Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A nova "Lei de Falências".

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • A nova "Lei de Falências".
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2004 - Página 4337
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INEFICACIA, PROCESSO, FALENCIA, BRASIL, AUSENCIA, RECUPERAÇÃO, EMPRESA, PERDA, CREDOR, EMPREGADO, SOCIEDADE, ESPECIFICAÇÃO, EMPRESA DE LATICINIOS, EMPRESA MULTINACIONAL, PEDIDO, CONCORDATA, AMEAÇA, PREJUIZO, PRODUTOR, LEITE.
  • CRITICA, PRIORIDADE, FISCO, ATUALIDADE, PROCESSO, FALENCIA, AUMENTO, RISCOS, OPERAÇÃO FINANCEIRA, EFEITO, SUPERIORIDADE, JUROS, BRASIL, DIFICULDADE, CREDITOS.
  • ANALISE, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, FALENCIA, CRIAÇÃO, ASSEMBLEIA DE CREDORES, APROVAÇÃO, PLANO, RECUPERAÇÃO, EMPRESA, PRAZO, SUSPENSÃO, COBRANÇA, POSSIBILIDADE, VENDA, UNIDADE, PRODUÇÃO, PRESERVAÇÃO, EMPREGO, DETALHAMENTO, PROPOSTA, PRIORIDADE, PAGAMENTO, CREDITO TRABALHISTA, CREDITOS, CREDOR, MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA.

A srª Lúcia Vânia (PSDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs.Senadores, todos nós sabemos que o sistema falimentar brasileiro, além de ultrapassado, não conta com um processo de falência eficaz, tornando praticamente impossível a recuperação de empreendimentos em dificuldades.

O que assistimos atualmente são processos excessivamente demorados e sem a apropriada participação e fiscalização dos credores envolvidos. Como conseqüência, na grande maioria das vezes, os procedimentos falimentares resultam na depreciação dos ativos da empresa falida e em grandes prejuízos, não somente aos seus credores, como também aos seus empregados e à sociedade.

Um exemplo disso é o caso da Parmalat que acaba de pedir concordata à Justiça. A falência da empresa italiana, com desdobramentos aqui na América Latina e no Brasil, pode desencadear em uma completa desarticulação da produção leiteira, especialmente a de pequenos produtores.

Essa é uma ameaça real que paira sobre o município goiano de Santa Helena e outras cidades brasileiras com a economia sustentada pela produção de leite. Somente a dívida da Parmalat Brasil com os bancos é estimada em 1 bilhão de reais.

De acordo com a legislação atual, a recuperação de empresas e a preservação de suas unidades produtivas são praticamente impossíveis, pois nossa concordata envolve somente os créditos quirografários e conta com prazos excessivamente rígidos - ou seja, um sistema sem flexibilidade e ineficaz.

As regras tributárias dificultam enormemente a venda das unidades produtivas empresarias e inviabilizam que os credores recebam seus créditos, pois, após a liquidação dos tributos devidos, dificilmente sobra alguma coisa para saldar as dívidas restantes. Por isso mesmo é que falta interesse dos credores na administração e fiscalização dos procedimentos falimentares, o que possibilita a ocorrência de fraudes.

A prioridade do fisco na falência aumenta o risco das operações de crédito e, em conjunto com a demora do nosso sistema judicial, torna o crédito bancário brasileiro um dos mais caros e escassos do mundo.

Segundo a revista Veja desta semana, somos o segundo país mais burocrático no que diz respeito ao fechamento de empresas. Isso somente nos traz informalidade, com impactos negativos sobre a produtividade, o crescimento econômico e a proteção ao trabalhador.

Srªs e Srs. Senadores, um sistema eficiente de reestruturação de empresas é fundamental para aumentar a produtividade e o equilíbrio da economia, reduzindo riscos e custos de todos os agentes econômicos.

A recuperação de empresas em dificuldades tem que ser o principal objetivo da Nova Lei de Recuperação de Empresas e, por isso, devemos apoiar mecanismos que permitam que uma empresa em dificuldades mantenha sua atividade produtiva e, sobretudo, seus empregos.

Nesse contexto, a Nova Lei segue a tendência internacional da criação de uma Assembléia de Credores, que deverá aprovar um plano de recuperação empresarial. O aumento no poder de participação e fiscalização dos credores, que são os mais interessados em receber seus créditos, certamente facilitará o restabelecimento da empresa ou, se for o caso, trará mais agilidade aos procedimentos falimentares.

Mais um aspecto positivo do PLC 71 é a suspensão das ações de cobrança, no período que vai entre o pedido e a aprovação do plano de recuperação, bem como a obtenção de novos créditos pela empresa em recuperação, viabilizando que ela continue operando.

Somos favoráveis a esse período de paralisação de processos de cobrança, desde que o prazo seja limitado, para evitarmos abusos de empresas que possam utilizar-se do instrumento sem nenhuma intenção de efetivamente promoverem a recuperação do empreendimento.

Outros pontos meritórios do Projeto são a prioridade que ele estabelece para a venda em bloco da empresa falida e a extinção do instituto da concordata, responsável pela demora na venda dos bens do falido, o que acarreta sua deterioração.

A venda imediata das unidades produtivas do falido é um objetivo desejado pela sociedade, pois viabiliza a manutenção em uso de seus recursos produtivos, mantendo a produção e preservando empregos.

Não podemos esquecer de um outro aspecto bastante importante: a recuperação judicial, tanto das empresas de grande e médio portes, como das pequenas e microempresas em dificuldade, deve vir acompanhada da possibilidade de reestruturação de suas dívidas tributárias. Assim, a redução da burocracia, permitindo que as dívidas fiscais sejam renegociadas, é uma providência fundamental.

Isso porque, em determinadas situações, a impossibilidade de reestruturar dívidas fiscais pode inviabilizar o plano de recuperação acertado com os credores e, do mesmo modo, a sobrevivência do empreendimento e dos empregos.

Outra providência desejável é estabelecer que a preferência do fisco não alcance bens e direitos dados regularmente em garantia real de outras obrigações. O Brasil é um dos únicos países em que garantias reais podem ser desprezadas.

Além disso, temos o problema da sucessão de obrigações. É necessário que haja um mecanismo de venda isenta da sucessão, por leilão público, dando-se a segurança ao comprador de que ele não vai herdar dívidas desconhecidas.

No entanto, para que isso seja possível é necessário que o Código Tributário Brasileiro seja alterado, como pretende o PLC nº 70/2003. Precisamos estar atentos à rápida tramitação desse Projeto, já que sem sua aprovação, muitas das mudanças pretendidas pela Nova Lei de Recuperação de Empresas não surtirão efeitos, pois ela terá status de lei ordinária.

No que tange à classificação dos créditos na falência, é importante observar que a prioridade dos créditos trabalhistas decorre da sua natureza alimentar, da necessidade de o trabalhador sobreviver com seu salário e suas indenizações trabalhistas. A natureza desse crédito, então, está ligada ao próprio direito à vida.

Aliás, é a própria Constituição Federal que estabelece que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.

O trabalhador, ao prestar serviço, está concedendo parte de seu tempo, de sua vida, ao trabalho, para prover seu sustento e o de sua família. Dessa maneira, a preferência do crédito trabalhista tem nítido caráter social, não podendo ser posto em situação inferior a qualquer outro.Tanto é assim que o art. 100 da Constituição Federal excepcionou os créditos de natureza alimentícia da ordem cronológica dos precatórios.

Com isso, devemos analisar com muito cuidado qualquer possibilidade de ser limitado o valor que o trabalhador poderá receber, sob as escusas de evitar-se a fraude ou simulação de atos jurídicos.

Não achamos justas indenizações trabalhistas milionárias de altos executivos e administradores, que em sua maioria tem algum tipo de participação ou responsabilidade pelo fracasso da empresa, sejam pagas prioritariamente em detrimento dos demais credores. Porém, precisamos ser cautelosos ao instituir mecanismos para que esse tipo de fraude não ocorra, pois o trabalhador não pode ser prejudicado sob esse argumento.

Por esse motivo é que somos favoráveis à limitação do artigo 28 do PLC 71 que permite a restituição da importância, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, embora esse dispositivo tenha trazido para a lei assunto já aclamado pela jurisprudência. 

Gostaria de ressaltar também o artigo 180, parágrafo 2º, do PLC 71, que preceitua que, na hipótese de recuperação judicial, caso o montante dos créditos trabalhistas devidos supere a trinta por cento do ativo circulante da empresa, caberá ao juiz fixar um novo critério de rateio entre os empregados. Essa regra restringe apenas o direito do trabalhador, não limitando os demais créditos, o que impõe seja analisado com bastante cautela.

De todo modo é inegável que as mudanças pretendidas pela Nova Lei serão benéficas ao mercado financeiro, já que aumentarão o volume do crédito privado, minorando seu custo.

Quanto às pequenas e microempresas, devemos também estabelecer mecanismos que viabilizem a priorização do recebimento de seus créditos, nos casos em que sejam elas credoras de empresas falidas. Isso, porque em grande parte dos casos, quem trabalha nessas empresas são os membros da família, sócios do empreendimento. Assim, esses créditos passam a adquirir caráter alimentar e, então, devem ter primazia.

É muito importante a reformulação do nosso sistema falimentar. Percebemos que isso é não só urgente, mas também trará reflexos positivos à economia, trazendo a tão desejada expansão do crédito privado.

Entretanto, não podemos deixar de estar atentos ao fato de que o projeto pode ser aperfeiçoado, conforme pudemos verificar nas audiências públicas realizadas nesta Casa, na Comissão de Assuntos Econômicos.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2004 - Página 4337