Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos trabalhos de comissão externa do Senado que visitou Roraima para averiguar a questão dos conflitos entre indígenas e agricultores naquele Estado.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Registro dos trabalhos de comissão externa do Senado que visitou Roraima para averiguar a questão dos conflitos entre indígenas e agricultores naquele Estado.
Aparteantes
Augusto Botelho, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2004 - Página 3769
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, VISITA, ESTADO DE RORAIMA (RR), RESERVA INDIGENA, APURAÇÃO, PROBLEMA, CONFLITO, INDIO, AGRICULTOR, REGIÃO, ESFORÇO, BUSCA, SOLUÇÃO, DIVERSIDADE, COMUNIDADE INDIGENA.
  • CRITICA, CONDUTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ADIAMENTO, COMPARECIMENTO, SENADO, ESCLARECIMENTOS, APURAÇÃO, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, CONFLITO, INDIO, AGRICULTOR, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • PROPOSIÇÃO, CONVOCAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), COMPARECIMENTO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, ASSUNTO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos dias 6 e 7 de fevereiro, sexta-feira e sábado, respectivamente, esteve em Roraima a Comissão Temporária Externa do Senado, designada pela Mesa, atendendo a um requerimento de minha autoria de julho do ano passado, para ouvir todos os envolvidos na questão fundiária do Estado. Refiro-me ao sentido amplo da palavra, ou seja, às terras sob o domínio do Incra e do Ibama, as terras da União de um modo geral, notadamente a chamada Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

A Comissão ouviu o Governador, os três prefeitos envolvidos na área, o representante dos produtores, o Presidente da OAB, os dirigentes das entidades indígenas que compõem o espectro das entidades indígenas de Roraima e visitou in loco a comunidade indígena da Serra do Sol e a comunidade indígena da Raposa, além de visitar também a sede do Município de Uiramutã, onde se encontra essa reserva indígena. A finalidade era trazer um retrato fiel da realidade daquele problema no Estado.

Constatamos que há uma situação conflitiva entre as diversas etnias de índios lá existentes, basicamente entre índios que moram numa determinada comunidade contra índios que moram em outra comunidade. Inclusive, os índios estão fazendo um bloqueio na estrada que dá acesso à comunidade da área indígena Raposa Serra do Sol, permitindo somente a entrada de índios e não-índios brasileiros, bloqueando, portanto, a entrada de qualquer estrangeiro, já que a manipulação dessa questão tem sido, segundo eles, promovida por estrangeiros. Tanto é que a Polícia Federal prendeu quatro italianos que tinham visto de turista, mas estavam lá trabalhando como cinegrafistas, repórteres e fotógrafos, documentando uma reunião na comunidade de Maturuca, sede do movimento minoritário que deseja impor a demarcação da área de forma contínua, inclusive extinguindo o Município do Uiramutã, proibindo o acesso a qualquer pessoa às rodovias federais e estaduais e com a intenção de retirar a guarnição do Exército Nacional lá instalada.

A Comissão teve a oportunidade de ouvir todos e possui toda documentação. Os técnicos da Consultoria Legislativa estão produzindo um relatório, que deverá conter também sugestões de medidas legislativas e sugestões ao Poder Executivo. Houve também um grupo de trabalho que estudou a questão. E que, assim, possamos somar os esforços e encontrar uma solução que pacifique meu Estado e as etnias indígenas lá existentes.

Gostaria de registrar que estivemos no extremo norte, na chamada Serra do Sol, e visitamos a comunidade indígena dos Ingarikó, que disseram claramente - poucos falam português, mas os que falam traduziram o sentimento - que não querem misturar a área deles com a de outros índios, os Makuxi, os Wapixana, os Taurepang. Eles querem ter claramente definida qual é a área dos Ingarinkós.

Vejam bem a mentira que vem sendo repetida por diversas vezes, de que todos os índios pensam do mesmo jeito. Não é verdade. Lamento muito que essa situação não esteja sendo levada a sério, com isenção, para buscar uma fórmula que atenda a todo mundo.

E mais ainda, quero fazer um registro - agora não mais como membro da Comissão, mas como um Senador pelo Estado de Roraima - a respeito da postura do Ministro da Justiça, que tem procurado postergar uma decisão. O Ministro foi ao Estado de Roraima a mando do Presidente, disse que ia ouvir todo mundo, como ouviu, e que iria produzir um relatório para que o Presidente pudesse decidir de forma isenta. E antes que o grupo interministerial acabasse seus trabalhos, S. Exª já anunciou uma decisão sobre a área indígena Raposa Serra do Sol, contrariando tudo o que viu lá.

E o que é pior: convidado a vir à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, por iniciativa do seu Presidente, para prestar esclarecimentos, tirar todas as dúvidas que os outros Senadores possam ter, o Sr. Ministro já adiou pela quarta vez a sua vinda aqui, postergando uma situação que é séria e conflituosa. O Ministro viria na quinta-feira e já avisou que não vem, porque vai a Tabatinga. S. Exª não pode deixar de ir a Tabatinga na sexta-feira para comparecer aqui, atendendo a um chamado do Senado Federal.

Assim, dada a gravidade do caso, Sr. Presidente, vou propor que o Ministro seja convocado a comparecer à Comissão. S. Exª está se julgando acima do bem e do mal em não aceitar um convite do Senado Federal. Então, precisamos nos fazer respeitar e convocar o Ministro para que venha e diga, já que tem uma opinião formada e não está agindo como magistrado, exatamente por que está tomando essa decisão. E nós, como Senadores, veremos o que poderemos fazer.

Considero uma deselegância essa atitude do Sr. Ministro de adiar por quatro vezes o seu comparecimento à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para tratar de um assunto que é muito sério, urgente, eu diria mesmo emergencial. E o Ministro fica adiando, dando a entender até que está esperando uma decisão, um fato consumado para depois vir aqui dizer que as coisas já estão feitas.

Então, ao tempo em que registro o trabalho da Comissão que foi a Roraima, lavro também o meu protesto pela forma como o Ministro da Justiça - observem o nome: Justiça - vem conduzindo, na minha visão de maneira injusta, essa questão.

Vejo que o Senador Eduardo Suplicy, Presidente da Comissão, acena pedindo um aparte. Concedo com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Mozarildo Cavalcanti, tenho acompanhado o enorme interesse de V. Exª no sentido de tentar contribuir para resolver esse sério problema da demarcação das áreas indígenas, do conflito que tem havido entre índios e agricultores no Estado de Roraima. Sou solidário com V. Exª em relação ao empenho de que a nossa Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional possa contribuir, ouvindo as partes, para uma solução. Na manhã de hoje, V. Exª estava viajando quando o procurei, para informar que o Ministro Márcio Thomaz Bastos nos comunicou que faria uma visita a Tabatinga - deve estar viajando para lá neste instante -, e voltaria na madrugada de quinta-feira. Como na próxima quinta-feira, às 10 horas, virão os dois Governadores, de Roraima e Mato Grosso do Sul, e os representantes do Ministério Público, talvez fosse mais interessante e produtivo que S. Exª viesse no próximo dia 19 ou no dia 4 de março. Como talvez alguns Senadores, no dia 19, já estejam ausentes pela proximidade da semana do Carnaval, avaliamos que seria mais seguro que S. Exª viesse no dia 4 de março. Cheguei a ponderar com o Sr. Ministro que V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti, tem demonstrado a sua preocupação de que a vinda de S. Exª à Comissão estaria prejudicada caso só ocorresse depois de definida a questão de demarcação da área. Diante dessa observação, S. Exª disse - e reiterou hoje, perante os membros da Comissão de Constituição e Justiça, e estavam presentes ali pelo menos oito membros da nossa Comissão, como o Senador Eduardo Azeredo, a Senadora Patrícia Saboya Gomes, os Senadores Antonio Carlos Magalhães, Marcelo Crivella e tantos outros, creio que o Senador José Jorge, relator da proposta, tinha se ausentado naquele instante - que poderia informar aos Senadores, incluindo o Senador Mozarildo Cavalcanti, que não será tomada decisão relativa ao problema de demarcação de área antes se sua vinda aqui. Acredito que o fato de S. Exª ter estado hoje aqui no Senado para discutir a reforma tributária demonstra sua disposição de dialogar com os Senadores. Compartilho do anseio de V. Exª de ver o assunto resolvido o quanto antes. Se fosse por minha vontade - V. Exª sabe disso - teríamos a presença dos Ministros, dos Governadores, do Ministério Público na próxima quinta-feira, mas há todas essas questões. É possível que o Ministro, que deve vir acompanhado do Presidente da Funai e do Ministro José Viegas, deseje ter condições para dirimir todo e qualquer problema. Aproveito a oportunidade para cumprimentar V. Exª e os demais membros da Comissão Externa, os Senadores Jefferson Péres, Delcídio Amaral...V. Exª pode me ajudar?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - O Senador João Ribeiro.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - E quem mais?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - O Senador Romero Jucá e eu.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Que os cinco membros possam comparecer quinta-feira próxima para nos transmitir o relato daquilo que viram e, nesse sentido, interagirem com o depoimento do Governador Flamarion Portela, bem como com o Ministério Público. Tudo isso trará mais conhecimento do problema aos membros da Comissão. Quero cumprimentá-lo pelo seu empenho na questão. Sou testemunha de que V. Exª não deixará a tribuna do Senado enquanto esse problema não estiver suficientemente dirimido. É nosso dever contribuir para que o problema se resolva.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Ouvirei as palavras do Senador Augusto Botelho antes de responder ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, nós que vivemos em Roraima sabemos para que ponto a questão está sendo encaminhada. A Comissão teve a oportunidade de ouvir as pessoas mencionarem derramamento de sangue - em alguns discursos, ouvimos essas palavras. O Ministro também tem conhecimento da questão. Por isso, fiquei satisfeito quando o Senador Eduardo Suplicy disse-nos que S. Exª ainda virá aqui antes de tomar uma decisão. No entanto, já perdi a confiança no Ministro da Justiça, porque S. Exª esteve lá como pacifista e levou uma folha em branco. Para mim, S. Exª saiu com a folha em branco porque já tinha a decisão - e tomou a decisão que conhecemos. Se houver mortes em Boa Vista em conseqüência dessa decisão, tomada contrariamente à vontade do povo que habita a região, a responsabilidade será do Sr. Ministro e também do Senhor Presidente, porque, segundo a Drª Deborah Duprat, o Presidente só assina portarias, não resolve nada.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Só confere.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Apenas confere e assina a portaria - mas não sei se é bem assim, não! É uma irresponsabilidade desta República deixar que um burocrata, com seu ponto de vista apenas antropológico, decida sobre as terras dos Estados nas questões indígenas. As populações não são respeitadas. São tratadas como invasoras e corrutelas - corrutela é prostíbulo de garimpo. As populações são tratadas pelas organizações não-governamentais e até por alguns funcionários da Funai como invasoras e corrutelas. Invasor que já está na terceira geração? Ele invadiu a área no espermatozóide do avô dele ou do bisavô e no óvulo da bisavó, da tetravó; não foi ele pessoalmente. É uma invasão meio estranha! Esses invasores, que também são chamados de fazendeiros - erroneamente passam a imagem de fazendeiros -, não podem ser comparados aos fazendeiros de Mato Grosso, Rondônia ou Paraná. Em Roraima, chamam de fazendeiro qualquer produtor rural que tenha cinco ou seis cabeças de gado. Os que possuíam mais que isso já foram expulsos da região, porque a orientação das ONGs era no sentido de que os indígenas comeriam a carne do gado, invadiriam terras e criariam problemas, ou seja, houve uma instabilidade social, e os fazendeiros se afastaram. Os remanescentes são os que gostam do lugar, são os que sentem que ali é a sua terra; são pessoas pobres cujas famílias já estão lá há duas ou três gerações. Por isso, mesmo estando há pouco tempo nesta Casa, com o objetivo de defender os pobres, fico triste quando vejo que o Presidente da República, que veio da classe pobre, talvez tome uma atitude no sentido de tirar os pobres das suas casas para jogá-los na miséria da periferia da cidade. Lá, eles vivem com dignidade e como família. Quando chegam a Boa Vista, vão visitar as prostitutas, os filhos dos habitantes da região se prostituem assim como os indígenas, que são mestiços. Muitos são casados com índias. Entramos nos presídios e ficamos tristes ao perceber que grande percentual dos presos tem características físicas e biótipos de indígenas. Sou de Roraima, vivo lá e sei que essa solução, que querem meter pela goela do nosso Estado, não atende às necessidades das pessoas que lá habitam. Pode atender às necessidades das ONGs, que têm outros interesses. Para encerrar, volto a fazer a mesma pergunta para a qual nunca obtive nenhuma resposta das autoridades do País: por que as áreas indígenas do meu Estado são sempre alocadas, colocadas, plotadas em cima das províncias minerais? É essa a pergunta - sei que V. Exª também não sabe a resposta - que torno pública. Quero ver se alguém no Brasil é iluminado o suficiente para me responder. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero dizer, Senador Eduardo Suplicy, que realmente sou testemunha do empenho de V. Exª como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Foi iniciativa de V. Exª, inclusive, chamar a Comissão à reflexão sobre esse problema. Tive oportunidade de apresentar um requerimento convidando os Ministros da Defesa, da Justiça e o Governador de Roraima, aditado pelo Senador Juvêncio da Fonseca, que convidou o Governador do Mato Grosso do Sul, para debatermos o assunto. Portanto, V. Exª realmente se tem empenhado.

Minha crítica ao Ministro da Justiça não diz respeito, de forma alguma, a qualquer negligência por parte de V. Exª. Pelo contrário, creio que V. Exª está até constrangido, como Presidente, de convidar o Ministro, e S. Exª, sucessivamente, arranjar uma desculpa para não comparecer.

Portanto, como disse o Senador Augusto Botelho - com o qual concordo plenamente -, o Ministro da Justiça perdeu a credibilidade nessa questão. Realmente, S. Exª foi, no mínimo, afoito ao antecipar a decisão de um grupo de trabalho criado pelo Presidente da República, no qual o Ministério da Justiça está representado. S. Exª se antecipa, mostrando que é parcial nessa questão; que está ali, portanto, levando em conta não apenas laudos antropológicos, mas questões ideológicas de uma pequena parcela, que pensa, como disse o Senador Augusto Botelho, que quem não é índio é invasor, é bandido, é estuprador de índia. E o Brasil não pode aceitar essa pregação de apartheid entre índios e não-índios, e lá, no caso da Raposa Serra do Sol. Trata-se de um apartheid intra-étnico, entre etnias diferentes de índios que estão em pé de guerra.

Portanto, Sr. Presidente, alerto a Nação sobre o que está ocorrendo em Roraima - no Mato Grosso do Sul também -, para onde vai a Comissão Externa Temporária do Senado Federal agora, na quinta-feira. Isso está se repetindo em vários Estados do Brasil.

É preciso que não sejamos românticos e enxerguemos, com muita praticidade, com muita responsabilidade mesmo para com a Nação o que está acontecendo em relação a essa questão indígena, em que 320 mil índios estão sendo manipulados por mais de 300 ONGs, que cuidam da questão indígena. Aliás, a esmola é muito grande; dá para o santo desconfiar!

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, permita-me ainda informá-lo que, por ocasião do dia 04, como há um interesse bastante grande de Senadores sobre um outro assunto, relativo à responsabilidade do Ministro da Defesa, aproveitarei a oportunidade, com a anuência dos Srs. Senadores da Comissão, para que o Ministro José Viegas, no dia 04, possa também esclarecer a respeito do processo de licitação dos aviões AMX que o Comando da Aeronáutica está concluindo, porque esse é um assunto de enorme interesse, que inclusive interessa a Roraima e a toda a região amazônica. Que S. Exª possa, da forma mais transparente possível, informar-nos a respeito do andamento desse processo. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço e encerro o meu pronunciamento, ratificando: vamos abrir os olhos antes que seja tarde!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2004 - Página 3769