que representantes e representados trabalhem de forma coesa, harmônica, não apenas ouvindo, mas, decidir fazê-lo de forma a atender aos seus anseios.

Aqui, encontramo-nos com procuradores do povo, aquele parlamentar que recebe um mandato, o instrumento procuratório do advogado, para cumprir uma tarefa por ele determinada. Já pensaram quando um advogado é constituído para promover a defesa daquele que o constitui e, ao invés de fazê-lo, ele promove a defesa do adversário, dos interesses contrários? Aquele que outorga o mandato, revoga.

Entretanto, a nossa democracia ainda não é um instrumento devidamente regulado para permitir ao cidadão que também o faça como ele quando outorga um mandato procuratório. Faz quatro anos, mas já sabemos. A lembrança do povo, às vezes, é tumultuada pelo trabalho inteligente, científico dos marqueteiros, que hoje preferem ser chamados de “marquetólogos”, e voltam ao poder no exercício da representação.

Peço às Srªs aos Srs. Senadores que recebam essa proposta - parte dela mais bem detalhada do que nas vezes anteriores - como uma contribuição ao debate. Trata-se de uma proposta sem qualquer arrogância, sem qualquer petulância, sem qualquer senso de invenção da pólvora ou da roda, porque já foram inventadas há muito tempo. Quero apenas propor um tema para a nossa agenda, para o nosso debate, esperando, quem sabe, até que o Presidente Lula assuma uma proposta estrutural de reforma do Estado como essa e assim proceda durante o ano. Tenho consciência absoluta de que uma proposta de reforma constitucional como essa, se aprovada, não apresentará sua conta ao povo. Pagarão a conta a classe política e a elite deste País, que não têm procurado ter a sensibilidade necessária para entender que, quanto mais se aprofundar o fosso e a distância entre os ricos e os pobres, mais estarão perdendo.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/2004 - Página 2773