Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Quebra da empresa italiana Parmalat. Necessidade de controle do capital financeiro especulativo.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PECUARIA. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • Quebra da empresa italiana Parmalat. Necessidade de controle do capital financeiro especulativo.
Publicação
Publicação no DSF de 18/02/2004 - Página 4703
Assunto
Outros > PECUARIA. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, CRISE, FECHAMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL, INDUSTRIALIZAÇÃO, LEITE, DERIVADOS, RESULTADO, AUSENCIA, REGULAMENTAÇÃO, NATUREZA FINANCEIRA, IMPEDIMENTO, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO, ACUMULAÇÃO, DIVIDA, FRAUDE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONTROLE, CAPITAL ESPECULATIVO, IMPEDIMENTO, FRAUDE, LAVAGEM DE DINHEIRO, ACUMULAÇÃO, RIQUEZAS, AUMENTO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a quebra do maior conglomerado italiano do setor de alimentos, a Parmalat, é emblemática e nos traz à lembrança a bancarrota da sétima maior empresa dos Estados Unidos, a megacorporação de energia e gás Enron há tempos atrás. A quebra da Enron, levando a perdas de mais de 50 bilhões de dólares, também serve perfeitamente para ilustrar os processos econômicos dominantes no capitalismo contemporâneo.

A desregulamentação financeira, hoje hegemônica mundialmente, aquela que interessa mais de perto ao grande capital volátil, cria condições férteis para os ganhos rápidos, para toda essa movimentação nos paraísos fiscais, para o endividamento sem controle e, portanto, para casos como Parmalat e Enron.

Só para se ter uma idéia, a megacorporação Enron, que até à sua quebra era tida como o modelo bem-sucedido da nova economia e da mais moderna megaempresa globalizada, somente ela, tinha 693 filiais domiciliadas nas Ilhas Cayman. A Parmalat, todos sabem agora, executou sua principal fraude através desse mesmo paraíso fiscal, as Ilhas Cayman, e levantou sua estrutura empresarial no rastro de um processo financeiro obscuro vinculado à lavagem e ao envio ilegal de dinheiro que passou pelas famigeradas CC5 no Brasil. A tal ponto que sua quebra tem menos a ver com os laticínios, com a sua atividade industrial, e bem mais a ver com a forma de pirâmide financeira que a Parmalat foi assumindo. Com a Enron, se deu algo parecido: a quebra não veio por conta da sua fachada industrial, por conta dos negócios oficiais de gás, eletricidade ou energia.

Estamos diante de empresas típicas da era da globalização do capital improdutivo, e que se envolvem pesadamente e decisivamente com procedimentos puramente financeiros e de ganhos no curto prazo, bem alheios à lógica industrial do capitalismo de outros tempos.

A Parmalat, um dos pilares da economia italiana, usava sua condição industrial - agora se vê claramente - para especular no mercado financeiro, contando, nessa empreitada, com a cumplicidade dos grandes bancos. Por isso uma Parmalat super-endividada, acumulando durante um longo tempo um rombo de quase 15 bilhões de dólares, conseguiu passar “despercebida”, conseguiu exibir contas saudáveis e uma super-liquidez enganosa.

São conglomerados que funcionam na base da drenagem de recursos da economia real, da captação de recursos dos fundos de pensão, dos pequenos e médios poupadores ou do Estado, para distribuí-los aos grandes grupos financeiros. Esse é o “novo” capitalismo que prospera na base da indústria da fraude fiscal, da trapaça contábil e dos mecanismos de lavagem de dinheiro criminoso, ilegal. É o capitalismo do grande capital financeiro credor e controlador das megacorporações, dos grandes credores internacionais que emprestam aos Estados “emergentes”, mesmo sabendo que tais países não têm a menor perspectiva de pagar dívida tão astronômica e de crescimento exponencial: o exemplo do Brasil (e do conjunto da América Latina) é claro. Aqueles grupos financeiros emprestam para o país pagar dívidas antigas na base de juros altos, emprestam para, ao cabo, terminarem conseguindo obter garantias e aval para a drenagem de riqueza, renda e a obtenção de vantagens comerciais e econômicas desses países. Países nos quais o FMI vai impondo austeridade fiscal e dependência nacional para gerar dólares. Tudo isso obedece àquela lógica onde a preocupação produtiva e social dá lugar à lógica absolutamente financeira.

É por isso mesmo que as minúsculas Ilhas Cayman, que, na verdade, são um inexpressivo quase-protetorado da Inglaterra, se tornaram o quinto maior centro financeiro do mundo. É o caso de nos perguntarmos: será que isso poderia ocorrer à revelia do poder financeiro ou dos interesses maiores de grupos econômicos decisivos dos Estados Unidos ou da Inglaterra? Se não fosse do interesse dos Estados Unidos e da Inglaterra, as Ilhas Cayman e os quase 50 paraísos fiscais do mundo sequer chegariam a existir?

É de suma importância que o Congresso Nacional continue discutindo e aprofundando o exame dessas questões que dizem respeito às fraudes, falcatruas, lavagem de dinheiro e quebras completamente suspeitas de grandes corporações que deixam um rastro desumano de falências de fornecedores e desemprego. Esta Casa está preocupada com tais questões. Tanto é verdade, que viemos lutando em favor de CPIs que fiscalizem essa caixa preta que é a economia da especulação, da lavagem de dinheiro e da desregulamentação anti-nacional. E, além da luta pela recém-formada CPI para investigar o escândalo Parmalat, estamos empenhados para que não sejam os produtores e nem os consumidores os prejudicados com a crise financeira desta mega-empresa.

Mas uma coisa é certa, e essa é uma questão que transparece no fundo dessas crises: a globalização financeira não pode continuar devorando a economia real, nem as empresas produtivas. Controlar seus efeitos perversos e sua lógica anti-social tem que ser nossa primeira preocupação: impedir que credores internacionais e FMI se imponham sobre a agenda dos povos, sobre a imensa dívida social que paira sobre nosso continente. Neste sentido, é justa e necessária a preocupação do presidente Lula em defender mundialmente uma contribuição provisória sobre as movimentações financeiras, que gere recursos contra a pobreza. A proposta da Taxa Tobin, que defendemos há vários anos caminha nessa mesma direção. É preciso que se ponha um basta nessa lógica. Em discurso feito por nós nesta casa no início do ano 2000, onde defendíamos o controle sobre o capital especulativo, argumentávamos com as seguintes palavras:

Com o objetivo de compensar, pelo menos em parte, os lucros exorbitantes do capital especulativo e distribuir nem que seja um percentual mínimo de seus ganhos aos países mais pobres, a luta pela aprovação, em escala mundial, da Taxa Tobin deve ser reforçada pelos governos democráticos, porque a sua instituição contribuiria sem dúvida alguma para reduzir a pobreza e a desigualdade.

Por detrás do sacrifício do nosso povo, está a usura dos países ricos, os quais, usando órgãos de fachada, conseguem ditar políticas públicas recessivas que só servem aos seus desígnios de aumento da fortuna e acumulação da riqueza.

Com frieza e desumanidade, o capital internacional consegue realizar, sob as vistas de todos, com a camuflagem de ajuda e apoio financeiro, uma verdadeira operação de pilhagem contra as nações mais fracas, conduzindo-as ao comprometimento de suas futuras gerações. O Brasil (...)não pode continuar agindo como um cordeirinho, sem atentar para o fato de que essa conduta de dependência total, de submissão, significa jogar o nosso futuro para um rumo incerto. As exigências do FMI não cessarão e é por isso que a cada dia se cava um fosso entre ricos e pobres, pelas disparidades regionais, interpessoais e de renda que recrudescem em nosso País.

Há quatro anos atrás defendíamos esse controle e uma posição em favor dos interesses nacionais. Essa foi e continuará sendo a nossa luta. Conclamamos o presidente Lula, cuja política externa tem sido meritória e de busca de mercados e acordos alternativos benéficos ao Brasil, a levar adiante a luta pelo controle do capital financeiro especulativo, pela Taxa Tobin e pela criação de um fundo internacional anti-pobreza.

Era o que tinha a dizer,

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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            Reportagem da revista Época OnLine

            Edição 296 - 19/01/04

Justiça italiana irá investigar as atividades de Parmalat no Brasil

            A Itália decidiu investigar as atividades financeiras da multinacional Parmalat no Brasil depois do depoimento de Gianfranco Bocchi, um dos contadores da gigante do setor de laticínios, que confessou que uma "montanha de dinheiro" teria sido enviada ao país.

            "Não sei onde foi parar o dinheiro que buscam. Mas posso dar duas pistas interessantes: revistem duas sociedade do grupo Carital do Brasil e Winshaw. Não conheço bem o assunto, só sei que foi lá o destino de uma montanha de dinheiro", afirmou.

            Bocchi foi preso no final de dezembro do ano passado, junto com o ex-diretor financeiro da Parmalat, Fausto Tonna, após a revelação de um rombo estimado em 10 bilhões de euros no balanço da Parmalat.. Nesta segunda-feira, a justiça italiana prendeu o ex-presidente do banco Monte Parma, Franco Gorreri, que trabalhou como tesoureiro do grupo Parmalat. Gorreri deixou temporariamente o cargo de líder do banco na semana passada. Sua detenção se soma às de outros nove diretores da Parmalat que já se encontram na prisão, entre eles seu ex-presidente e fundador, Calisto Tanzi, para quem o Tribunal de Milão ratificou a ordem de prisão que tinha sido recorrida por seus advogados, que alegavam problemas de saúde de seu defendido, que sofre de uma arritmia cardíaca.

            A justiça italiana concentra agora suas pesquisas nos bancos que durante anos colaboraram com o grupo colocando no mercado emissões de bônus, com a intenção de saber se conheciam o estado real das contas da Parmalat. Entre estas sociedades estão o Citigroup, o Bank of America e JP Morgan, e os quatro principais bancos italianos: Intesa, Capitalia, San Paolo e Monte Paschi di Siena. O grupo Parmalat conta com aproximadamente 36.000 funcionários em 30 países.

            A subsidiária brasileira da Parmalat, segunda maior compradora de leite do país, atravessa problemas em seu caixa desde a concordata de sua controladora italiana em dezembro, após a revelação da fraude. A unidade brasileira informou na sexta-feira que pagou R$ 25,4 milhões em dívida vencida com produtores de leite. Também na semana passada, a Parmalat Brasil devolveu uma fábrica processadora de tomate comprada da Unilever em novembro.

            (Época Online, com agências internacionais.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/02/2004 - Página 4703