Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Trabalho escravo no Brasil. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Trabalho escravo no Brasil. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2004 - Página 3733
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, FAMILIA, FISCAL DO TRABALHO, APURAÇÃO, EXISTENCIA, TRABALHO ESCRAVO, CAMPO, VITIMA, HOMICIDIO.
  • COMENTARIO, DADOS, COMISSÃO, IGREJA CATOLICA, CONFIRMAÇÃO, CRESCIMENTO, CONFLITO, CAMPO, TRABALHO ESCRAVO, ESTADOS, PAIS, SUPERIORIDADE, ESTADO DO PARA (PA).
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, VIABILIDADE, MELHORIA, ATUAÇÃO, PODER PUBLICO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, ESPECIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, TASSO JEREISSATI, SENADOR, ADEMIR ANDRADE, EX SENADOR.
  • ENCAMINHAMENTO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, GOVERNO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna prestar a minha solidariedade, solidariedade, aliás, que não faltou ao Senado Federal nem ao Governo da União, aos familiares dos Fiscais de Trabalho que foram brutalmente assassinados enquanto desempenhavam o relevante papel de descobrir a existência de trabalho escravo no campo. Chamo a atenção para o fato de que essa investigação estava sendo realizada em região próxima dos Poderes da Nação brasileira. Portanto, ao lado do bárbaro crime individual, o próprio corpo de funcionários e a instituição do Ministério do Trabalho foram ofendidos. Aliás, Sr. Presidente, a simples existência de trabalho escravo no Brasil é uma ofensa a toda a sociedade brasileira.

Dados parciais da Comissão Pastoral da Terra, divulgados em dezembro de 2003, revelam que a existência de trabalho escravo, apesar de toda a ação do Governo Federal, apresentou considerável crescimento em relação aos anos anteriores. Foram recebidas denúncias de 223 situações em que estaria havendo ocorrência de trabalho escravo, envolvendo 7.560 pessoas. Esse número de situações foi 51,7% maior que o total do ano de 2002, que teve 147 ocorrências, e 35% maior no número de pessoas que aquele ano, que teve 5.559 pessoas envolvidas. Dessas situações, 144 foram fiscalizadas, tendo sido libertados 4.725 trabalhadores. O Pará continua sendo o Estado com o maior número de ocorrências: 169 denúncias envolvendo 4.464 pessoas. Oitenta dessas denúncias foram fiscalizadas e 1.765 trabalhadores libertados.

Assim, reconheço que há uma ação contínua e crescente do Governo Federal - os dados indicam -, mas a reação do latifúndio ainda torna insuficiente toda medida capaz de prevenir a violência no campo neste Brasil.

Ainda segundo dados da CPT, foram registrados, de janeiro a novembro de 2003, 1.197 conflitos no campo, número 36% maior que o registrado em igual período de 2002, que foi de 879.

As ocupações e os acampamentos tiveram aumento considerável: 328 ocupações em 2003 contra 176 em 2002. O número de famílias que participaram de ocupações este ano foi de 54.368, contra as 26.958 durante o ano de 2002.

É necessário, então, agilizar a aprovação das legislações que possam melhorar a ação do Poder Público.

Portanto, lembro aos senhores da existência do Projeto de Lei nº 208, de 2003, do Senador Tasso Jereissati, que busca na área do Direito Civil, Penal e Administrativo, através de indenizações e multas volumosas aos libertos, suas famílias e ao Ministério Público do Trabalho, dotar o Poder Público de maiores e melhores condições de estancar esse cancro absurdo que acontece em pleno século XX em nosso País.

Apresentei, Sr. Presidente, seis emendas a esse projeto de lei, de comum acordo com a assessoria do Senador Tasso Jereissati, buscando exatamente aprimorar as sanções penais, aumentando as penas, tornando-as mais graves, além de criar novas hipóteses de crimes e suas qualificadoras, que melhor tipifiquem as condutas dos denominados “gatos” - que são aqueles que induzem os trabalhadores à escravidão -, mas também aumentem a pena dos proprietários da terra onde se encontre trabalho escravo.

Aproveito também a oportunidade para dizer que tramita na Câmara dos Deputados uma PEC, de iniciativa do ex-Líder do PSB no Senado Ademir Andrade, que expropria os imóveis onde forem encontrados trabalhadores escravos.

Apesar da propaganda que está sendo veiculada na mídia, evidentemente que o hodierno trabalho escravo em nada se assemelha ao trabalho escravo que existiu no Brasil até o século XIX. É que, enquanto o trabalho escravo dos negros e indígenas se caracterizava por eles serem a própria propriedade do senhor; nos dias atuais, a escravidão se dá na mão-de-obra livre. Nesta, com a separação entre trabalhador e sua força de trabalho, o trabalhador, em tese, pode e deve vender a sua força de trabalho a quem queira comprá-la. Na escravidão do negro no Brasil, o próprio trabalhador era objeto, mercadoria, que poderia ser vendido ou comprado, independentemente de sua vontade.

Além disso, a antiga escravidão era racial, enquanto que a escravidão atual não coincide necessariamente com diferenças de raça entre senhores e escravos, pois as denúncias nos falam de grupos tribais da Amazônia submetidos ao cativeiro de donos de barracões na extração da borracha, e até de mestiços de todos os matizes trabalhando em desmatamento na Amazônia, em cultivo de café em Minas Gerais ou no corte da cana no Estado de Mato Grosso do Sul. E nos falam, também, de louros descendentes de italianos e alemães recrutados por traficantes e vendidos a fazendas de reflorestamento no Paraná. Recentemente, os principais veículos de comunicação social mostraram pessoas originárias do Peru e da Bolívia submetidas a trabalho escravo em indústria do Estado de São Paulo.

Srªs e Srs. Senadores, a bem da verdade, as atuais circunstâncias sociais do trabalho criam condições favoráveis à escravidão moderna. É que muitos trabalhadores, principalmente das zonas rurais, cada vez mais têm enfrentado dificuldades de inserção social. Desde longos anos, o Brasil convive com a existência do grande latifúndio, da deterioração dos preços agrícolas em relação aos preços dos produtos e serviços agrícolas, geratriz da cultura de se libertar a mão-de-obra nos períodos da entressafra agrícola. Assim, geralmente os trabalhadores se deslocam para as grandes cidades procurando trabalho (na construção civil, por exemplo), ou para outras zonas rurais carentes de mão-de-obra agrícola, para trabalharem temporariamente (os bóias-frias, por exemplo), ou para zonas pioneiras (como na Amazônia ou no Centro-Oeste).

Sr. Presidente, assim, a alternativa que se abre para esses trabalhadores é fecunda para que ocorra ou a sobreexploração ou para que eles sejam reduzidos à condição de escravos.

Ora, acreditando o trabalhador que deve ao patrão e estando constantemente sob uma subordinação fundada no controle e repressão, tentar fugir ou resistir é para o trabalhador como se estivesse descumprindo a palavra empenhada quando fora recrutado.

Assim, é chegada a hora de uma mudança das relações de trabalho e da relação no campo. Do novo pacto sobre a relação capital/trabalho, o momento é único e o Brasil necessita, pois estamos contando com um operário, um sindicalista que transformou o sindicato em instrumento de reivindicação.

Portanto, Sr. Presidente, o combate ao trabalho escravo passa por um novo pacto das relações sociais na área da reforma agrária e trabalhista. O Legislativo deverá cumprir seu papel aprovando as medidas legislativas o mais rápido possível.

Sr. Presidente, tentando colaborar com a sociedade brasileira, com o Senado da República, encaminho a V. Exª requerimento a que já dei entrada nesta Casa, que solicita informações ao Ministro do Trabalho e Emprego sobre o combate ao trabalho escravo no Brasil, promovido pelo grupo de fiscalização móvel daquele Ministério. São algumas indagações que, certamente, irão esclarecer melhor a situação da escravidão ainda reinante no Brasil, por incrível que pareça.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna do Senado Federal, em um momento de muita tristeza, prestar minha solidariedade aos familiares dos fiscais do trabalho que foram brutalmente assassinados enquanto desempenhavam o relevante papel de descobrir a existência de trabalho escravo no campo. Chamo atenção para o fato de que essa investigação estava sendo realizada em região próxima dos Poderes da Nação brasileira! Portanto, ao lado do bárbaro crime individual, o próprio corpo de funcionários e a instituição do Ministério do Trabalho foram ofendidos. Aliás, senhor Presidente, a simples existência de trabalho escravo no Brasil é uma ofensa a toda sociedade brasileira!

Dados parciais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados em dezembro de 2003, revelam que a existência de trabalho escravo, apesar de toda a ação do governo federal, apresentou considerável crescimento em relação aos anos anteriores. Foram recebidas denúncias de 223 situações onde estaria havendo ocorrência de trabalho escravo, envolvendo um número de 7.560 pessoas. 51,7% maior que o total do ano 2002, com 147 situações, e 35% maior no número de pessoas, 5.559. 144 destas situações foram fiscalizadas e 4.725 trabalhadores libertados. O Pará continua sendo o estado com o maior número de ocorrências, 169 denúncias envolvendo 4.464 pessoas. 80 destas denúncias foram fiscalizadas (47,3% do total das denúncias) e 1.765 trabalhadores libertados.

Assim, reconheço que há uma ação contínua e crescente do governo federal (os dados indicam), mas a reação do latifúndio ainda torna insuficiente todas as medidas adotadas e a violência no campo graça em nossa terra.

Ainda segundo dados da CPT, foram registrados de janeiro a novembro de 2003, 1.197 conflitos no campo, número 36% maior que o registrado em igual período de 2002 (879).

As ocupações e os acampamentos tiveram aumento considerável. 328 ocupações, em 2003, contra 176, em 2002. Um crescimento de 86.36%. Já o número de acampamentos foi 209% maior neste ano, 198, contra 64 no ano passado. O número de famílias que participaram de ocupações este ano foi de 54.368, contra 26.958 durante todo o ano de 2002, 101, 6%. a mais. Já o número de famílias que acamparam chegou a 44.087, contra 10.750 durante todo o ano passado, 310% a mais do que todo o ano de 2002.

É necessário, então, agilizar a aprovação das legislações que possam melhorar a ação do Poder Público.

Portanto, lembro aos senhores senadores, da existência do Projeto de Lei nº 208/2003 do senador Tasso Jereissati que busca na área do Direito Civil, Penal e Administrativo - através de indenizações e multas volumosas aos libertos, suas famílias e ao Ministério do Trabalho, dotar o Poder Público de maiores e melhores condições de espancar esse cancro absurdo que é em pleno século XXI, termos a presença do trabalho escravo!

Apresentei 6 emendas a esse Projeto de Lei, de comum acordo com a assessoria do senador Jereissati, buscando exatamente aprimorar as sanções penais, aumentando as penas, tornando-as mais graves, além de criar novas hipóteses de crimes e suas qualificantes, que melhor tipificam as condutas dos denominados “gatos” - que são aqueles que induzem os trabalhadores à escravidão -, mas também aumenta a pena dos proprietários da terra onde se encontre trabalho escravo.

Aproveito também a oportunidade para dizer que tramita na Câmara dos Deputados uma PEC de iniciativa do ex-líder do PSB no Senado (Ademir Andrade) que expropria os imóveis onde forem encontrados trabalhadores escravos, convertendo a terra para a reforma agrária - a semelhança do que já é previsto para imóveis com cultivo de plantas psicotrópicas (art. 243 da CF/88).

Apesar da propaganda que está sendo veiculada na mídia, evidentemente que o hodierno trabalho escravo em nada se assemelha ao trabalho escravo que existiu no Brasil até o século XIX. É que enquanto o trabalho escravo dos negros e indígenas se caracterizava por eles serem a própria propriedade do senhor; nos dias atuais, a escravidão se dá na mão-de-obra livre. Nesta, com a separação entre trabalhador e sua força de trabalho, o trabalhador em tese pode e deve vender a sua força de trabalho a quem queira comprá-la. Na escravidão do negro no Brasil, o próprio trabalhador era objeto, mercadoria, que poderia ser vendido ou comprado, independentemente de sua vontade.

Além disso, a antiga escravidão era racial, enquanto que a escravidão atual não coincide necessariamente com diferenças de raça entre senhores e escravos, pois as denúncias nos falam de grupos tribais da Amazônia submetidos ao cativeiro de donos de barracões na extração da borracha, até mestiços de todos os matizes trabalhando em desmatamento na Amazônia, em cultivo de café em Minas Gerais ou no corte da cana no Mato Grosso do Sul. E nos falam, também, de louros descendentes de italianos e alemães recrutados por traficantes e vendidos a fazendas de reflorestamento no Paraná. Recentemente, os principais veículos de comunicação social mostraram pessoas originárias do Peru e da Bolívia, submetidas a trabalho escravo em indústria de São Paulo.

Senhoras e senhores Senadores, a bem da verdade é que as atuais circunstâncias sociais do trabalho criam condições favoráveis à escravidão moderna. É que muitos trabalhadores, principalmente das zonas rurais, cada vez mais têm enfrentado dificuldade de inserção social. Desde longos anos o Brasil convive com a existência do grande latifúndio, da deterioração dos preços agrícolas em relação aos preços dos produtos e serviços agrícolas, geratriz da cultura de se liberar a mão-de-obra nos períodos da entressafra agrícola. Assim, geralmente os trabalhadores se deslocam para as grandes cidades procurando trabalho (construção civil, por exemplo), ou para outras zonas rurais carentes de mão-de-obra agrícola, para trabalharem temporariamente (bóias-frias, por exemplo), ou para zonas pioneiras (como áreas da Amazônia ou Centro-Oeste).

Assim, a alternativa que se abrem para esses trabalhadores é fecunda para que ocorra, ou a sobreexploração ou para a que eles sejam reduzidos à condição de escravos. Para esta última hipótese, entendemos que, diante da plena necessidade e carência, ausência de qualquer rede de proteção social, criam-se mecanismos modernos de endividamento artificial e formas de controle e repressão, geralmente envolvendo violência física e confinamento, para assegurar que o trabalhador não escapará e se submeterá ao trabalho até que a tarefa esteja concluída.

Ora, acreditando o trabalhador que deve ao patrão e estando constantemente sobre uma subordinação fundada no controle e repressão, tentar fugir ou resistir é para o trabalhador como se estivesse descumprindo a palavra empenhada quando fora recrutado. Assim, o trabalhador é incapaz de violar o princípio moral em que se apóia a relação de trabalho.

Assim, é chegada a hora de uma mudança das relações de trabalho e da relação no campo. Do novo pacto sobre a relação capital trabalho, o momento é único e o Brasil necessita, pois estamos contando com um operário, um sindicalista que transformou o sindicato em instrumento de reivindicação por melhores condições de trabalho e também de participação popular.

Por outro lado, como nos diz a CPT - “a eleição de Lula para a Presidência da República criou dois processos diferentes no campo. Por um lado, os movimentos dos trabalhadores do campo sentiram que o momento histórico que viviam era o que possibilitaria a realização da reforma agrária. Para mostrar a confiança e para pressionar o governo a realmente concretizar a distribuição de terra prometida, aumentaram consideravelmente os acampamentos, as ocupações e as mobilizações.

Estou apresentando um requerimento de informação ao Ministério do Trabalho, a fim de que nos seja informado quais as medidas que estão sendo adotadas para coibir o aumento das situações onde estariam ocorrendo trabalhos escravos, assim como qual a infra-estrutura de pessoal, equipamentos e recursos financeiros disponibilizados para o chamado “grupo de fiscalização móvel”.

O combate ao trabalho escravo passa por um novo pacto das relações sociais na área da reforma agrária e trabalhista. O Legislativo deverá cumprir o seu papel, aprovando as medidas legislativas o mais rápido possível, assim como, passado os transtornos sofridos pela economia nacional no ano 2003, é necessário a disponibilização de recursos por parte do Executivo para as equipes que fiscalizam e libertam trabalhadores escravizados.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2004 - Página 3733