Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Decisão do CADE a respeito da aquisição da empresa Chocolates GAROTO pela NESTLÉ.

Autor
Gerson Camata (S/PARTIDO - Sem Partido/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • Decisão do CADE a respeito da aquisição da empresa Chocolates GAROTO pela NESTLÉ.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2004 - Página 3784
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • REITERAÇÃO, APREENSÃO, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), DECISÃO, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE), IMPEDIMENTO, FUSÃO, EMPRESA, CHOCOLATE, MUNICIPIO, VILA VELHA (ES), EMPRESA MULTINACIONAL.
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, VOTO, RELATOR, PROCESSO, IMPEDIMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL, AQUISIÇÃO, EMPRESA, CHOCOLATE, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), PROVOCAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO.

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reitero uma grande preocupação do Estado do Espírito Santo em face da atitude tomada pelo Cade, proibindo a fusão da Nestlé com a Garoto.

Nesta tarde, em Vila Velha, onde se situam as duas fábricas da Garoto, mais de 12 mil pessoas realizaram uma manifestação, dando um abraço simbólico na fábrica Garoto. E a nossa preocupação começa a aumentar agora que apareceu o voto do Relator, Dr. Thompson de Andrade. Seu voto é muito interessante, se não fosse estapafúrdio e muito estranho. Parece - permita-me dizer - até que é direcionado. Segundo ele, “a Nestlé deverá alienar todos os elementos da propriedade intelectual” - vale dizer: registros, pedidos, fórmulas, direitos inerentes às marcas de chocolates antes pertencentes à Garoto. Então, ela vende as marcas, a propriedade intelectual, as fórmulas da produção de todos os chocolates da Garoto. Não é “poderá”; é “deverá”. E depois de ter demorado três anos para dar o voto, concede 20 dias de prazo para a Garoto apresentar o projeto de venda.

O item C é mais preocupante: “a alienação poderá, a critério do comprador”, [nunca vi isso] “não incluir todos os ativos correspondentes à capacidade produtiva da empresa alienada à época da aquisição, mas deverá, necessariamente, envolver os ativos relacionados no item B”. Quer dizer, a propriedade intelectual, os direitos inerentes às marcas e chocolates.

Observem que coisa estranha. Verifiquem se é possível haver interferência dessa envergadura numa empresa privada, na economia: “Caso o comprador opte por esta alternativa [de só comprar a marca], a Nestlé deverá alienar tais instrumentos (equipamentos e maquinarias) a outro interessado”.

Então, vejam V. Exªs que não é a venda da Garoto. Fatia e divide a Garoto. Propriedade e marca, já sei para quem são, porque, no mesmo dia, o Relator disse que já havia um comprador. Precisamos saber amanhã, na audiência, se é membro do Cade ou vendedor de fábrica de bombom. Ele disse para os funcionários não se preocuparem, pois já havia um comprador. Na verdade, venderá a marca para um e deverá - não é poderá - vender os equipamentos para outro. Com isso, ele já jogou as ações no chão e dividiu. Então, conservou para o Espírito Santo os galpões, talvez para abrigar os oito mil desempregados; eles ficarão dentro do galpão, como Hitler fazia com os judeus.

É muito estranha essa sentença!

A Bancada do Espírito Santo se reunirá agora com os advogados da Garoto, e, depois, iremos ao Palácio. Está presente o Senador Magno Malta, coordenador da nossa Bancada. Não queremos briga com o Cade. Não queremos briga nem litígio com o Governo, que, tenho certeza, não está envolvido nessa decisão, que prejudica todas as manifestações do Presidente e dos seus Ministros em busca de melhoria das condições de emprego e do aumento de empregos no Brasil. Desse modo, queremos - e há condições para isso - que esse voto seja revisto.

A Garoto tem 20%, e a Nestlé, 29%. Vendendo para uma empresa que já tenha 20%, somam-se 20% aos 26% e resultam 46%. A Nestlé com a Garoto somam 49%. Por causa de 3% no mercado, seria possível reduzir a produção ou vender uma marca da Garoto. Em caso de descumprimento, impediríamos a fusão.

No entanto, foi realmente muito estranha essa sentença, que obriga a dividir a Garoto em duas partes: marcas para um lado, a quem interessar possa, e máquinas para o outro lado. E o Espírito Santo fica com os desempregados e com os galpões vazios.

Era o registro que gostaria de fazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Gerson Camata?

O SR. MAGNO MALTA (Bloco/PL - ES) - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Com muito prazer, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - O Senador Magno Malta, que é do Espírito Santo...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Eduardo Suplicy, o tempo já tinha terminado. Todavia, como o assunto era de suma importância, fizemos uma prorrogação, para que o Senador pudesse fazer uma comunicação à Casa. Então, o aparte é...

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Então, vou, primeiro, conceder um aparte ao Senador Magno Malta, se o Senador Eduardo Suplicy me permitir.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Não, S. Exª pediu a palavra pela ordem.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PL - ES) - Sr. Presidente, eu ia pedir a palavra como Líder do Partido, dentro dessa benevolência e do entendimento desse problema grave que estamos vivendo no Estado do Espírito Santo. Entretanto, se o Senador Gerson Camata puder me conceder um aparte depois do Senador Eduardo Suplicy, eu o farei.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Então, o Senador Eduardo Suplicy fala e, em seguida, V. Exª.

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Peço licença ao Senador Eduardo Suplicy para que fale primeiro o Senador Magno Malta, que participou hoje da manifestação e é do Espírito Santo.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Sem dúvida. Para mim, é uma honra poder dar prioridade aos dois representantes do Estado do Espírito Santo.

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Magno Malta, V. Exª deve falar sentado, para caracterizar que é aparte.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PL - ES) - Sr. Presidente, obrigado por me alertar que tenho de falar sentado. Estou tão nervoso que, se ficar em pé, eu caio. Senador Gerson Camata, estou chegando do Estado do Espírito Santo, vindo de uma manifestação dos três mil empregados da Garoto, de seus filhos, de seus netos e dos aposentados da empresa. Não há cena mais dolorosa. A Garoto é um patrimônio do Estado do Espírito Santo. Lembro-me da primeira vez em que cheguei àquele Estado - sou seu filho adotivo - há 24 anos. O primeiro aroma que senti na Grande Vitória foi o cheiro do chocolate da Garoto. Não sei definir o meu estado emocional. Estive na reunião do Cade, com a Bancada federal, e acompanhei o voto do Relator, que parecia muito mais interpretar uma peça de Rolando Lero, na Escolinha do Professor Raimundo, do que, de fato, estar propondo uma coisa séria para um Estado e para o País. Cruzamos com um técnico no corredor, que disse: “Olha, vai ser aprovado com restrições.” Um dos conselheiros, ao proferir o seu apoio ao Relator, disse: “Nós amadurecemos juntos esse voto”. Então, foi tudo articulado; tudo já estava trabalhado. Agiram no escuro. Ora, se a AmBev teve aprovado o seu pleito, ficando com 78% do mercado, Sr. Presidente, é muito suspeito negar à Garoto e à Nestlé essa composição em nome do progresso e da manutenção do emprego de três mil pessoas. Agora, estou esperando a sensibilidade do Governo. O Presidente Lula é um homem advindo das bases, das lutas de classe. O Partido dos Trabalhadores, o Partido do Presidente, construiu a sua vida na busca de emprego e lutando contra patrões para manter o empregado nos seus devidos locais. Pois bem,estamos pisando no limiar de três mil desempregados, jogados no fosso por conta do capricho de um conselheiro. O Presidente do Cade disse “extrapolaram da competência; é inconstitucional”, pois sabia que abriria uma brecha para que o Cade, a partir de agora, não tivesse mais confiabilidade. Quando o Cade aprovou a AmBev, perdeu a moral para desaprovar qualquer ligação abaixo de 78%. Então, hoje, Sr. Presidente, temos a Bancada federal a partir da iniciativa de todos. Não temos cor partidária no Espírito Santo - somos os empregos e os investimentos do Estado do Espírito Santo. Teremos, ainda hoje, uma reunião com o presidente da Nestlé, porque queremos conhecer os detalhes desses bastidores. Enquanto a Nestlé investia US$250 milhões na Garoto, o Cade assistia a tudo isso, por dois anos, e a AmBev foi aprovada a toque de caixa. Às 20 horas, estaremos com o Ministro Aldo Rebelo. Colocaremos nosso sentimento para o Governo, pedindo sensibilidade para com o Estado do Espírito Santo. Não havendo sensibilidade, sangraremos em praça pública. Sangraremos em praça pública; iremos até às últimas conseqüências. Colho assinaturas e peço a solidariedade dos meus companheiros Senadores, que sabem que este País precisa manter e gerar emprego. Todos acompanharam a votação do Cade sobre a AmBev e, agora, acompanham sua postura em relação a Garoto/Nestlé. Na Câmara, já colhemos mais de 150 assinaturas para a abertura de uma CPMI. Colherei assinaturas e deixarei em stand by, porque queremos o segundo round pelo amor. Peço ao Governo que tenha misericórdia e sensibilidade, porque isso não é o fim do mundo. Seria necessário até mesmo rever esse modelo, pois creio que essa interferência na economia não é correta. Muitos burocratas desejam colocar em prática o que aprenderam em Harvard. Se der certo, descobre-se um gênio; caso dê errado, o povo não cooperou. Que história é essa?

E, não havendo sensibilidade, aí sim, pediremos a CPI do Cade e não abriremos apenas a caixa-preta da Garoto/Nestlé, mas abriremos a da AmBev e de todas as outras decisões do Cade. Veremos, então, quem é quem! Sr. Presidente, na minha terra, pau que dá em Chico dá em Francisco. Obrigado.

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Senador Magno Malta, agradeço a V. Exª o aparte.

Srªs e Srs. Senadores, notem que o Senador Magno Malta expressa, tanto quanto eu, a revolta do povo do Espírito Santo diante dessa inusitada decisão do Cade.

Ouço, com muito prazer, o Senador Eduardo Suplicy, de São Paulo, que assinou, hoje, o nosso requerimento para a audiência de amanhã.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero manifestar aos Senadores Gerson Camata e Magno Malta a minha total solidariedade à empresa Garoto, aos seus três mil empregados e a toda a comunidade do Espírito Santo, onde a empresa tem uma tradição conhecida no Brasil inteiro. Os chocolates da Garoto são conhecidos por todos nós desde crianças. Há uma particularidade dos chocolates brasileiros, tornando difícil para uma empresa introduzir um novo chocolate no mercado. Existem certos chocolates, como o Diamante Negro, o Sonho de Valsa e o Serenata de Amor, que comemos desde meninos. Há poucos dias, faleceu o jogador Leônidas da Silva, também conhecido como Diamante Negro, que foi o inventor do gol de bicicleta. Todos nós gostávamos tanto de comer o chocolate Diamante Negro como de vê-lo fazendo suas bicicletas. Quando garoto, fui assistir no Pacaembu - creio que o Senador Romeu Tuma também teve essa oportunidade - às bicicletas do Leônidas da Silva.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Mas não somos mais garotos; já somos velhos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas continuamos a gostar do Diamante Negro nos dois sentidos. Senador Gerson Camata, fui solidário ao requerimento que V. Exª fez. Considerei muito positivo V. Exª ter convidado a vir à Comissão de Assuntos Econômicos o Sr. João Grandino Rodas, Presidente do Cade, que votou diferentemente dos outros cinco - os demais acompanharam o voto do Relator Thompson Andrade. Penso que teremos, amanhã, às 9 horas e 30 minutos, a oportunidade de aprender muito sobre a defesa do interesse público e a defesa da concorrência. Também quero saber por que razão, no caso da AmBev, das empresas de cerveja, houve a permissão do Cade. Há poucos dias, apresentei um requerimento convidando o Ministro da Justiça e representantes do Cade a virem a esta Casa explicar algo que está por acontecer com as empresas de telefonia, de telecomunicação. Tanto o Cade quanto a Anatel precisam examinar o que ocorrerá com a Embratel e com as empresas que pretendem fazer modificações. Votamos aqui, na semana passada, a constituição de quadros melhores para o Cade que, assim, aumenta a sua responsabilidade de bem exercer a sua função. Soube esses dias, que, por ocasião da compra da Garoto pela Nestlé, houve aquilo que se chama Apro - Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação, onde ficou muito claro que, se não fossem atendidas certas circunstâncias, poderia haver a reversibilidade. Quero, pois, estar solidário com toda a comunidade do Espírito Santo que quer a preservação da Garoto e dos seus empregados. Estive questionando a Srª Maria Paula Dallari Bucci, que é a Procuradora, e tenho certeza que, amanhã, os que tomaram a decisão vão-nos informar que a intenção do Cade é, como V. Exªs estão afirmando, a de preservar a Garoto e o número de empregos. Inclusive, e vamos ter isso confirmado amanhã, pelo que pude ler, o entendimento desses conselheiros é que, se fosse aprovada a aquisição pela Nestlé, haveria um risco ainda maior de diminuição dos empregos. Obviamente, essa é uma interpretação deles; mas vamos ouvir e estar com o espírito de quem quer aprender. Notem que, entre os conselheiros do Cade, há alguns que foram designados pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e outros pelo presente Governo. Devemos respeitar o Cade e seus conselheiros, mas se V. Exª, assim como o Senador João Batista Motta, colocou que houve interesses escusos e estão propondo que haja uma CPI, sou solidário a V. Exªs. Devemos, pois, apurar o que de fato está ocorrendo. Mas acredito que sejam todos sérios e que estejam agindo com a maior seriedade de propósitos. Amanhã, será a oportunidade para ouvirmos do Presidente do Cade e dos cinco conselheiros como avaliam essa importante questão, visto que houve observações dessa natureza. Assim, penso que amanhã aprenderemos com a defesa econômica dos mais diversos setores da economia, inclusive do setor de chocolates.

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Quero agradecer a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy e também à generosidade do Sr. Presidente permitindo esse meu pronunciamento.

Quero somente dizer ao Senador Eduardo Suplicy que, no Cade, a legislação prevê a gradação da pena. No caso da AmBev, tiveram que vender a Bavária. Caso não vendessem, seria aplicada a pena de morte.

Para a Garoto, no entanto, já foi aplicada a pena de morte. Não houve a reversibilidade. E por que não houve isso e foi logo aplicada a pena de morte?

Em relação a AmBev, havia outra coisa que havia prometido fazer: uma grande campanha e colocar o Guaraná Antarctica, que é brasileiro e, aliás, é muito bom, no mundo inteiro para afrontar a Coca-Cola e a Pepsi.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Posso fazer só mais uma pergunta, Senador Gerson Camata?

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Se os conselheiros do Cade afirmarem que a Garoto não vai ser fechada, embora seja vendida para outro grupo, outra empresa, outros acionistas, ainda que os proprietários sejam outros, isso seria do interesse da população?

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Altamente suspeito, porque, se já disse que há um comprador, e esse comprador vai garantir que vai fechar, já está havendo negócio. Ou seja, o assunto não está mais no Cade.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Vamos ouvir mais a respeito amanhã.

 

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Gerson Camata, sem ofensa a ninguém, sem desrespeito a ninguém, como Senador, gostaria de assinar os requerimentos. E gostaria de colocar algo que pode ser hilariante, se pensarem que não estou falando com seriedade.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Como quem gosta de chocolate!

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Aliás, no avião do Lula, hoje, só havia chocolate Garoto! Eu diria que o autor da novela “Chocolate com Pimenta” deve entender o que está acontecendo!

O SR. GERSON CAMATA (Sem Partido - ES) - Muito obrigado, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2004 - Página 3784