Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da denúncia da revista Época relatada pelo Senador Antero Paes de Barros. (como Líder)

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Importância da denúncia da revista Época relatada pelo Senador Antero Paes de Barros. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2004 - Página 4315
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, DENUNCIA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CORRUPÇÃO, ASSESSOR, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, JOGO DE AZAR, REPRODUÇÃO, DIALOGO, LIDER, JOGO DO BICHO, CONTRIBUIÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, GOVERNO FEDERAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de início, peço a V. Exª minha inscrição como orador, ainda nesta sessão, pois há muito o que falar sobre a denúncia patriótica e contundente que faz o Senador Antero Paes de Barros à Nação brasileira.

Tomei conhecimento dela ontem pela madrugada, devido à lealdade e ao compromisso do Senador Antero Paes de Barros.

A revista Época é indesmentível. Aqui temos, em primeiro lugar, a relação de alguém da intimidade do Poder com a contravenção, com o crime, com o crime organizado. Temos uma conversa absolutamente inacreditável, se quisermos lembrar os melhores padrões da República brasileira. O Senador Mão Santa falava em Afonso Arinos. Isso aqui não é Afonso Arinos. Falava em Vargas. Isso aqui não é Vargas.

Diz do Sr. Waldomiro, com assento em gabinete, no 4º andar do Palácio do Planalto, portanto, perto do Presidente da República. A revista Época transcreve as conversas íntimas entre ele e o Sr. Carlinhos não sei das quantas, mais conhecido nas rodas do crime como Carlinhos Cachoeira. A revista Época fala da conspiração. Na hora de tocar nos assuntos nevrálgicos, nos assuntos que comprovavam o crime, Senador Antero Paes de Barros, as palavras eram proferidas em tom baixo, os nomes dos beneficiários eram escritos e mostrados, numa clara demonstração da consciência do crime que estava sendo perpetrado. E a promiscuidade. A intenção de Cachoeira não era vencer a licitação para a Loteria. Diz a revista Época: “Vou ficar fora. Palavra minha com você”. Ou seja, palavra de honra - é o que diz Cachoeira. Palavra de honra. E o outro devia dizer: Eu também, palavra de honra. Ou seja, se você me der propina, eu resolvo o que você está a me pedir.

E a revista Época conta - são dez páginas - a trajetória de Waldomiro, que despertou a minha atenção logo ao iniciar este meu mandato de Senador. Por meio de alguns requerimentos de informação, de alguns pronunciamentos, eu acompanhava, por instinto, por alguns indícios - nada parecido com a perspectiva desta crise -, imaginava que era alguém que estava num cargo a atrair a atenção de quem se dispusesse a tomar conta da coisa pública, fazendo o seu papel de Oposição.

Discutiram os dois parceiros, Waldomiro e Carlinhos Cachoeira, números e porcentagens por vários minutos, e, referindo-se a uma terceira pessoa, Carlinhos eleva a oferta para R$1,5 milhão, mais 3% do faturamento. E Waldomiro diz: “Ele não fecha”. E oferece-se como mediador: “Vou te fazer uma proposta para conciliar. Um, um e um, mais os 3%.” Inconformado, Cachoeira leva o leilão a R$2,5 milhões mais a porcentagem. Uma conversa detalhada. Parecem dois homens de negócio negociando exportação de calçados na área do Mercosul.

Cachoeira comanda a pauta da reunião e diz secamente: Vamos falar de política agora. Waldomiro obedece e diz: “O pessoal do Garotinho me procurou”. Aí começam a discutir a ajuda que supostamente seria para a Srª Benedita ou para a Srª Rosinha Garotinho.

Na conversa com o bicheiro, Waldomiro é diplomático. Diz que tanto uma quanto a outra tinham condições de vencer - ele estava arrecadando dinheiro para a campanha das duas, com o bicheiro. “Posso ajudar, mas pouco”, responde Cachoeira. Waldomiro pede quinhentos mil e ele oferece cento e cinqüenta mil. Waldomiro, então, escreve os nomes dos beneficiados. Aí pergunta: “Você vai disponibilizar alguma coisa à parte? Quero 1% para mim”, pede o Presidente da Loterj. “Do total?”, questiona o bicheiro, antes de fechar o negócio.

Volto a dizer que parecem dois empresários discutindo margem de lucro, discutindo, na verdade, como tornar maximizados os custos e os lucros das suas empresas.

Há essa fita de vídeo, que, pelo que leio, teve sua existência comunicada ao Sr. Waldomiro após a entrevista que os jornalistas Andrei Meireles e Gustavo Krieger fizeram com ele. As fitas foram entregues aos Procuradores da República no dia 4 de fevereiro. Os nomes das testemunhas estão sendo mantidos em sigilo para protegê-las, mas a revista Época teve acesso ao que elas declararam às autoridades. Ambas denunciam - as duas testemunhas - a ligação de Waldomiro com a contravenção.

Muito bem, Sr. Presidente, inscrevo-me para falar daqui a pouco, mas quero aqui dizer que Waldomiro, segundo ainda a revista, foi apontado como forte candidato à Presidência da Caixa Econômica. Era a própria raposa tomando conta do galinheiro. Ele preferiu ficar no quarto andar do Palácio, achou que era mais negócio ficar no quarto andar do Palácio.

Vamos à parte mais deprimente e mais nojenta dessa matéria. A revista Época mostra fotos. O bicheiro gravou tudo do parceiro, o bicheiro foi desleal, não tinha palavra coisa nenhuma, aliás, mostrou uma coisa que já sabemos: bandido não tem palavra. Bandido vai ter palavra para quê? A própria máfia, que se vangloria tanto nos filmes de ter palavra, é feita de traição.

E aqui há menção às ligações do Sr. Waldomiro e do Sr. Carlinhos não sei das quantas com a máfia italiana. Está descrito na revista Época, numa matéria da mais profunda seriedade. Talvez não tenha havido nada tão sério, ao longo deste ano, que transcorreu entre as bazófias do Presidente Lula, as inconseqüências do seu Governo e, ao mesmo tempo, uma crença nossa de que nada parecido com corrupção passaria por perto do Palácio do Planalto.

Aqui vamos então. Waldomiro é tratado como Ministro. Eu, que sou Líder de um Partido de Oposição, não tive a satisfação de conhecê-lo. Com certeza, o tempo que ele poderia ter usado para dialogar com a Oposição, assessor parlamentar do Palácio do Planalto que era, preferiu gastar conversando com o Sr. Carlinhos lá das cachoeiras. Ele é tratado como ministro do Congresso, o homem dos empregos, dos cargos, das diretorias administrativas e financeiras, da conversa fiada para ir levando votações no bico.

Mas aqui vamos, Sr. Presidente, aos trechos das conversas entre os dois. A revista Época fez uma espécie de antologia, antologia da escatologia política.

Trecho 1 - Waldomiro Diniz e Carlinhos Cachoeira discutem mudanças no edital de uma licitação para exploração de loterias no Rio de Janeiro. Falam da concorrência como o “negócio da Hebara”, a empresa que meses depois ganharia o contrato.

Atenção: a empresa ganhou o contrato.

Cachoeira quer garantias de que o edital não será amplo demais, permitindo que a Hebara explore o filão de jogos on-line, que é monopólio de suas empresas. Waldomiro diz que o problema é que o edital já fora aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado. No final, propõe [pasmem, Srªs. e Srs. Senadores] que o próprio bicheiro redija o edital.

Isto é inédito na República brasileira. Não sei se aconteceu em Uganda.

Waldomiro - Jogos, o problema é o seguinte. O Tribunal aprovou o edital. Está aprovado o edital. Eu posso botar ele na rua agora. Eu estou sofrendo [o linguajar é do Sr. Waldomiro] um bafo aqui no cangote para botar. Agora é época de eleição, todo mundo é amigo de todo mundo...

Cachoeira - Mas você vai mexer no objeto?

Waldomiro - Para eu mexer no objeto, eu tenho que mandar para o Tribunal de novo.

Cachoeira - Mas manda. Manda se for preciso. Aquele objeto está errado.

Waldomiro - O que você quer que tire dali? O que está te atrapalhando? (...)

Cachoeira - Por que não troca o objeto? Só jogos pela internet e jogos pelo telefone.

Waldomiro - Por telefone, com essa característica. Não pode, ele não pode... Redige você! Redige você, com o Armando (Armando Dilli, assessor que deixou a Loterj para trabalhar com Cachoeira).

Cachoeira - Eu e o Armando, você aceita?

Waldomiro - Veja bem como é que eu aceito. Eu só preciso saber com o Tribunal qual é a forma para eu não jogar isso e jogar para daqui a 60 dias. Porque o pessoal está “Waldomiro, por que você não faz, por que você não faz?” Fica parecendo que eu estou com o negócio na gaveta e não quero fazer.

Trecho 2 - Waldomiro pede ao bicheiro contribuição para a campanha de dois candidatos diferentes. Na conversa, apresenta suas favoritas ao governo do Rio, Rosinha Garotinho e Benedita da Silva.

 

Cachoeira - Política.

Waldomiro - Política, você vai... O pessoal está me enchendo. O pessoal do Garotinho me chamou...

Cachoeira - Eu posso ajudar, mas ajudar pouco.

Waldomiro - Ajuda para o mês que vem.

Cachoeira - Quanto e para quem?

Waldomiro - Você tem de me dizer quanto. Vamos dizer, pra gastar 500 mil, tá bom pra você?

Cachoeira - Trezentos.

[Começou o leilão.]

Waldomiro - É pouco, não é não? Duzentos para cada.

Cachoeira - Duzentos pra cada? Cento e cinqüenta. Dá?

Waldomiro - Dá.

Cachoeira - Quem vai ganhar a eleição?

Waldomiro - Eu acho que é cedo para dizer. Vai dar Rosinha e mais um.

Cachoeira - Benedita não ganha?

Waldomiro - Vai depender, Carlos. Vou te falar com toda a sinceridade. Ela está no governo, é minha chefe hoje... Vai depender. A segurança. Se não matar mais ninguém famoso aí.

Trecho 3 - No final da conversa, Waldomiro Diniz pede ao bicheiro “à parte” uma comissão sobre os negócios combinados. A proposta é aceita prontamente.

Passo a ler o diálogo asqueroso entre as duas personalidades.

Cachoeira - Tá fechado assim?

Waldomiro - Fechado. Deixa eu te falar outra coisa. Você vai disponibilizar alguma coisa à parte? Quero 1% pra mim.

Cachoeira - Quer um?

Waldomiro - É.

Cachoeira - O que é que eu poderia fazer?

Waldomiro - Quero 1%.

Cachoeira - Um?

Waldomiro - Um, 1%. Topa?

Cachoeira - Do total?

Waldomiro - 1%.

Cachoeira - Tá bom.

Waldomiro - Tá fechado?

Cachoeira - Fechado.

Nessa hora eles trocam cumprimentos, um aperta a mão do outro, como dois homens de negócio que fecharam, como eu disse, uma exportação de calçados para o Mercosul.

Portanto, aqui há acusações de injeção de dinheiro desse porte, dessa lavra, na campanha do Sr. Geraldo Magela no Distrito Federal. Volto à tribuna fazendo menção ao fato de que este é um assunto sobre o qual não pode o Governo tergiversar.

Não pode haver aquela história de não assinar a CPI porque atrapalha a votação da matéria pré-orçamentária, pós-orçamentária, anti-orçamentária, contra-orçamentária, ou qualquer matéria. Não dá para não dar uma resposta clara, e que não seja a resposta da chicana, do baixo nível, da tentativa de diversionismo. Não dá para fugir do essencial, que é a denúncia feita pela revista Época e que tem que ser respondida pelo Presidente Lula, pelo Ministro José Dirceu, pelo Sr. Waldomiro e, eu diria, já que ele se coloca no mesmo nível, pelo Sr. Cachoeira. Por todos eles. Ou seja, o Governo tem que dizer para nós se estamos a combater um Governo que acerta e que erra, mas com uma diretriz de dignidade, ou se o Governo é isso, a mescla, a mistura, a promiscuidade com o crime organizado, com o jogo do bico, com a corrupção, o que seria, de fato, o fim moral, o fim político de um Governo que tem o direito acertar e errar, mas que todos desejamos que cumpra com o seu mandato, que dispute as eleições em padrões de limpeza, no máximo errando no limite das bazófias do Presidente Lula, e não imaginando que possa ficar pedra sobre pedra de seu patrimônio moral se esta é uma verdade indesmentível.

Se esta é uma verdade desmentível, que o Governo desminta, que mande para cá um interlocutor sério, até porque o silêncio do Governo nos constrange. É incrível que não tenham lido a revista Época, que não tenham se preocupado em vir para cá aceitar um debate que está de perna quebrada, porque é um debate proposto apenas por um Senador da Oposição e empalmado por mais Senadores que se colocam em oposição ao Governo. Parece, então, que o Governo entende isso como corriqueiro.

Se vai mandar alguém para cá, que mande um interlocutor sóbrio, sério, alguém que diga qual é a verdade dos fatos, que diga que isso, pelo amor de Deus, é mentira, que isso, pelo amor de Deus, não é verdade, que diga, pelo amor de Deus, que isso não representa a cara de um governo que combato mas no qual sempre procurei ver uma face ética, por acreditar na honradez pessoal do Presidente Lula, por acreditar na honradez pessoal do Ministro José Dirceu, por acreditar no passado de pessoas que deram tantos momentos generosos de sua vida para a democracia ser construída nesta terra.

            Portanto, nós aqui continuaremos falando mas o Governo tem que vir e dizer. Ou o Governo não diz e, moralmente, perde o direito de governar este povo ético que é o povo brasileiro, ou ele desmente e nós teremos um quadro absolutamente grave, porque a perícia diz que a fita não foi editada. O Sr. Waldomiro continua por aqui. Na época do Orçamento, disseram-me que ele estava por aqui incomodado com a minha atuação, porque eu estava aqui ameaçando não deixar votar o Orçamento. Disseram-me: “O Waldomiro passou por aqui e disse que, graças a Deus, o Arthur Virgílio não está perturbando mais”.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Concluirei, Sr. Presidente. Ficamos nós de perna quebrada se hoje isso aqui virar uma sessão da Oposição, pois é fundamental que o Governo se defenda. Mais do que isso, não estou aqui dizendo que reconheço o direito de o Governo se defender. Não estou dizendo aqui que acho legítimo o Governo se defender. Não estou dizendo aqui que acho natural o Governo se defender. Não estou aqui, Sr. Presidente, e já encerro, dizendo que acho democrático o Governo se defender. Estou aqui exigindo que o Governo se defenda. Estou aqui cobrando que o Governo se defenda. Estou aqui dizendo que não é possível, não é perdoável que o Governo não se defenda diante de uma acusação tão grave, que pode abalar os alicerces da sua construção moral se o Presidente não der a demonstração que o Brasil quer, de seriedade, tomando todas as medidas administrativas, políticas, investigativas, judiciais para mostrar que, se tem podridão até dentro do Palácio da Alvorada, essa não podridão não é dele. Essa podridão não faz parte do perfil da personalidade do Presidente.

Portanto, é necessário que Sua Excelência seja muito claro e fale - volto a advertir -, que mande para cá interlocutores sérios, ainda nesta sessão, para falarem, com seriedade e com sobriedade, que não amolequem nem apequenem este debate, porque a Oposição está indignada, como a Nação está estarrecida à espera de uma satisfação de um Governo que tem todo o dever de dar todas as satisfações à Nação estarrecida, indignada, que amanheceu hoje lendo a revista Época.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2004 - Página 4315