Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Favorável a solicitação encaminhada ao Ministério da Justiça pelo Estado de Santa Catarina para que a Portaria 1.128/2003, que amplia a reserva indígena de Ibirama seja revogada. Comentário ao artigo intitulado "Reforma à Lula", de autoria da jornalista Miriam Leitão, publicado no jornal O Globo de 24 de janeiro do corrente.

Autor
Leonel Pavan (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Leonel Arcangelo Pavan
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Favorável a solicitação encaminhada ao Ministério da Justiça pelo Estado de Santa Catarina para que a Portaria 1.128/2003, que amplia a reserva indígena de Ibirama seja revogada. Comentário ao artigo intitulado "Reforma à Lula", de autoria da jornalista Miriam Leitão, publicado no jornal O Globo de 24 de janeiro do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/2004 - Página 2785
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • PROTESTO, POLITICA INDIGENISTA, AMPLIAÇÃO, RESERVA INDIGENA, VALE DO ITAJAI, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), FALTA, JUSTIFICAÇÃO, MOTIVO, AUSENCIA, OCUPAÇÃO, INDIO, TERRAS, PREJUIZO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, PRODUÇÃO, ECONOMIA FAMILIAR, INEXISTENCIA, INDENIZAÇÃO, POSSE, NECESSIDADE, ATENÇÃO, JUSTIÇA, APOIO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, RENOVAÇÃO, PORTARIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFORMULAÇÃO, MINISTERIO.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, hoje, somar minha voz às daqueles que vêm contestando a maneira como se tem tratado, em Santa Catarina a definição das terras indígenas.

Um exemplo claro dos problemas que estão sendo criados é a situação da reserva indígena de Ibirama, no Alto Vale do Itajaí. A história dessa reserva remonta a 1926, quando um decreto do Governador do Estado reservou cerca de 20.000 hectares para os índios. Anos mais tarde, em 1952, um acordo entre o Estado de Santa Catarina e o Serviço de Proteção aos Índios reduziu essa área para cerca de 14.150 hectares. Em 1996, um decreto presidencial homologou a demarcação da terra promovida pela Funai, que fixou sua superfície em pouco mais de 14.000 hectares.

Mas essa história, que parecia terminada, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, teve uma reviravolta importante no ano passado. Em agosto de 2003, uma Portaria do Ministério da Justiça ampliou a área da reserva de Ibirama para 37.108 hectares. Isso é mais do que o dobro da área homologada pelo decreto de 1996 e quase duplica a área que, em 1926, fora doada pelo Estado para a reserva. Imediatamente, diante disso, uma série de questões se impõem: qual a razão - porque deve haver uma - para um aumento tão significativo agora? Em que base se pode justificar, hoje, uma ampliação dessa grandeza? E por que reabrir agora essa questão, que já parecia definida em 1996, mexendo com direitos adquiridos e com o que os juristas chamam de “ato jurídico perfeito”?

Vejamos, antes de mais nada, o que diz a Constituição sobre esse assunto, porque, talvez, aí já encontremos alguma justificativa. O artigo 231 garante aos índios os seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Nada mais justo. Mas a margem de indefinição aqui é grande, ainda que o texto constitucional, ao dizer “ocupam”, no presente, e não, “ocuparam”, no passado, indique a necessidade da ocupação atual da terra. Mesmo assim, alguém poderia querer justificar a ampliação de 13.000 hectares da reserva de Ibirama alegando que essa área foi, tradicionalmente, território dos índios Xokleng. Ora, grande parte do território nacional - se não, todo ele - já foi algum dia ocupado pelos índios. Por que, então, em nome dos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, não reconhecemos, por exemplo, a área em que hoje está a cidade do Rio de Janeiro como terra indígena, dado que, tradicionalmente, os tamoios habitaram e usaram aquelas terras? A resposta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, só pode ser esta: porque isso não seria razoável. É justo dar aos índios o que é dos índios. É justo que tenham acesso aos meios que lhes permitam reproduzir sua cultura, seu modo de vida, seus costumes. Não há quem deixe de reconhecer que o Brasil, como é hoje, tem uma dívida com os habitantes originários desta terra. Mas não há justiça sem razoabilidade. Tentar fazer justiça desconhecendo os limites do razoável não é muito diferente de ser arbitrário.

O próprio Supremo Tribunal Federal, que tem a última palavra no que diz respeito à interpretação do texto da Constituição, já se pronunciou sobre como devemos entender a expressão “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, que aparece no artigo 231, a que fiz referência, e no artigo 20, que define os bens da União. No entendimento do Tribunal, a Constituição garante os direitos dos indígenas sobre as terras que efetivamente ocupam, e não sobre aquelas que, no passado remoto, chegaram a ocupar.

Ora, se voltarmos agora à reserva de Ibirama, prestando atenção à história da definição de seus limites, vemos que, já em 1952, quando do acordo entre o Estado de Santa Catarina e o Serviço de Proteção aos Índios, concluiu-se pela redução da área da reserva de 20.000 hectares, como constava no decreto de 1926, para cerca de 14.150. Se isso foi assim, é porque, já então, em 1952, provavelmente não havia ocupação indígena nos quase 6.000 hectares que ficaram de fora da reserva. E o que se pode dizer, então, dos outros 17.000 que a Portaria de 2003 quer incorporar à reserva?

Vejamos a questão por outro prisma. Não podemos esquecer-nos de que essas terras agora incorporadas à reserva indígena, se não estão ocupadas pelos índios, não estão abandonadas. Algumas dessas terras são áreas de reflorestamento, exploradas por empresas, mas muitas das que se quer hoje incorporar à reserva de Ibirama são terras exploradas no regime de agricultura familiar. Como reconhece o próprio relatório da Funai que fundamenta a ampliação da área, são terras ocupadas por “pequenos agricultores, que dependem basicamente da agricultura familiar para subsistência de suas famílias, explorando diretamente suas propriedades”. Na região do Alto Vale do Itajaí, onde fica a reserva de Ibirama, mais de 400 famílias podem ser afetadas. Não estamos falando aqui de latifúndios improdutivos ou de terras griladas e ocupadas ilegitimamente. São terras compradas de boa-fé pelos seus proprietários e devidamente registradas. Muitos títulos de propriedade das famílias da região remontam aos anos 1920.

Lembremos agora, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, que o reconhecimento das terras como indígenas implica que apenas as benfeitorias são indenizadas. Não há indenização pela posse da terra. O impacto disso pode ser grande, mais do que econômico, mais do que social. Como a própria história de nossas relações com as populações indígenas que habitavam originalmente o Brasil deve ter-nos ensinado, desapossar alguém das terras que possui significa mais do que apenas tirar-lhe um bem. Reparar isso é algo delicado, mesmo quando envolve a medida comum do dinheiro.

Por isso mesmo, é preciso ter muito cuidado no que diz respeito ao reconhecimento das terras indígenas. É preciso ter não apenas critérios claros para se fazer esse reconhecimento, como, também, faz-se necessária uma visão múltipla, compreensiva e justa, para evitar que se queira reparar um erro com outro, uma injustiça com outra injustiça. Uma visão parcial e enviesada da questão só gera mais injustiça, e, quando o poder público baseia suas decisões sobre essa visão, age irresponsavelmente.

Se queremos ser justos, enfim, em toda essa questão, devemos levar em conta não apenas o que é devido às populações indígenas, mas também o que é devido às famílias de agricultores que dependem do trabalho em suas terras, o impacto econômico e social dessa ampliação das terras e os efeitos que isso terá sobre a vida de centenas, talvez milhares, de pessoas. Não é, mais uma vez, razoável que se queira vindicar o direito dos índios às custas de conseqüências altamente nocivas para as famílias que ocupam legitimamente aquelas terras.

Por tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, julgo ser justa e procedente a solicitação encaminhada ao Ministério da Justiça pelo Estado de Santa Catarina para que a Portaria nº 1.128/2003, que amplia a reserva indígena de Ibirama de 14.000 para 37.000 hectares seja revogada. A Procuradoria do Estado de Santa Catarina, muito competentemente, levanta questões legais e constitucionais que viciam essa Portaria, mas falo aqui, Sr. Presidente, do ponto de vista da justiça e da razoabilidade. Há uma desmesura, um desequilíbrio patente na proposta de ampliação da área da reserva de Ibirama. Não é dessa forma que faremos justiça aos índios. A justiça anda junto com a eqüidade e deve abominar a falta de medida.

Sr. Presidente, pretendo ainda comentar o artigo intitulado “Reforma à Lula”, de autoria da jornalista Miriam Leitão, publicado no jornal O GLOBO de 24 de janeiro do corrente.

O artigo trata da forma lenta e tumultuada com que o Presidente Lula conduziu o processo de reforma ministerial concluído, às pressas, na semana passada. Além disso, mostra que o governo perdeu uma grande chance de fazer uma reforma que enxugasse a máquina administrativa.

Para que conste dos Anais do Senado, requeiro, Sr. Presidente, que o artigo publicado no jornal O GLOBO de 24 de janeiro do corrente, seja considerado como parte deste pronunciamento.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR LEONEL PAVAN EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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O GLOBO, 24 de janeiro de 2004

            PANORAMA ECONÔMICO

            Miriam Leitão

REFORMA À LULA

A reforma ministerial pode corrigir certos erros gerenciais e administrativos do governo na área social, mas a informação mais espantosa das últimas semanas foi o estilo do presidente Lula de mudar ministros. O processo decisório foi tumultuado e lento e a comunicação, caótica. Ministros brindavam e davam entrevistas como escolhidos dias antes de serem anunciados.

O primeiro mês do segundo ano de governo de Lula foi gasto em reuniões intermináveis, paralisia da máquina pública, exposição humilhante dos que estavam com a cabeça a prêmio, idas e vindas da vontade presidencial, exibição da vaidade dos quase-ministros em seu desfile constante nas cercanias do Palácio do Planalto.

Os ministros mesmo apresentavam-se como nomeados como se aquele fosse um processo sem comando. Os companheiros mais poderosos repetiam, como mantra, que as decisões sobre a reforma ministerial pertenciam ao presidente da República, só a ele, o único dono do tempo e dos nomes. Não parecia. Parecia pertencer a todos e, em particular, ao ministro José Dirceu. Mesmo quando o ministro Roberto Amaral, para facilitar processo tão tortuoso de tomada de decisão, entregou seu cargo, o presidente pediu que ele ficasse para, dias depois, pedir que ele saísse. O governo, paralisado, passou dias esperando a morosa decisão do presidente. A explicação dada pelos auxiliares é que ele é pessoa sensível, que não gosta de demitir os amigos.

Ninguém gosta de desagradar aos amigos, mas não se governa com sensibilidade em relação aos amigos, mas pelo interesse do país. Não há como fazer reforma ministerial sem demitir alguns para instalar outros no lugar. Até porque o tamanho do atual Ministério é extravagante. Alguns ministros sem poder, sem dinheiro e sem iniciativa e, como disse o presidente ontem, até sem sala, mas com o sonhado título honorífico.

Não fazer a mudança ministerial antes de aprovar as reformas da Previdência e Tributária foi uma decisão inteligente. Ao contrário do que se supõe, as mudanças de ministérios mais desunem que unem. Ninguém faz uma reforma para unir a base. Ela acaba sempre descontente. O dia seguinte mostra que os atendidos não acham que foi o suficiente e os desatendidos exigem compensação. Se foi adiada por razões estratégicas, deveria ter sido feita logo no começo do ano.

No fim das contas, nove ministros foram tirados de suas pastas, mas três deles reempregados em outras pastas. Dos seis que saíram, só Miro continua, de certa forma, como parte da estrutura de poder, sendo o líder do governo na Câmara. Os outros cinco: José Graziano, Roberto Amaral, Emília Fernandes, Benedita da Silva e Cristovam Buarque formam uma lista em que tem ausências notáveis: o ministro da Saúde, que criou dois constrangedores episódios de intervenção política no Inca; o ministro das Cidades, que até agora não disse o que fará com o cargo que detém, por exemplo. Mas, principalmente, o governo desperdiçou a chance de fazer uma reforma que enxugasse uma pouco a máquina. Eram 36 ministérios e secretarias com status de ministérios e continuam sendo 36, porque duas pastas foram fundidas, mas outra pasta foi criada, a da Articulação Política.

Algumas mudanças anunciadas ontem estão na direção certa. A mais importante delas foi na área social, na qual se tenta corrigir os equívocos de antes. O erro inicial do governo foi dividir o que não podia ser dividido, produzindo uma superposição de funções que nunca funcionou, como era de se esperar. O Ministério da Ação Social cuidava dos programas sociais do governo como os que se referiam a idosos, deficientes, combate ao trabalho infantil. O Fome Zero era um ministério de um único programa. Para piorar, o programa foi mal concebido e mal implementado por um ministro refratário à crítica e dado a gafes, como a inesquecível fala na Fiesp sobre os nordestinos. Para resolver a paralisia que houve na área social, criou-se uma secretaria que passou a cuidar de um outro programa, o Bolsa Família, que absorvia o programa Fome Zero. O Bolsa Família foi um passo dado na direção certa. Integrar os programas sociais é um conselho que vem sendo dado pelos bons especialistas em políticas públicas. Mas criar outra secretaria dentro do Palácio do Planalto só agravou a contradição e aumentou a dispersão de esforços. Agora, juntou-se o que nunca deveria ter sido dividido e está tudo nas mãos do deputado Patrus Ananias. A esperança é de que, enfim, haja um choque de gerência nos programas sociais do governo Lula.

Outro salto pode ser dado no Ministério da Educação, que andou em círculos nos primeiros meses, tentando desfazer bons programas que haviam sido implantados pelo governo anterior. Houve uma piora, e não melhora, no sistema de avaliação das universidades. Houve a adoção de barreiras burocráticas até no programa que foi escolhido pelo governo como sendo prioritário, o de alfabetização de adultos.

O ministro Ricardo Berzoini errou dramaticamente no episódio dos nonagenários, mas ele conduziu uma reforma da Previdência que tem várias virtudes, apesar de ser insuficiente (e é bem verdade que o lado bom da reforma está sendo, em parte, desfeito na PEC Paralela).

Presidentes prisioneiros da dúvida já governaram o Brasil, mas nunca se viu dúvida tão torturante quanto a que paralisou a Presidência nas últimas semanas. Agora que o processo felizmente chegou ao fim, só resta aos brasileiros torcer para o bom andamento administrativo do governo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/2004 - Página 2785