Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do aperfeiçoamento do Fundo de Financiamento do Ensino Superior - FIES.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa do aperfeiçoamento do Fundo de Financiamento do Ensino Superior - FIES.
Aparteantes
Hélio Costa.
Publicação
Publicação no DSF de 18/02/2004 - Página 4671
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, LIMINAR, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF), IMPEDIMENTO, GOVERNO FEDERAL, EXIGENCIA, FIADOR, ESTUDANTE, SOLICITAÇÃO, FUNDOS, FINANCIAMENTO, ESTUDO, ENSINO SUPERIOR.
  • ESCLARECIMENTOS, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ABERTURA, POSSIBILIDADE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FINANCIAMENTO, ESTUDANTE, APERFEIÇOAMENTO, SISTEMA, PAGAMENTO, ACEITAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, AÇÃO COMUNITARIA, REDUÇÃO, INADIMPLENCIA, PROIBIÇÃO, EXIGENCIA, FIADOR.
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, DEBATE, BOLSA DE ESTUDO, ESCOLA PARTICULAR.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez, com o tema que pretendo abordar nesta tarde mais uma vez, a Educação, possamos, quem sabe num aprendizado permanente que é esta Casa, aprender a conviver com as idéias divergentes, respeitar as posições, que são democráticas, ainda mais quando trazidas à tribuna para o debate com elegância, com competência.

Sr. Presidente, quero comentar uma decisão liminar inédita, tomada pelo Tribunal Regional Federal, da 2ª Região, com relação ao Fies - Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, assunto que, insistentemente, tenho comentado desta tribuna. O objetivo dessa liminar foi impedir que o Governo Federal, o instituidor e mantenedor desse Fundo, possa exigir fiador para os estudantes que o pleiteiam.

Sr. Presidente, é importante que se destaque alguns números para que se tenha uma idéia do problema que envolve a questão do financiamento do ensino neste País. Temos 3,5 milhões de estudantes inscritos em cursos de graduação, sendo que um milhão cursam universidades federais. Somente as universidades federais mereceriam, nesta Casa, não um pronunciamento, mas vários. A própria Universidade Federal de Minas Gerais, apresentada nos telejornais de ontem e nos de anteontem, está sem recursos para pagar suas contas de água e de luz. Este é o quadro das universidades públicas no País. Mas, sem falar no ensino público e gratuito, direito de nossos estudantes, quero me lembrar dos 2,5 milhões de estudantes que freqüentam cursos particulares, que têm no Fies sua única fonte de financiamento.

Sr. Presidente, se temos 2,5 milhões de estudantes que - estes não ganham carro zero quando passam no vestibular; estes não são aprovados na UnB; estes vão de ônibus para as faculdades privadas, pagam o que não têm e normalmente abandonam o curso por não suportarem as prestações - são, muitas vezes, funcionários públicos que têm conhecimento de que, com o diploma de curso superior, podem, quem sabe, almejar algo melhor, um reenquadramento, melhorar suas condições para melhorar seus vencimentos. Destes, pouco se lembram.

E o que fez o FIES? Abriu vagas no ano passado. Qual é o meio de que dispõe o estudante para acessar o FIES? Só pela Internet, como se vivêssemos no país da inclusão digital, onde em cada esquina, das maiores às pequenas localidades, existe um computador pronto para receber um aluno que queira pleitear o financiamento de seus estudos. Não é este o Brasil que conheço, Sr. Presidente! Eu poderia até dizer que Palmas, a capital do meu Estado, foi a primeira cidade a implantar um programa de inclusão digital, chamado Cidade do Conhecimento. Aí sim, Sr. Presidente, nas feiras públicas, em quiosques implantados pelo poder público municipal, existe uma rede de acesso que fornece todas as informações sobre a cidade, que permite a inscrição interativa para depoimentos de seus pioneiros, acessos a serviços. Mas essa não é a realidade do meu Tocantins nem do Brasil.

Então, se o estudante só pode se inscrever para o FIES por meio da Internet, já temos uma resposta para o número de estudantes atendidos pelo programa. Sr. Presidente Paulo Paim, dos 2,5 milhões de estudantes das instituições privadas, 280 mil conseguiram se inscrever no FIES. Quantos foram atendidos? Setenta mil. Ou seja, dos 2,5 milhões de estudantes que estão cursando as entidades privadas de ensino superior no País, apenas setenta mil conseguiram êxito no financiamento de seus estudos.

Apresentei alguns projetos de lei com relação ao FIES. Dentre eles, há um que abre a possibilidade de o BNDES financiar o estudante. Se o BNDES pode financiar a construção de faculdades privadas, que cobram mensalidades, por que não pode financiar o outro lado do balcão, que é o estudante? Tenho discutido isso com o Presidente Carlos Lessa, que aliás é professor, e está agendando uma visita ao meu Estado, ocasião em que faremos painéis para estudar a questão. Antes mesmo da ida do Sr. Carlos Lessa, apresentei um projeto, Senador Antonio Carlos Magalhães, estabelecendo que dentre as possíveis receitas do Fundo de Financiamento do Ensino Superior (FIES) tenhamos o BNDES. Fiz isso porque estou pasmo com a declaração de um dirigente do BNDES de que o Banco possivelmente deixará de investir trinta bilhões por falta de opções de investimento. Mais uma vez, digo que não me parece ser este o País no qual estou vivendo, não é essa a gente que represento. O meu Tocantins, ávido por financiar o aproveitamento das suas potencialidades, com dois rios caudalosos, com toda uma estrutura de energia elétrica a ser financiada, com toda uma contribuição a dar a este País, está precisando de investimentos. E o BNDES afirma ter cerca de trinta bilhões que poderão não ser investidos por falta de opções.

Insisto, Sr. Presidente. É exatamente por isso que prefiro ver o dinheiro que financia empresas nacionais que estão atuando na África, em Cuba, na Venezuela, na Argentina, prefiro ver esse dinheiro investido aqui no País. Se esses financiamentos geram empregos aqui no Brasil, ou seja, se financiam empresas brasileiras que estão construindo pontes, viadutos, estradas de ferro na África, na Argentina ou na Venezuela, se isso já gera emprego aqui dentro, quem dirá, Sr. Presidente, com esse dinheiro investido aqui mesmo em nosso País.

Essa discordância é um ponto de vista meu, mas esse é um tema superado, Sr. Presidente.

O que quero comunicar aos meus Pares, Senador Hélio Costa - vou conceder um aparte a V. Exª -, é que pretendo, com o projeto de lei que apresentei, abrir a possibilidade de o FIES ter como receita o BNDES. Ou seja, o BNDES, para justificar o “S” de Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que me parece estar com sobras de recursos, poderia abrigar um segmento. Anualmente, chegam ao mercado de trabalho cerca de quatrocentos mil jovens. Teríamos que crescer a uma taxa acima de 6% ao ano para absorver essa massa, o que não está acontecendo, pois faltam investimentos, e ainda há a dívida externa. Nesse sentido, haveria um amplo debate a ser feito. Não quero atribuir esse problema a este Governo, e não venho a esta tribuna para colocá-lo como sendo deste Governo Federal. Este é um problema da nossa sociedade, que, no momento, está sendo presidida pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Senador Hélio Costa, quando o novo Ministro da Educação, Tarso Genro, declara que abrirá cem mil vagas nas entidades privadas para alunos carentes, eu só posso festejar. Considero uma boa iniciativa para atender deficientes físicos, negros, índios, brasileiros excluídos - que não são poucos.

Mas, se há 2,5 milhões de brasileiros que estão pagando ou tentando pagar para estudar, eu quero, Senador Hélio Costa, abordar aqui o segundo projeto de lei que apresentei para aperfeiçoar o FIES. O que acontece com esse estudante? Ele termina o curso e não tem condições de pagar o financiamento adquirido. Refiro-me àqueles poucos que conseguiram o financiamento.

Por que não reeditarmos o Projeto Rondon, que tantas saudades deixou no País inteiro, naqueles que participaram e nas comunidades envolvidas? Recordo-me de que, ainda criança, próximo à cidade de Colinas do Tocantins, em função de uma malária, fui atendido, certa vez, por estudantes do Projeto Rondon que por lá passavam. Encontrar aqueles estudantes era uma verdadeira emoção para as populações carentes. Eram universitários brasileiros que estavam servindo à Pátria por intermédio de um projeto.

Um dos projetos de lei que apresentei, Senador Hélio Costa, tem por objetivo permitir ao estudante que contratar o FIES, que financiar os seus estudos por essa modalidade, pagar o financiamento com serviço comunitário, social. São amplas, múltiplas as possibilidades que temos a oferecer para esse estudante. É uma forma de diminuir a inadimplência. Para quem? Para os pouquíssimos que conseguem o FIES e que terminam o curso superior. Alguma coisa também precisa ser aperfeiçoada no sistema de pagamento.

Por último, Senador Hélio Costa, antes de conceder o aparte a V. Exª, quero comentar que estou incluindo nos meus projetos de lei a proibição da exigência de fiador. Afinal de contas, se o estudante já conseguiu se matricular numa entidade que tem uma série de pré-requisitos e se já está fazendo um curso de nível superior, não será o Governo, que está, mediante um fundo, possibilitando o financiamento desses estudos, que fará a exigência de um fiador. Esse é, a meu ver, um mecanismo para inviabilizar de uma vez por todas a participação dos estudantes nessa modalidade de financiamento, tendo em vista que o Serasa - pasmem as Srªs e os Srs. Senadores - tem mais de cem milhões de brasileiros inscritos. Podem pensar que estou errando nos números. Não, Sr. Presidente. Esta é a realidade: dois terços da população brasileira, de uma forma ou de outra, estão inscritos no Serasa. Já falei desta tribuna que não concordo com essa modalidade de cadastro, que consiste em, antes mesmo de saber se o cidadão deve ou não deve, inscrevê-lo, e sabe lá Deus o que o cidadão tem de fazer para retirar o seu nome do tal Serasa. Já fiz aqui uma audiência pública em que o Serasa explicou tratar-se de uma prestadora de serviço contratada pelos bancos. Olha, é uma maravilha, mas isso, para mim, é uma intromissão na vida do cidadão. E é simples, Senador Cristovam Buarque, basta que eu, como cidadão, mova um processo contra V. Exª e esse processo passe pelo cartório de distribuição e eu alegue que V. Exª é meu devedor. Independentemente de V. Exª me dever ou não, o nome de V. Exª já vai para o cartório de distribuição e, ao passar por lá, o nome de V. Exª já estará no Serasa. E não é por outra razão que há mais de cem milhões no Serasa.

Como é que alguém vai conseguir um fiador para ingressar no sistema do FIES? Então, o meu projeto de lei proíbe que se exija fiador de estudante universitário. Temos que acreditar, no mínimo, na juventude deste País, e não será o Governo que fará essa exigência. Deixa que o Banco exija fiador, deixa que as financeiras, que as entidades com fins lucrativos o façam, mas não o Governo Federal. Portanto, Sr. Presidente, tenho procurado dar uma contribuição nesse sentido.

Já vi que a UNE (União Nacional dos Estudantes) se pronunciou contrariamente à abertura dessas vagas nas universidades particulares. Mas há possibilidade de aumentar a oferta de ensino. Prefiro não adentrar nessa questão agora; com a colaboração dos meus Pares, principalmente os mais experientes, como V. Exª, Senador Cristovam Buarque, participarei profundamente da discussão desses três projetos de lei que apresentei com relação ao FIES, para que venham a ser aprovados.

Ouço agora o nobre colega, Senador Hélio Costa, que teve a paciência de permitir que me estendesse em meu raciocínio.

O Sr. Hélio Costa (PMDB - MG) - Senador Eduardo Siqueira Campos, V. Exª faz um pronunciamento extremamente oportuno, primeiro, por ser um jovem político de muito futuro e de muita presença neste Senado. O assunto que aborda é da maior importância, e quero ser um exemplo que V. Exª possa vir a usar. Sou filho de trabalhadores de salário mínimo e fui aos Estados Unidos para trabalhar e estudar na minha juventude. Ingressei numa universidade estadual, onde usei o “Fies” dos Estados Unidos. Lá, o aluno é seu próprio fiador. Se o governo não acredita na proposta do futuro de um jovem estudante universitário, quem vai acreditar? Esse é o exemplo que gostaria de dar. Em segundo lugar, é fundamental que V. Exª inclua entre as suas propostas a votação, o mais rapidamente possível, no plenário do Senado, de um projeto de lei, de autoria do ex-Senador Iris Rezende, que passou pela Comissão de Educação do Senado - da qual tenho a honra de ser Vice-Presidente - e que pede recursos orçamentários para bolsas de estudos para a escola particular de ensino fundamental, médio e superior. É fundamental que se lembre disso, Senador, porque o projeto de lei a que V. Exª se refere não especifica de onde virão os recursos - V. Exª, inclusive, aponta o BNDES como uma possível fonte. De repente, a sua proposta se complementa com essa outra. Entendo que essa é uma das razões pelas quais devemos lutar por esse projeto que, como o seu, fala diretamente sobre os recursos do FIES, que considero quase uma frustração para o jovem. Somente setenta mil jovens jovens, no Brasil inteiro, foram contemplados com o financiamento no ano passado, como V. Exª bem deixou claro. E aqueles milhares e milhares de outros que tentam entrar na universidade por meio do FIES e não têm essa oportunidade? Gosto sempre de lembrar que, se o trabalhador ganha um salário e meio e tem três filhos, eles não terão acesso à universidade pelo FIES, porque não vão enquadrar-se nas exigências. Um trabalhador de um salário e meio! Então, na realidade, a proposta do FIES, como existe no momento, não resolve. Espero que V. Exª, com a sua imaginação, com a sua inteligência, com a sua proposta, possa ajudar a solucionar essa questão.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Hélio Costa.

Também tive oportunidade de estudar, por duas vezes, fora do País. Nos Estados Unidos da América do Norte - já que V. Exª citou o exemplo -, o cidadão tem fé pública; lá não se exige o reconhecimento da assinatura. Agora, aqui, Senador Hélio Costa, até atestado de pobreza tem que ser dado por um cartório. A nossa realidade é muito dura.

Apresento a V. Exª mais um número: dos 31 mil estudantes universitários do Estado de Tocantins, 23 mil estudam em instituições privadas. V. Exª tem idéia de quantos conseguiram inscrição no FIES? Setenta. Ou seja, possivelmente, desses 23 mil, haverá desistência de mais de 30% ao ano, por falta de condição de pagamento.

É por isso que peço a esta Casa para acelerarmos o debate com relação a essas bolsas de estudo.

O projeto do Senador Iris Rezende é muito feliz, mas é preciso que haja uma fonte alternativa. O BNDES, em boa hora, poderia entrar com os recursos, aproveitando a passagem do Professor Carlos Lessa, por quem tenho a maior admiração. É um homem de reputação, de uma história invejável, um intelectual. Essa vinculação do Professor Carlos Lessa é para mim uma esperança. Que S. Exª, presidindo o BNDES com autonomia e olhando para este País, ávido por melhoria no perfil da sociedade, permita o ingresso desses estudantes.

Sr. Presidente, é triste a análise que completa este meu pronunciamento. Segundo dados do IBGE - e Palmas tem a população mais jovem das capitais brasileiras -, está havendo um diferencial com relação à população de 18 a 24 anos nas grandes cidades: jovens nessa faixa etária, predominantemente afrodescendentes, estão sendo exterminados - como se costuma considerar desrespeitoso o termo “afrodescendente”, dirijo-me aos irmãos da raça negra. Com até 30 anos, eles são a maioria dos presos, dos excluídos e dos desempregados e a minoria nas universidades brasileiras. Ou este Brasil assume a sua responsabilidade com os seus filhos, ou vamos continuar pedindo fiador para quem quer estudar e fugir da estatística triste da miséria e do abandono.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/02/2004 - Página 4671