Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Mudanças constantes nas leis no país, destacando o exemplo dos marcos reguladores, cuja estrutura está prestes a ser modificada antes mesmo da definição de suas regras.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL. LEGISLATIVO.:
  • Mudanças constantes nas leis no país, destacando o exemplo dos marcos reguladores, cuja estrutura está prestes a ser modificada antes mesmo da definição de suas regras.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2004 - Página 4500
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL. LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, ORADOR, ANALISE, CAPACIDADE, HOMEM, RENOVAÇÃO, BUSCA, MELHORIA, PODER AQUISITIVO, NECESSIDADE, OBTENÇÃO, BENS.
  • ADVERTENCIA, PERIGO, OBSOLESCENCIA, INDUSTRIA.
  • APREENSÃO, ORADOR, EXCESSO, LEIS, BUROCRACIA, CONSUMO, PAIS, OBSTACULO, INVESTIMENTO, PROVOCAÇÃO, AUSENCIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL.
  • DEFESA, UNIDADE, CONGRESSO NACIONAL, EMPENHO, SIMPLIFICAÇÃO, GARANTIA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1978 eu escrevi um livrozinho: É Proibido Ter Idéias Novas ou A Velhice do Novo. E lá eu falava exatamente da capacidade de o homem ser criador.

No primeiro capítulo, há logo um diálogo hipotético entre Deus e o homem, no qual este diz: - “Senhor, visto que sou feito à vossa imagem e semelhança, permiti que eu não seja apenas criatura, mas possa também ser criador”.

E a resposta, nesse diálogo hipotético, de Deus é: - “Permitirei sim, nalgumas coisas, mas serás sempre escravo da tua insatisfação, para o teu próprio progresso”.

E é verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que nós, permanentemente, estamos insatisfeitos com o statu quo; estamos sempre tentando aprimorar.

Quem acompanha a História da Evolução do Homem - Homo Pekinensis, Homem de Neanderthal, Homo Sapiens - sabe que nós estamos sempre buscando melhorar o meio que nos cerca: ou fazendo novas ferramentas, ou arranjando novos vegetais para plantar e diferentes animais para domesticar. Mas a verdade é que nós, como criadores, estamos sempre insatisfeitos. Cada descoberta, cada invenção gera novas invenções, abrindo o horizonte para novas descobertas.

E qual é o objetivo deste livro? Mostrar que nós não podemos cair no exagero de que tudo o que foi terminado torna-se obsoleto. Imaginem um arquiteto que desenha cadeiras. Quando ele termina de desenhar um modelo, aquele modelo para ele torna-se obsoleto. Precisa desenhar uma nova, pois aquela ele já conseguiu. Não é diferente na indústria automobilística. A cada hora se faz um novo modelo mais aprimorado. A obsolescência programada funciona na indústria. Permanentemente retira-se do mercado a geladeira da porta abaloada para a retilínea; retira-se a retilínea para a que contém o refrigerador e a geladeira. Enfim, na indústria isso é mais do que normal.

Só que isso funciona muito mais nos países periféricos, onde não há lemon law como, por exemplo, nos Estados Unidos, que é a favor do consumidor, como devia. Nós temos a lei do consumidor - tudo muito bem - mas não como nesses países. Quando se precisa de uma peça, não há mais para vender. Resta adquirir um novo modelo. Quem usa telefone celular - e quase todo mundo no Brasil hoje o tem - sabe que cada vez que se procura consertá-lo, não há mais peça, pois, a cada seis meses, surge um novo modelo. Isso na indústria seria compreensível, se não fosse onerosa para a população a prática da obsolescência. Nosso livro diz exatamente que não se pode fazer de conta que o que acabou de ser fabricado, sem nem ao menos ter sido experimentado, já é velho. Por isso, o livro tem esta contraditória: “É Proibido Ter Idéias Novas” enquanto não tiverem sido implantadas as boas idéias de ontem. Estamos vivendo numa sociedade onde as boas idéias, se implantadas, não chegam a ser testadas, porque já se busca uma nova, tal qual o arquiteto que desenha cadeira.

Alguns produtos são ícones e, portanto, não mudam o modelo com freqüência. A Rolls-Royce e a Mercedes-Benz, por exemplo, costumam estipular um prazo de cinco anos até lançar um novo modelo no mercado. Contudo, se o modelo existente for muito popular e vendável, o prazo é estendido para dez anos. A média é de cinco anos. Mas em geral o modelo muda a cada ano, com custo para o bolso de todos nós, até por causa dos grupos de referência. Suponhamos que uma cunhada tenha comprado um liquidificar ultramoderno. Fica, pressiona e daqui há pouco... E diz: Não, quero ter um liquidificador igual ao da fulana de tal. E é, como eu disse, a obsolescência programada da indústria. Agora, esse psiquismo também está na cabeça dos legisladores. Nem terminamos de fazer uma lei, ela nem teve tempo de se implantar e já fazemos outra.

A Inglaterra, quando fez a sua Constituição em 1600, passou uma infinidade de tempo sem nela mexer. Os Estados Unidos, em 1787, fizeram uma Constituição com menos de dez emendas. No Brasil, a nossa Constituição de 80 já tem 42 emendas aprovadas, mas em curso temos um outro tanto. Não é à toa que o Presidente Sarney, hoje em seu discurso, falou do cipoal de leis.

Lembro-me de um amigo meu que estava desesperado porque era final de ano, quando todos os fiscais costumam chegar às empresas. Final de ano é época de festas e de fiscais de todos os tipos que chegam às empresas. E um fiscal disse: Olha, vai ser multado. Eu disse: Mas como? Eu cumpri a lei. E ele disse: Não, doutor, se o senhor cumpriu uma, deixou de cumprir a outra, porque, quando a gente chega, depende muito, porque sempre há uma lei que está deixando de ser cumprida. E ele estava tonto. Veio reclamar comigo que não é possível, que tínhamos que fazer uma limpeza no cipoal de leis do Brasil porque realmente se se cumpre uma, deixa-se de cumprir outra. São tantas e tão contraditórias que ficamos tontos.

Então, vejam que, enquanto os Estados Unidos, de 1787 até hoje, possui menos de uma dezena de emendas na sua Constituição - acredito que não chega nem à metade da dezena -, temos, na de 1980, quarenta e duas emendas já autorizadas, fora as que estão em curso.

Temos leis que não chegaram sequer a ser implantadas na sua plenitude e já foram mudadas. A cada momento, vemos a quantidade de projetos que chegam, às vezes os mais irracionais e loucos, e continuamos legislando, em vez de buscarmos simplificar todo esse cipoal.

Nesses últimos dias tenho batido muito na tecla da burocracia, discutindo a necessidade da racionalização e da Agenda Brasil. Trata-se de uma burocracia que sufoca, inclusive por causa dessa excessiva quantidade de leis. É uma agenda que não é a do povo. Em vez de estarmos aqui discutindo a construção de casas, tentando melhorar a saúde e a educação, estamos discutindo, a todo momento, o sistema financeiro, que é algo volúvel, instantâneo, de passagem. E estamos discutindo temas que são muito mais importados do que nossos. Mas, pergunto eu: como está o Brasil, neste momento, em matéria de investimento estrangeiro, em dinheiro que veio para ficar? Este é o ano que menos tivemos recursos: 10 bilhões. E por quê? A resposta é aquela a que já me referi nesta Casa. Convidamos um empresário estrangeiro para vir para cá e ele diz: Mas, como? Não sei qual é a lei. No País de vocês, a todo momento, mudam a legislação. Preciso tomar uma vacina contra as leis, ou entendê-las, mas no País de vocês não há uma lei clara, definida, correta. E ficamos decepcionados conosco mesmos porque é verdade.

Onde estão os marcos regulatórios que íamos fazer para as Agências? Acabamos de criá-las e já estamos mudando as Agências. E os marcos regulatórios? Tínhamos aqui uma dificuldade de telefones. Hoje temos 39 milhões de telefones celulares, 29 milhões de telefones fixos. E os empresários que investiram? Tiveram a modificação do índice, quebraram o contrato. Certo ou errado, quebraram o contrato. Contrato é para ser cumprido.

Onde estão os marcos regulatórios das agências de telecomunicação, de eletricidade, etc. Ainda não fizemos. Como vem alguém investir mais dinheiro e implantar indústrias num País se não há marcos regulatórios? Muda-se ao sabor do vento. Eu me preocupo com isso.

Os árabes estão sendo escorraçados, maltratados nos Estados Unidos. São US$300 bilhões lá; gostaríamos muito que viessem para o Brasil. Mas onde estão os marcos para poderem trazer seu capital? Ainda não concluímos os marcos, não sabemos se quem decide são os Ministérios ou as agências!

É preciso parar com o blá-blá-blá e tratar de trabalhar.

Concedo a palavra ao nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Ney Suassuna, V. Exª faz o discurso de um homem que tem vivência na área empresarial. V. Exª fala com conhecimento de causa. Neste aparte, quero apenas dizer que me recordo de que, há alguns anos, quando lutávamos pela volta do Estado de direito, e falava-se em investimentos no Brasil, dizíamos: O País não tem estabilidade política. No dia em que o Brasil tiver estabilidade política, teremos mais campo. Penso que a estabilidade política é a principal meta a perseguir. E já a conquistamos. Bem ou mal, nossas instituições funcionam - digo bem ou mal porque funcionam com defeitos e qualidades. Como ressalta V. Exª, temos um “cipoal de leis”, uma legislação complicada, códigos com inúmeros artigos, projetos de lei tramitando pretendendo mudanças constitucionais e infraconstitucionais, mas não temos segurança econômica. Ninguém sabe o que acontecerá à economia do Brasil. Faltam regras claras na economia. O Brasil precisa ter firmeza no campo econômico, precisa ser o caminho para a atração de investimentos. Não me refiro aos investimentos estrangeiros apenas, mas aos nacionais. Quando se espera a baixa da taxa de juros, vem a decepção. Ninguém ousa. Senador Ney Suassuna, se esse direito eu tivesse, resumiria o discurso de V. Exª em uma única frase. V. Exª diz claramente nesta tribuna o seguinte: O Brasil não tem segurança econômica. É isso que está acontecendo no País. As leis que tratam da economia e as decisões a esse respeito são as mais diversas possíveis. Isso leva à instabilidade e prejudica o crescimento econômico do nosso País. Cumprimento V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador. Incorporo as palavras de V. Exª como parte desta minha oração. Nobre Senador, penso que estamos num círculo vicioso. Se a economia não vai bem, não cuidamos de outras áreas; as outras áreas também não vão bem e isso tem reflexos na economia. Falei que precisamos de uma agenda o mais rápido possível. Senador, o homem é um animal homeotérmico. Precisa ter uma temperatura estável. Para isso precisa de roupas, de casa e de alimentos. Outras necessidades como saúde e educação são conseqüência. Precisamos de 6 milhões de casas e, para construí-las, são necessários: tijolos, telha, pedra para fazer a base, madeira para fazer o telhado. Temos tudo isso aqui no Brasil e muitos desempregados. Por que não iniciamos a construção dos 6 milhões de casa? Estamos esperando que o valor do dólar aumente ou diminua? Isso não vai influenciar.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador, não se liberam recursos. Incluímos recursos no Orçamento para habitação, mas não liberam. Há corte nos investimentos públicos. O próprio Governo corta os investimentos.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Nobre Senador Ramez Tebet, se estivéssemos vibrando, se tivéssemos uma liderança que faz o povo vibrar, faríamos como na China, onde se constroem barragens carregando terra em cesta de vime. Quando se quer, faz.

Lamentavelmente, as pessoas, com a queda do dólar, já julgam que há uma crise econômica.

Está faltando força de vontade neste País. Quando os geólogos informaram que não havia petróleo no Brasil, Getúlio Vargas criou a Petrobras, a maior empresa do País. Ele não ficou esperando a Nasdaq, a Bovespa. Não! Agiu imediatamente.

Infelizmente, somos um País de pessoas que falam muito e agem pouco. Digo isso constrangido. Não conseguimos sequer unidade entre as duas Casas que formam o Congresso Nacional. Quando há uma abertura, vemos as farpas passando de um lado para o outro. Deveríamos estar unidos em um único objetivo. Deveríamos ter uma comissão de redação para receber os projetos e fazer uma triagem. Deveríamos parar de criar esse cipoal e simplificar o que já existe. É preciso cobrar as ações.

Fico triste porque percebo que não verei, no meu tempo, este País dar a arrancada que eu queria. Quando larguei minhas atividades empresariais e ingressei na vida pública, eu tinha certeza de que poderia colaborar, mas, às vezes, vejo o meu trabalho desperdiçado, com cada um marcando posição. E as votações não são feitas como deveriam. Sinto-me frustrado com tudo isso. E tenho certeza, Senador Ramez Tebet, de que V. Exª, homem prático, que foi Governador e que conheço de perto, se sente frustrado da mesma forma.

E lamento perceber que, até na abertura dos trabalhos, há farpa de um Poder para outro, de uma Casa para outra, e não conseguimos unanimidade sequer para fazer o que precisa ser feito. Fizemos as reformas. Foi votada a paralela? Não! Não conseguimos unanimidade entre as duas Casas.

Precisávamos elaborar uma lei melhor. Seria mais ou menos assim: é proibido ter idéias novas enquanto não forem implantadas as antigas.

O caso da telefonia, por exemplo. Já temos um sistema de telefonia celular extremamente moderno, mas já estamos pensando em outro que só existe no Japão. E o Ministério está se movimentando em relação a esse, que ainda não existe sequer na Europa. Os Estados Unidos ainda estão com o sistema anterior. Estamos avançado em relação à maioria dos Estados Unidos. E quem paga por tudo isso? O povo. Isso de querer ter o mais moderno é complexo de colonizado, de periférico. Para quê? Vamos ter o bom. Esse que está funcionando, cujo nome não me recordo, já está ótimo. Mas se está pensando no que começou a ser implantado no Japão. Estamos fazendo agenda para isso.

Temos que parar com essa mania de ser o melhor dos melhores. Fui à China e fiquei perplexo. As pessoas não vivem maravilhosamente bem, todos têm relógio, têm duas roupas, uma bicicleta, um radiozinho e vivem em apartamentos em que uma cozinha e um banheiro servem a quatro desses. Mas todo mundo tem moradia. É difícil a vida lá? É. Cada qual tem um dia feriado entre sete. Quando se começa a trabalhar, informa-se o dia do feriado, e não se pode mudar. Não existe jeitinho. Por quê? Porque não pode ser como no Brasil, onde, num feriado, todos vão ao cinema. O cinema pode ficar desocupado durante toda a semana, mas, no final dela, tem que haver espaço para todos. Essas coisas práticas eles fizeram. Resultado: ninguém passa fome ou tem os dentes quebrados; estão todos tratados e têm o mínimo necessário. Aqui, temos demais para alguns e sequer o mínimo necessário para outros. Temos que parar com o falatório e passar para a execução.

Lamento que nós, legisladores, ainda não tenhamos arregaçado as mangas, nobre Senador. Sei que V. Exª é um entusiasta, como eu, e sei da nossa impotência para, às vezes, fazer andar o carro. E falo aqui desse exagero porque vejo que estamos gastando tempo e energia tentando fazer sonhos quando podíamos estar fazendo um pouco da realidade, o que já seria suficiente.

Era isso, nobre Presidente. Acabei dentro do meu tempo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2004 - Página 4500