Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo para que o governo brasileiro reveja sua disposição em homologar a reserva Raposa/Serra do Sol em terras contínuas, de forma a preservar nossa soberania, sem, contudo, deixar de atender os povos indígenas que tradicionalmente ocupam aquela área.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Apelo para que o governo brasileiro reveja sua disposição em homologar a reserva Raposa/Serra do Sol em terras contínuas, de forma a preservar nossa soberania, sem, contudo, deixar de atender os povos indígenas que tradicionalmente ocupam aquela área.
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/2004 - Página 4104
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, ANUNCIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), HOMOLOGAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), IMPOSSIBILIDADE, RECURSO JUDICIAL, QUESTIONAMENTO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, AUSENCIA, ATENDIMENTO, INDIO, LOBBY, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INSTITUIÇÃO RELIGIOSA, QUALIDADE DE VIDA, COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, CIDADÃO, ENTIDADE, DEFESA, INTEGRAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • ANALISE, PROCESSO, INTEGRAÇÃO, INDIO, POPULAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, CONFLITO, GRUPO ETNICO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OPINIÃO, FORÇAS ARMADAS, JURISTA, RISCOS, SOBERANIA NACIONAL, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossos governantes, infelizmente e com honrosas exceções, têm a péssima mania de ignorar a voz do povo e os interesses da coletividade quando se dispõem a exercer suas atribuições. Por julgarem-se iluminados, em alguns casos, ou por partirem de premissas equivocadas, em outros, agem com freqüência de forma arbitrária, recusando-se a rever suas decisões e a ponderar argumentos alheios.

O digno Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, se enquadra no segundo grupo: ao anunciar a homologação “sem retorno” da reserva indígena Raposa-Serra do Sol em área contínua, no norte-nordeste de Roraima, ele não se põe na condição de iluminado, mas se baseia em fundamentos mais do que questionáveis.

A homologação da citada reserva, nas condições anunciadas, soa romântica e altruísta. Deve, mesmo, impressionar ambientalistas, indigenistas e governantes estrangeiros, com a pretensão de demonstrar que o País prefere sacrificar o desenvolvimento de toda uma região para preservar os direitos e os interesses dos índios que ocupam aquelas terras.

Entretanto, Sr. Presidente, essa interpretação é absolutamente equivocada e tem sido induzida por organizações não-governamentais e entidades religiosas que atuam junto às reservas indígenas. É preciso considerar, primeiramente, que os próprios índios que ocupam aquela área não almejam tamanha extensão de terra, num Estado onde as reservas naturais já somam mais de 60% de todo o território. Além disso, há que se levar em conta que a homologação das terras indígenas, tal como se pretende fazer, representa sério entrave ao desenvolvimento regional. Sobretudo, há que se indagar a quem interessa segregar a população indígena, condenar o Estado de Roraima à pobreza e à estagnação e usurpar sua soberania.

Não se trata, aqui, de defender uma opinião isolada, deste Senador ou de um segmento da sociedade roraimense. Trata-se de defender o ponto de vista da grande maioria da população, aí incluídos os indígenas que vivem na reserva Raposa-Serra do Sol e em outras áreas já demarcadas ou homologadas. Tanto é assim, que o anúncio da homologação em área contínua foi rechaçado por cidadãos e entidades locais, signatários do Manifesto pela Refundação de Roraima, divulgado no começo deste ano.

Ao criticar a interdição de dois terços do território de Roraima a atividades produtivas, os signatários do Manifesto salientam que tal aconteceu “por conta de uma equivocada e míope estrutura jurídico-fundiária que criou áreas de proteção ambiental e reservas indígenas de proporções reconhecidamente exageradas”.

“Neste particular - acrescentam os signatários -, é imperdoável que o clamor falsamente moralista e científico de uma pletora de Organizações Não-Governamentais nacionais e estrangeiras, além dos interesses escusos de governos estrangeiros, tenha sido colocado em plano superior ao dos interesses legítimos do povo do nosso Estado, inclusive dos povos indígenas, aos quais não pode ser negado o direito à plena integração à sociedade brasileira.”

É de se observar, Sr. Presidente, que a grande maioria da população roraimense tem raízes indígenas. Portanto, o processo de integração e de aculturação dos povos indígenas vem ocorrendo paulatinamente e de forma natural há muitas décadas. Assim, não subsistem as distorções ditadas por desconhecimento da matéria ou por interesses escusos, tornando-se ridículas, por exemplo, afirmações como a da revista The Economist, em sua edição de 14 de janeiro último, segundo a qual o clima étnico predominante em Boa Vista se assemelha ao dos Bálcãs, com índios e brancos se odiando.

A publicação Alerta Científico e Ambiental, detectando interesses espúrios na manipulação dos povos indígenas, condena a atuação de várias ONGs e do Conselho Indigenista de Roraima, o CIR, e cita uma declaração do Secretário Estadual de Assuntos Indígenas, Orlando Justino - ele próprio índio de etnia macuxi - de que “a preocupação do Conselho é pulverizar a população indígena para ganhar mais terra, mas a maioria dos índios da região quer produzir mais para viver melhor”.

Nenhum roraimense, Srªs e Srs. Senadores, e acredito que nenhum brasileiro, pretende negar aos índios as condições necessárias à sua sobrevivência e à sua qualidade de vida. Em sã consciência, nenhuma entidade indigenista e nenhum governo estrangeiro pode ignorar os esforços do Governo brasileiro para preservar a cultura, a crença, os costumes e o modo de vida das populações indígenas. Basta lembrar que os povos indígenas, somando 326 mil pessoas num universo de 178 milhões de brasileiros, ocupam nada menos que 11% do nosso território. No caso em tela, Sr. Presidente, da Reserva Raposa-Serra do Sol, não advogamos o cancelamento das demarcações, mas unicamente a homologação das terras em “ilhas”, em vez de área contínua. Isso, porque a homologação da reserva de forma contínua impediria o desenvolvimento de atividade produtiva numa grande extensão de terra, além de implicar o remanejamento dos habitantes de toda uma cidade, Uiramutã, muitos deles de etnia indígena.

Nas Forças Armadas, embora o assunto seja tratado cuidadosamente, alinhando-se à postura oficial do Governo brasileiro, teme-se que a homologação da reserva contínua venha a representar um risco à soberania nacional. Em sua edição de domingo último, o Jornal do Brasil reportou a opinião de alguns militares a esse respeito:

A Raposa-Serra do Sol, afirmam esses militares, é apenas parte de um problema que se estende pela fronteira do Brasil, cujo território - rico em biodiversidade, recursos hídricos e minerais, como ouro e diamante - estaria despertando a cobiça internacional. Deixar vastas áreas nas mãos de ONGs e da Igreja seria, acreditam, um risco à segurança nacional.

A percepção de algumas fontes militares, conforme relata o periódico, é de que algumas ONGs estariam “atuando como entidades soberanas e sobrepondo-se ao Estado brasileiro”. Os números citados na reportagem demonstram cabalmente que o Governo de Roraima ficaria ainda mais enfraquecido com a homologação da reserva em área contínua. “No caso da Raposa-Serra do Sol - diz a matéria -, seriam 1 milhão 751 mil hectares para 14 mil 719 índios, num Estado que já tem 77% de suas terras ocupadas por 32 reservas. Segundo o Governo estadual, Roraima tem 22 milhões de hectares, dos quais só 7 milhões são de terras livres.”

A defesa do desenvolvimento e da soberania nacional encontra eco também junto a juristas renomados, como Ives Gandra da Silva Martins, que recentemente criticou a pressão das ONGs por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte, a qual resultou na oferta de 10% do território nacional a 300 mil índios, deixando para os outros 175 milhões de brasileiros os 90% restantes.

Em artigo publicado no Jornal do Brasil no dia 5 deste mês, o ilustre jurista enfatiza que “a conivência governamental, que leva a proteger os privilégios indígenas, pode, inclusive, despertar, no futuro, o interesse de potências do Primeiro Mundo em substituir a União na tutela dessa parcela da Nação brasileira, que o Constituinte - na leitura canhestra do Governo - teria transformado em segmento autônomo, separado do povo brasileiro”.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa percepção de que a leniência governamental representa um risco para a nossa soberania não é esquizofrênica, visionária ou fantasmagórica, como algumas pessoas tentam fazer crer, mas encontram ressonância entre pessoas de larga experiência e conhecimento da realidade nacional. Assim, reitero os meus apelos, e nisso espero ter o apoio dos Colegas deste egrégio Plenário, para que o Governo brasileiro reveja sua disposição em homologar a Reserva Raposa-Serra do Sol em terras contínuas, de forma a preservar nossa soberania, sem, contudo, deixar de atender os povos indígenas que tradicionalmente ocupam aquela área.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/2004 - Página 4104