Discurso durante a 16ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Otimismo com o anúncio de novos investimentos da General Motors em Gravataí-RS. Repúdio ao bárbaro assassinato do dentista Flávio Ferreira Santa Ana, por policiais em São Paulo. Defesa da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Otimismo com o anúncio de novos investimentos da General Motors em Gravataí-RS. Repúdio ao bárbaro assassinato do dentista Flávio Ferreira Santa Ana, por policiais em São Paulo. Defesa da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.
Aparteantes
Gerson Camata, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2004 - Página 3459
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, ANUNCIO, EMPRESA MULTINACIONAL, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, AMPLIAÇÃO, FABRICA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CRIAÇÃO, EMPREGO, ANALISE, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • APOIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INTERESSE, GOVERNO, VOTAÇÃO, PAUTA, CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA, CONGRESSO NACIONAL, ELOGIO, ESTABILIDADE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, COMENTARIO, ENTREVISTA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • COMENTARIO, DECISÃO, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE), ANULAÇÃO, FUSÃO, INDUSTRIA, CHOCOLATE, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), EMPRESA MULTINACIONAL, PROTEÇÃO, EMPREGO, TRABALHADOR.
  • DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HOMICIDIO, CIDADÃO, NEGRO, AUTORIA, POLICIAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • DENUNCIA, CRIME, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HOSPEDAGEM, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), DEFESA, URGENCIA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Eduardo Siqueira Campos, Srªs e Srs. Senadores, a semana passada foi muito pródiga em acontecimentos econômicos em nosso País. Do colapso da Parmalat à negativa do Cade da compra da Garoto pela Nestlé, tivemos até mesmo a volta dos boatos das quintas-feiras, dessa vez antecipados em um dia, com o falso anúncio da demissão do Presidente do Banco Central.

Felizmente, numa solenidade a que tive o prazer de estar presente no Palácio do Planalto, realizada na sexta-feira, o caos que se anunciava foi revertido, com a confirmação, pela General Motors, durante audiência de sua Diretoria com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - também estando presentes os Senadores Sérgio Zambiasi e Pedro Simon, além dos Deputados Beto Albuquerque e Mendes Ribeiro Filho -, de novos investimentos de US$240 milhões para ampliação da sua fábrica em Gravataí, no Rio Grande do Sul, onde a montadora pretende aumentar sua produção de veículos.

Esses investimentos, Sr. Presidente, vão resultar, no prazo de dois anos, na criação de 1.500 novos empregos na unidade da GM em Gravataí, Rio Grande do Sul, onde é fabricado o modelo Celta, cuja produção será aumentada das atuais 120 mil para 210 mil unidades. Além disso, a Chevrolet anunciou o lançamento de um novo modelo para ser produzido também na fábrica gaúcha, a partir de 2006.

A General Motors, que atua no Brasil há 79 anos, tem, no Complexo Industrial de Gravataí, no nosso Rio Grande, inaugurado em julho de 2000, uma das fábricas mais modernas do mundo, onde é produzida a linha Celta. Essa unidade recebe visitas de especialistas em manufatura de veículos de todo o mundo, que querem conhecer o sistema de montagem do modelo, que é feito com a parceria dos fornecedores instalados dentro e fora do complexo industrial.

Os novos investimentos da GM, em Gravataí, como observou o Presidente Lula, são uma prova de que o Brasil entrou numa fase de crescimento. Afinal, que empresa investiria US$240 milhões na expansão dos seus negócios em um país onde as regras do mercado não fossem claras nem o horizonte promissor?

Esse horizonte promissor vem sendo alcançado com muito sacrifício de toda a sociedade e graças à seriedade e à reafirmação do Presidente Lula dos compromissos assumidos com os segmentos econômicos, sociais e políticos da Nação.

Ainda na sexta-feira, o Presidente disse, mais uma vez, que todos os compromissos assumidos com o Congresso Nacional serão cumpridos. Todos os projetos que foram objetos de negociação serão votados.

A leitura que faço, nobre Presidente, é de que de fato o Governo vai cumprir a palavra empenhada e vai colaborar para que a chamada PEC paralela da Previdência Social seja aprovada rapidamente pela Câmara dos Deputados.

Repito: o Presidente disse, na sexta-feira que o Governo tem todo o interesse em que todas as matérias que foram colocadas na pauta, na convocação extraordinária, sejam apressadas e votadas.

É a coerência nos atos e nas palavras do governantes que dá credibilidade aos países e aos homens públicos. Por isso, Sr. Presidente, a firmeza do propósito e essa segurança fazem-nos, da forma como foi dito, afastar qualquer fantasma de não cumprimento de acordos.

Em meio ao turbilhão da semana passada, quando assediado por jornalistas sobre o nervosismo por que passa o mercado, o Presidente Lula respondeu que não estava nervoso e que não via razão alguma para as bruscas oscilações dos negócios com o dólar, que só subia, e na Bolsa de Valores, que descia. Disse Sua Excelência que estava muito tranqüilo.

Tudo não passou, como se viu prontamente, de uma nuvem tênue que não resistiu aos boatos de demissão do Presidente do Banco Central e dos fundamentos da economia, que não sofreram nenhuma alteração que justificasse o nervosismo. A única justificativa foi o costumeiro ganho, Sr. Presidente, dos especuladores financeiros, que se aproveitam desses boatos para auferir lucros fabulosos.

Com a segurança dos atos da sexta-feira, o Presidente Lula deixou para trás os boatos sobre a demissão do Presidente do Banco Central ao convocar o Dr. Henrique Meirelles para apresentar, na primeira reunião ministerial de 2004, os números da economia brasileira.

Outro fato que trouxe turbulência ao ambiente econômico foi a decisão do Cade de bloquear a compra da Garoto pela Nestlé.

Sr. Presidente, a decisão chegou a assustar alguns setores quando a Nestlé reagiu anunciando a suspensão dos investimentos que havia programado para fazer, principalmente no Espírito Santo, onde fica a sede da Garoto, contrariando uma regra muito conhecida de todos os conglomerados: uma boa lei de defesa da concorrência não espanta, mas atrai investimentos.

Aliás, os efeitos dessa fusão, iniciada há dois anos, e agora anulada, já se mostravam perversos para os empregados da própria Nestlé no Estado de São Paulo, onde a empresa passou a reduzir seu contingente de mão-de-obra, quando transferiu parte de sua produção para a Garoto.

Os 950 funcionários da fábrica da Nestlé, em Caçapava, São Paulo, vivem, hoje, um sentimento de insegurança muito parecido - e que foi denunciado aqui, neste plenário, por inúmeros Senadores - com o dos 3 mil empregados da sede da Garoto, em Vila Velha, Espírito Santo. A empresa é a maior empregadora da cidade.

Segundo o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Taubaté, Caçapava, Adílson Alvarenga, a Nestlé vem cortando postos de trabalho da cidade desde 1996. Naquele ano, a unidade empregava 2.400 pessoas.

Além de reduzir o número de empregos, a concentração também é perniciosa, principalmente para os fornecedores desses grandes conglomerados. A agonia da Parmalat comprovou isso ao deixar a ver navios cerca de 100 mil produtores de leite pelo País afora. Quem sabe o Cade não se espelhou no exemplo da Parmalat ao precipitar a decisão sobre a compra da Garoto pela Nestlé, já que o processo se arrastava há dois anos?

Em entrevista no jornal O Globo, na edição de ontem, o Presidente do Banco Central constatou a retomada do crescimento econômico nacional, com base nos indicadores positivos do desempenho industrial, da agricultura, do comércio e do setor de serviços em geral.

Senador Ramez Tebet, é com satisfação que concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Paulo Paim, é sempre uma honra aparteá-lo, mas também uma dificuldade interferir no pronunciamento de V. Exª tendo em vista a bela exposição que faz. O tema abordado por V. Exª diz respeito ao que todos desejamos, ou seja, o crescimento econômico. Aliás, uns dizem que se baixarem os juros, o País cresce; enfim, há várias opiniões quanto ao momento de se promover o crescimento econômico e o que é preciso para que isso aconteça. Entretanto, não tenho dúvida, há algo inquestionável. Tempos atrás, lutávamos para que o País tivesse estabilidade política. Conseguimos. As instituições funcionam plenamente, do ponto de vista democrático. Mas, como promover o crescimento econômico em um País que não há regras para a sua economia? Essa decisão do Cade é uma demonstração de que, no Brasil, os negócios sofrem oscilações e ninguém tem segurança. Na função principal do Cade, ele é um órgão importantíssimo para o nosso desenvolvimento, pois evita o monopólio e o cartel e faz com que haja concorrência. Entretanto, o Cade, três anos depois, dá uma decisão acerca de um negócio já fechado entre a Garoto e a Nestlé. Como, depois de três anos, o Cade pôde se pronunciar?! Isso é tempo interminável, Senador Paulo Paim! Diria a V. Exª que o Cade pode ter razão até do ponto de vista de sua concepção, da razão de ser de sua existência, mas ele não tem razão, porque não precisava de três anos para analisar se o negócio era bom, se convinha ou não ao País. Isso é incompetência, prova que não se tem rumo para a política econômica. Senador Paulo Paim, é preciso dar rumo à política econômica! Imagine V. Exª: querem investir no Brasil. Com que segurança é possível investir no Brasil, se, de repente, a pessoa que realizou um negócio nas barbas do Governo, um negócio aberto, transparente, depois de algum tempo, ouve de um órgão do próprio Governo que “isso não é bom aos interesses do País; que é necessário vender a parte comprada e que essa empresa teria tantos dias para vendê-la”. Isso leva inquietação aos trabalhadores e às suas respectivas famílias. São 3 mil trabalhadores! Também a Nação se inquieta, assim como as empresas, que - repito - não têm segurança, porque não existe uma política econômica definida no Brasil. Senador Paulo Paim, desculpe-me V. Exª, que é da base do Governo, como eu também sou, mas veja o que está ocorrendo com a recente decisão do Copom. O próprio Governo diverge entre si. Setores do Governo criticaram a decisão do Copom em manter os juros nos níveis em que se encontram; a outra parte fala em sentido contrário. O que o setor produtivo falará, Senador Paulo Paim? A situação é muito complicada. É preciso dar rumo ao País, estabelecer uma política econômica definida e, sobretudo, tomar decisões que tranqüilizem o mercado nacional. Dessa maneira, poderíamos melhorar. Porém, estamos dando exemplo de que não se deve investir no País, o que é muito ruim para nós que desejamos o crescimento econômico. Se V. Exª me permitir, apenas para encerrar o meu aparte, fala-se uma coisa hoje, e uma outra amanhã. Quando se discutiu o Orçamento para viger este ano, afirmou-se que faríamos um Orçamento real, ou seja, o que fosse aprovado estaria garantido. E o que está ocorrendo? Anuncia-se um corte no Orçamento de 4 a 6 bilhões de reais, que seriam investidos nos Municípios e nos Estados, que aguardam tais recursos para obras de infra-estrutura. Em suma, corta-se o Orçamento e pronto! Ora, Senador, creio que V. Exª, ao fazer essa análise, no fundo está querendo afirmar aquilo que declarei, não no sentido de colaborar, pois o pronunciamento de V. Exª está completo, mas para eu manifestar aquilo que estou pensando nessa hora.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Ramez Tebet, V. Exª foi bastante feliz em seu aparte, pois acompanhou a reflexão que faço, inclusive acerca da questão da Parmalat, um caos instalado nacionalmente. Quanto ao Cade, trata-se de um processo que se arrastava há dois anos.

Continuo, Sr. Presidente.

Henrique Meirelles negou que o Banco Central tivesse alguma responsabilidade na turbulência da semana passada e afirmou que simplesmente apontou indícios de inflação que devem ser analisados. A transparência na ação do Banco Central em não manipular informações dá credibilidade e deve ser vista como fator de estabilidade, como ocorre em todo o mundo.

É essa coerência do Governo que nos faz acreditar que os desafios estão sendo vencidos e que os novos investimentos - e esse é o eixo do meu pronunciamento - como o que a General Motors vem fazendo na unidade de Gravataí, que gerarão, de imediato, 1.500 novos empregos, vêm ao encontro da vocação que tem o nosso País para o crescimento.

O Sr. Gerson Camata (Sem Partido - ES) - Senador Paulo Paim, permita-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Pois não, Senador Gerson Camata. Conheço a posição e a preocupação de V. Exª para com o assunto, do qual falei en passant, que é a questão da compra da Garoto pela Nestlé e da insegurança de 3 mil empregados no Espírito Santo. V. Exª me inspirou a fazer este pronunciamento quando falou sobre o assunto na semana passada, oportunidade em que eu presidia os trabalhos.

O Sr. Gerson Camata (Sem Partido - ES) - Senador Paulo Paim, inicialmente agradeço a V. Exª por citar o problema que o Espírito Santo vive. Agradeço também ao Senador Ramez Tebet pelo apoio que vem dando na busca da solução que pretendemos para o Espírito Santo. Nossa posição não é contra o Governo. Queremos ajudá-lo. Amanhã, toda a população do Espírito Santo, juntamente com o Governador, Deputados, Vereadores e Prefeitos, abraçarão a fábrica da Garoto, como uma forma de dizer que querem que continue funcionando e de protestar contra a atitude do Cade. Senador Paulo Paim, V. Exª falou sobre investimentos. A Nestlé estava se preparando para construir a maior fábrica de café solúvel do mundo na cidade de Colatina. O Espírito Santo é o maior produtor de café robusta do mundo - o segundo maior é a Costa do Marfim -, que é utilizado para a fabricação do café solúvel. Esses grandes investimentos poderão continuar caso a decisão seja revista. As exigências do Cade são gradativas. No caso do laboratório Anakol/Colgate, o Cade determinou que poderia haver a fusão se a marca Kolynos fosse retirada do mercado, pois a consideravam muito forte. Retiraram-na e houve a fusão. No caso da AmBev, a fusão seria possível se vendessem a Bavária para a empresa canadense Molson. A venda foi feita e a fusão aprovada. Ora, quanto aos cobertos de chocolate, a Nestlé ficaria com 38% ou 42% do mercado. Disseram que ela poderia usar as máquinas, mas não poderiam mais funcionar. Era melhor vender as máquinas para um terceiro, porque são máquinas muito modernas as usadas na Garoto. Vamos solicitar uma reunião da Comissão de Assuntos Econômicos onde comparecerão o Governador e autoridades do Espírito Santo. Queremos encontrar uma forma para que a Garoto continue crescendo, para que a Nestlé continue investindo na Garoto e possam construir essa fábrica de café solúvel que se destina tão-somente à exportação. Queremos ajudar o Governo. Não estamos aqui para atrapalhar. Consideramos a decisão um pouco precipitada, mas pensamos que podem voltar atrás. Acreditamos que há meios de se fazer isso. Quando, por exemplo, fala-se que há 120 dias para vender a fábrica, esta já desvalorizou, tendo que ser vendida na bacia das almas, correndo. Como se comprar uma fábrica que estava fechando fosse cometer um crime! “Ah, você vai ser punido! Teria que deixar a fábrica fechar! Você deixou a fábrica funcionando? Não pode!” Ao contrário: queremos a fábrica funcionando! Queremos o Governo apoiando! Queremos criar empregos! Todos vivemos no Brasil e temos que torcer para que o Governo do Lula dê certo, para que tenhamos empregos para os nossos amigos, parentes, eleitores, para que haja felicidade no Brasil e que o Brasil cresça! Esse é o desafio que fazemos e é com essa vontade que agradecemos a V. Exª, Senador Ramez Tebet, e aos demais companheiros que têm marchado nesse sentido, ao lado do Estado do Espírito Santo. Muito obrigado!

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Gerson Camata, cumprimento V. Exª e, ao mesmo tempo, venho à tribuna cumprimentar o Governador Germano Rigotto, que é do PMDB do Rio Grande do Sul, pelo investimento que a GM fará em nosso Estado, gerando, direta e indiretamente, quase cinco mil empregos. Naturalmente, cito, em meu pronunciamento, a preocupação com os três mil empregos que poderá perder o Espírito Santo. Tenho dito, Senador Gerson Camata, que, embora devido à própria Constituição, estejamos aqui representando os Estados, não há como não termos uma visão de País. Por isso, o emprego é uma questão nacional, e, é claro, vamos trabalhar sempre para fazer com que seja fortalecido em todos os Estados, ou seja, para que aumente em todo o País.

Para concluir, Sr. Presidente, eu não poderia deixar de vir à tribuna, sem comentar o bárbaro assassinato que aconteceu em São Paulo. O dentista Flávio Ferreira Sant’Ana foi assassinado por policiais na zona norte de São Paulo. Os policiais primeiro atiraram e depois descobriram que a vítima era inocente.

“Meu filho foi morto por ser negro. Foi puro preconceito.” São palavras do pai do dentista Flávio Ferreira, 28 anos, que impediu no último momento que seu filho fosse enterrado como indigente.

Esse moço, um dentista, havia levado a noiva, que mora no exterior, ao aeroporto de São Paulo e, quando retornava, foi assassinado.

Os policiais estão presos. Foi aberto inquérito policial. Mas, Sr. Presidente, foi uma agressão vergonhosa aos direitos humanos e ao Estado de direito, numa visão preconceituosa que, infelizmente, está ainda na formação de muitos dos nossos policiais. As regras do Estado de direito não devem ser válidas para fatos como esse, quando o cidadão é negro.

É o racismo, que hierarquiza os seres humanos, que autoriza a violência arbitrária contra os afro-brasileiros.

Esperamos que a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo não permita que os assassinos de Flávio Ferreira Sant’Ana, um jovem de 28 anos e com um futuro promissor, fiquem impunes.

As práticas arbitrárias da polícia de muitos lugares do Brasil, a tortura nas delegacias e o assassinato de inocentes, como foi o caso de um jovem, não negro, branco, estudante, no Rio de Janeiro, ferem profundamente o Estado democrático. Precisamos reagir a essas agressões.

Sr. Presidente, concluindo, sou obrigado a citar que assisti hoje, ao meio-dia, num jornal local de Brasília, a uma reportagem sobre o episódio envolvendo sete negros, que foram convidados para uma audiência, hoje, com a Ministra Chefe da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Eles chegaram a Brasília, alojaram-se numa pousada e, depois, os sete foram convidados a se retirarem, porque eram negros. Este foi o dado que foi passado por escrito: “porque poderiam sujar os lençóis”. Essa é uma declaração dada pelo Delegado sobre a dona da pensão, cujo nome pretendo trazer aqui amanhã.

Por isso tudo, Sr. Presidente, pode ser que muitos não entendam a minha insistência, na tribuna, quase que semanalmente, na luta contra os preconceitos, não só da questão da comunidade negra. É uma realidade que está aí, não vê quem não quer!

E o apelo que, mais uma vez, faço, Sr. Presidente, é que aprovemos, rapidamente, o Estatuto da Igualdade Racial, para que todo aquele que discrimina o cidadão, por raça, por cor, por etnia, por religião, por idade, saiba que esses são crimes que não prescrevem, são inafiançáveis e ele vai para a cadeia.

Quero dizer, Sr. Presidente, que recebi com alegria, um comunicado em meu gabinete do Parlamento dos Estados Unidos da América, dizendo que os Senadores e Deputados daquele país estão fazendo um abaixo-assinado para que o Estatuto da Igualdade Racial, por nós apresentado aqui no Brasil, seja aprovado rapidamente.

Devo receber esse documento, assinado por Deputados e Senadores dos Estados Unidos, já na semana que vem. E já me comprometi a entregá-lo ao Presidente da República e aos Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, numa demonstração apenas de solidariedade, devido aos inúmeros casos explícitos, claros que vêm ocorrendo em nosso País, no tocante ao preconceito racial.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2004 - Página 3459