Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o escândalo da Casa Civil, fato que demonstra as contradições existentes no Partido dos Trabalhadores enquanto poder.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre o escândalo da Casa Civil, fato que demonstra as contradições existentes no Partido dos Trabalhadores enquanto poder.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2004 - Página 4503
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, CONTRADIÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, DENUNCIA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CORRUPÇÃO, PARTICIPAÇÃO, EX SERVIDOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, CLAUDIO WEBER ABAMO, SECRETARIO GERAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, CONDUTA, GOVERNO, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, GARANTIA, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • ESCLARECIMENTOS, RESPONSABILIDADE, ATUAÇÃO, ORADOR, OPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, INDICIO, FUNDAMENTAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, CONTRATO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), EMPRESA ESTRANGEIRA, IMPLEMENTAÇÃO, SISTEMA, INFORMATICA, LOTERIA FEDERAL.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

“A esperança não tem volta e seu caminho não tem fim.”

Millôr Fernandes.

Nos Estados Unidos e na Europa, o gerenciamento de crises é tratado com seriedade científica e há vasta literatura sobre o assunto, com alguns best-sellers publicados. Apesar de eles terem um controle institucional e padrões de comportamento mais rígidos do que a sociedade brasileira, americanos e europeus não estão imunes às escorregadas da vida. Eles entendem muito bem que no Planeta On-Line a conservação da imagem, a manutenção da confiança e a preservação da credibilidade devem ser uma constante nas atividades de qualquer corporação empresarial ou instituição política. Por isso se dedicam tanto ao assunto.

No Brasil, onde a freqüência do indecoroso é exponencialmente maior, em especial na via dos negócios duvidosos entre o público e o privado, praticamente não havia tratamento da matéria. Mas, no ano passado, o premiado jornalista Mário Rosa publicou livro interessante sobre o tema, com o título A Era do Escândalo. A obra, que já tive a oportunidade de comentar quando do seu lançamento, percorre as entranhas de dez casos de grande repercussão, envolvendo crises políticas, empresariais e pessoais como a queda do Fokker-100 da TAM, o escândalo falacioso que vitimou a imagem do ex-Ministro Alceni Guerra, o drama da atriz Glória Pires e o afundamento da plataforma marítima da Petrobras, entre outros.

Além de esmiuçar cada caso, o autor, a partir da ótica dos protagonistas, delineia um verdadeiro manual de sobrevivência à brasileira para crises. Leitura obrigatória para qualquer homem público, executivo e profissional de comunicação, A Era do Escândalo não é uma bíblia, mas pode ter o condão de trazer conforto aos desassossegados integrantes do Governo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, neste momento de aflição de identidade por que passa o Partido dos Trabalhadores.

Srªs e Srs. Senadores, devo reconhecer que o Governo Lula agiu rápido e de forma acertada ao demitir o Subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria da Casa Civil, Waldomiro Diniz da Silva. Conforme todos já sabíamos na sexta-feira, a revista Época revelou, em belo furo de reportagem, um vídeo no qual o homem que cuidava do relacionamento institucional do Governo Lula com o Poder Legislativo estava envolvido na defraudação de uma concorrência pública em troca de propina e contribuição ilegal de campanha. Depois que Época foi às bancas, a situação se tornou insustentável e foi dada à crise solução cerimonial.

O Ministro da Justiça, mesmo sem convicção, foi encarregado de fazer as honras moralizantes da Casa e confirmou ter dado ordem para que a Polícia Federal abrisse inquérito. Agora, o Governo espera, com a ajuda do carnaval, que o decurso de prazo encerre o assunto. Sou signatário da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar o Escândalo da Casa Civil. Embora a representação governista nesta Casa tenha assegurado que podíamos ficar tranqüilos pois “o Governo e as pessoas que compõem a sua base de sustentação política não descansarão enquanto o episódio não for totalmente esclarecido”, não vejo ânimo persecutório na base do Governo. Aliás, conforme noticiaram todos os grandes jornais brasileiros, o PT vai abafar a CPI e os integrantes do próprio Partido do Governo foram os primeiros a se submeter à asfixia mecânica.

Mesmo assim, o primeiro escândalo da Era Lula terá efeito indelével, em particular na consciência do Partido dos Trabalhadores, que sempre foi ímpio com o deslize alheio e agora, descoberto no armário o esqueleto inaugural, muda-se para o mundo dos iguais. Adquire a coloração política encardida que apontava nos outros e da qual se imaginava intangível. Imerge no inconfessável repleto de culpa e vergonha. E, ao descobrir que não há mais linha demarcatória entre a ética que supunha ter e a ética dos demais, para conservar o poder acredita que é legítimo praticar o que antes condenava. O Partido que fez da anticorrupção a marca da sua utopia hoje tem uma imensa nódoa na sua quimera. É como muito bem escreveu ontem Dora Kramer no jornal Estado de S.Paulo: “O poder acaba obrigando o partido a despir o figurino de vestal”.

Em escândalos dessa magnitude, o PT, antes de ser esse infante cheio de maldades e idéias impuras, reagiria com virulência e apelos extremos. Para a instalação de uma CPI, seriam mobilizadas caravanas de sem-terra. Haveria quebra-quebra no Congresso. Parlamentares enfrentariam forças policiais. Greve nacional por três dias. Placar em praça pública com exposição vexaminosa dos adversários. E muita torta no rosto de autoridades. Pela segunda vez - primeiro foi o Presidente do PT, José Genoíno, e agora o Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini -, um integrante da dirceupólis é constrangido com a forma de protesto que fazia parte do cardápio de ações revolucionárias do Partido. Esse é mais um indicativo de que o PT encontrou o seu senso comum. Do denuncismo imberbe - que caracterizou a atuação principalmente parlamentar do partido - à vidraça, bastou a precocidade de um ano de governo. Passou de estilingue a estilhaços. Observem que se trata do maior escândalo desde 1992, quando se deflagrou o “Collorgate”, com no mínimo duas coincidências: a primeira é que a denúncia surgiu em uma revista semanal; a segunda é que o principal personagem, Waldomiro Diniz, surge na seara petista quando o partido cuspia fogo na CPI do PC Farias.

Sr. Presidente, há rigorosamente um ano, venho enfatizando o caráter meramente declaratório do Governo Lula. Trata-se de uma administração apenas aparente, que manipula à distância os princípios que faziam do PT a diferença na política brasileira. Ontem, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o Secretário-Geral da organização não-governamental Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, mostra o seu desânimo com a falta de sinceridade do Partido dos Trabalhadores. Durante a campanha eleitoral, o Presidente Lula, em nome do DNA puro que sustentava o PT acima dos demais, assinou com a ONG um compromisso anticorrupção, com uma série de medidas que a futura administração tomaria ainda no primeiro ano. Entre as providências, constava a criação de uma agência nacional anticorrupção, um órgão de fiscalização e regulação com ascendência sobre os ministérios e que, nas palavras de Abramo, “simbolizava a eleição do combate da corrupção como estratégia de governo. Mas isso nem de longe foi feito”. De acordo com Abramo, “não se pode dizer que o Governo Lula tenha adotado o combate à corrupção como programa administrativo concreto.”

O Secretário-Geral da Transparência Brasil acredita que as medidas tomadas até agora, no âmbito da Controladoria-Geral da União, são muito tímidas e declarou que são justamente os mecanismos frágeis de controle que criam a oportunidade para que a corrupção prospere. Sinceramente, Abramo mostra-se decepcionado. Diz ele: “Eu diria que se esperava muito mais. O Governo Lula comprometeu-se, durante a campanha, a tomar diversas medidas - ele assinou um documento público com o Transparência Brasil. A maior parte das medidas não foi tomada por motivos que só o Governo pode responder.”

Sobre o escândalo da Casa Civil, Cláudio Weber Abramo pensa que “o fato de um indivíduo estar relacionado ao Partido dos Trabalhadores, que tradicionalmente teve a imagem ligada ao combate à corrupção, mostra que as palavras apenas para combater a corrupção não bastam”. O dirigente da ONG acredita que o Governo do PT “poderia tomar o caso como um grande gancho para adotar um combate à corrupção de forma sistemática e organizada. E não apenas com declarações contra a corrupção”. Sinceramente, tento compreender a dor que fere de morte homens e mulheres públicos de moral inatacável, que, com toda a certeza, não almejaram o poder para contribuir com a ampliação do lamaçal - nomes, só para ficar nesta Casa, como o das Senadoras Ideli Salvatti e Serys Slhessarenko e dos Senadores Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque, Sibá Machado e todos os demais. Srªs e Srs. Senadores, há 72 horas, este País não comenta outro assunto a não ser o vaso trincado do PT.

Sr. Presidente, no ano passado, recebi informação - e provavelmente o Senador Arthur Virgílio tenha obtido igual notícia - de suposta fraude na renovação do contrato da Gtech com a Caixa Econômica Federal, conforme noticiou a revista Veja nesta semana. A referida empresa, norte-americana, é responsável pela implementação do sistema on-line das loterias federais. De acordo com a denúncia, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, a Gtech propôs 22% de deságio no preço inicial para renovação contratual com a Caixa Econômica Federal. Para prestar igual serviço, o contrato foi revigorado, mas com um desconto de apenas 7%, ou seja, com uma desvantagem estimada de R$150 mil para cada R$1 milhão. Agora que o escândalo veio à tona, existe fundada suspeita de que a negociação lesiva aos interesses públicos tenha sido patrocinada pelo Sr. Waldomiro Diniz.

Srªs e Srs. Senadores, no dia 22 de maio de 2003, apresentei requerimento de informação com pedido ao Ministro de Estado da Fazenda da cópia autenticada do contrato assinado entre a Caixa Econômica Federal e a empresa Gtech do Brasil Ltda; o edital de concorrência que amparou tal contratação e aditivos contratuais assinados. Como as informações foram prestadas de forma incompleta, nova requisição foi efetuada e, no final do ano passado, pude ter acesso aos dados.

Estou no exercício de meu mandato de Senador, mas guardo na alma o Promotor de Justiça, cujo ofício é realizar a persecução fundada em evidências e provas. Sou oposição ao Governo Lula, mas com absoluta responsabilidade. Jamais pratiquei nesta tribuna o denuncismo, a aleivosia, a traquinagem anarquista ou a disseminação do achincalhe, como sempre fez o PT nos tempos de oposição. Também não vou lançar mão do “fora Lula”, como faziam os petistas com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Aliás, em mais um destempero verbal, o próprio Presidente Lula reconheceu que o Partido dos Trabalhadores fazia oposição predatória.

Vejam bem, desde dezembro do ano passado, minha assessoria se debruça sobre o procedimento da Gtech, que possui mais de quatro mil páginas, em busca de indícios que possam fundamentar eventual denúncia. Trata-se de uma demonstração de fé na verdade, de compromisso com a sociedade que me elegeu para fazer oposição sadia, sem vícios e rancores. Exatamente o avesso do que o PT fez no passado, quando se imaginava porta-voz de intenções imaculadas, mas cujo conteúdo oculto guardava heresias gerais. Traído pelas tentações mundanas do favoritismo e do ganho fácil, no seu âmago agora mora um gigante de pés de barro em profundo desencanto.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2004 - Página 4503