Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Expressões de preconceito racial nas instituições brasileiras. Justificativas para apresentação de projeto de lei que inclui agravantes aos crimes praticados por motivo de racismo.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Expressões de preconceito racial nas instituições brasileiras. Justificativas para apresentação de projeto de lei que inclui agravantes aos crimes praticados por motivo de racismo.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2004 - Página 4498
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEMONSTRAÇÃO, MANUTENÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, INSTITUIÇÃO PUBLICA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, POLICIA, JUDICIARIO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, INCLUSÃO, AGRAVANTE, CRIME, MOTIVO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • LEVANTAMENTO DE DADOS, DEMONSTRAÇÃO, MAIORIA, HOMICIDIO, JUVENTUDE, VITIMA, NEGRO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho mais uma vez à tribuna para falar do assassinato, ocorrido em São Paulo, de um jovem dentista de 28 anos, Flávio Ferreira Sant’Anna.

Socorro-me, neste momento, de uma carta encaminhada por um ex-Senador, também negro, Abdias Nascimento, escrita em 1949, à Polícia do Rio de Janeiro, que trazia a seguinte frase: “Basta um negro ser detido por qualquer coisa insignificante - assim como não ter uma simples carteira de identidade- para ser logo tratado como se já fosse um criminoso”. Poderíamos dizer que a Polícia considera um homem de cor um delinqüente nato, e está criando o delito de ser negro.

Sr. Presidente, mais de meio século depois parece que nada mudou. Sobrevivem práticas enraizadas, que não reconhecem e não valorizam a diversidade racial e étnica da população brasileira.

A principal causa da morte de jovens negros é o homicídio, segundo pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo.

Na revista Época desta semana, a ex-Ouvidora e Socióloga Julita Lemgruber, do Rio de Janeiro, declarou que “há um viés racial embutido no trabalho da Polícia. O policiamento ostensivo é marcado pelo preconceito”.

A revista IstoÉ também desta semana divulga fragmentos de dois acórdãos do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Lá estão manifestações do preconceito existentes igualmente no Judiciário.

Expressões como “tipo negróide que campeia na marginalidade adquirem o valor, segundo a revista. 

Sr. Presidente, volto a esse assunto - e não lerei na íntegra meu pronunciamento - para demonstrar nossa preocupação. Como disse o pai do jovem Flávio, esperamos que o assassinato de seu filho motive uma grande campanha nacional contra o preconceito, o racismo e a agressão contra a juventude negra.

Nesse sentido, Sr. Presidente, encaminhei à Mesa hoje um projeto de lei, que altera o Decreto nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, para incluir a previsão de agravantes aos crimes praticados por motivo de racismo. Na justificativa, buscamos subsídio no Código Penal Espanhol (Lei Orgânica nº 10, de 23 de novembro de 1995).

Creio que este projeto seja mais um passo para coibir a prática do racismo e o preconceito de um ser humano contra outro ser humano.

A proposição que ora apresento, Sr. Presidente, busca adequar a legislação penal, propiciando assim um enquadramento do fator subjetivo que impele a ação concreta do indivíduo que pratica um crime, tendo como origem seu sentimento preconceituoso ou racista.

Esperamos, Sr. Presidente, que o projeto seja aprovado rapidamente, para garantir que crimes praticados por motivo de racismo tenham essa previsão de agravantes. Com isso estou alterando o nosso Código Penal. Sei que apenas uma lei não é suficiente para mudar a cultura do preconceito que ainda existe no nosso País. Mas, como algo tem que ser feito, eu aqui apresento o Estatuto da Igualdade Racial e agora esta alteração no Código Penal - a qual não consta do Estatuto - para dar a minha contribuição.

No entanto, entendo que somente um grande movimento nacional da sociedade organizada mudará esse viés racista que, infelizmente, existe nas corporações, no caso aqui da Polícia Militar, e em grande parte da sociedade brasileira.

Estou fazendo um levantamento e pretendo demonstrar, mediante essa pesquisa, que de cada 10 jovens que são assassinados neste País, 8 são negros. Os dados que tenho até o momento apontam nessa linha, Sr. Presidente. É um quadro assustador e a sociedade terá que se pronunciar sobre esses números, não só apresentando leis - como estou fazendo -, mas com grandes movimentos de mobilização, numa luta que dê como resultado positivo a não-agressão de qualquer cidadão, principalmente, no caso específico, contra a juventude negra.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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     O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente. Srªs e Srs. Senadores, o inquérito sobre o assassinato do dentista Flávio Ferreira Sant'Ana já foi encaminhado à Justiça pela Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo.

     A Corregedoria agiu com rapidez e a Polícia Civil pediu a prisão preventiva dos sete PMs envolvidos. Eles responderão por homicídio doloso e qualificado.

     A repercussão na mídia, os protestos e as manifestações de toda parte foram decisivos para apressar o inquérito. Os policiais confessaram o crime. A farsa foi desmoralizada.

     O senhor Jonas Sant'Ana, pai da vítima, disse que espera que a morte de seu filho sirva para mudar a forma como os militares abordam e tratam as pessoas. Ele disse ainda: "Tenho certeza de que, se meu filho não fosse negro, estaria vivo."

     Em meados do século passado, em 1949, o ex-senador Abdias Nascimento escreveu uma carta aberta ao chefe de Polícia do Rio de Janeiro.

     Tratava do mesmo assunto que enlutou a família do Sr. Jonas Sant'Ana, ou seja, os abusos cometidos pela polícia contra a população negra. Abdias Nascimento escreveu estas frases célebres:

"Basta um negro ser detido por qualquer coisa insignificante - assim como não ter uma simples carteira de identidade - para ser logo tratado como se já fosse um criminoso. Dir-se-ia que a polícia considera o homem de cor um delinqüente nato, e está criando o delito de ser negro."

     O delito de ser negro. Sua condição racial, traços de sua aparência física, basicamente cor da pele e textura do cabelo, tornam o negro um ser delituoso aos olhos do preconceito.

     Mais de meio século depois parece que nada mudou. Sobrevivem práticas enraizadas, que não reconhecem, não valorizam a diversidade racial e étnica da população brasileira.

     A principal causa da morte de jovens negros é o homicídio, segundo pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo.

     Na revista “Época” desta semana, a ex-ouvidora e socióloga Julita Lemgruber, do Rio de Janeiro, declarou que “há um viés racial embutido no trabalho da polícia. O policiamento ostensivo é marcado pelo preconceito”.

     Um quadro perverso pelo que significa de agressão aos direitos de cidadania e aos valores da dignidade humana.

     Na força policial predominam mentalidades e atitudes que são entraves à plenitude da cidadania. Esta visão preconceituosa não está, infelizmente, confinada ao âmbito policial.

     A revista "Istoé" desta semana divulga fragmentos de dois acórdãos do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Lá estão manifestações do preconceito existente também no Judiciário.

     Expressões como "tipo negróide que campeia na marginalidade" adquirem o valor de prova, segundo a revista.

     Polícia, Justiça e todo o imaginário social se orientam por padrões raciais, esta é a verdade de nosso processo histórico.

     Não dissociamos direitos de cidadania, direitos fundamentais e humanos do pertencimento racial. “Se Flávio fosse branco, com certeza não teria morrido, afirmou a ex-ouvidora Julita Lemgruber à revista “Época”.

     Expressões como racismo cordial, racismo difuso, etc., servem entre nós apenas para camuflar a realidade. Em alguns momentos, como no caso do jovem dentista assassinado, a violência racial explode sem disfarces e todos acudimos para mostrar um fato singular, isolado, prontamente rechaçado.

     Não é verdade. O que aconteceu com o dentista Flávio não é um fato isolado. O racismo cresce à sombra. Negamos e recalcamos, mas sua obra de destruição é cotidiana e ininterrupta.

     O pai de Flávio espera que o sacrifício de seu filho não tenha sido em vão. Ele deseja mudanças na mentalidade e nas atitudes dos policiais. Na semana passada, nesta tribuna, falamos na necessidade de uma campanha nacional de educação contra o racismo.

     Queremos insistir neste ponto. Precisamos promover os valores da tolerância e do respeito à diversidade. Repito: ninguém nasce racista. As pessoas aprendem a depreciar a riqueza de nosso patrimônio de diversidade.

     Aprendem em casa, nas relações de vizinhança, na escola, nos meios de comunicação.

     Uma campanha nacional representaria uma esperança de envolvimento amplo das instituições no combate às discriminações que são entraves à cidadania plena de milhões de brasileiros.

     Queremos reverter esse processo discriminatório e excludente e apelo mais uma vez ao Governo Federal para que se empenhe na promoção dos valores da diversidade e da tolerância.

     A educação contra o racismo tem um valor estratégico, não podemos esperar mais.

     Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2004 - Página 4498