Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Soberania nacional sobre a Amazônia.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • Soberania nacional sobre a Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 18/02/2004 - Página 4714
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, HOMOLOGAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, FRONTEIRA, BRASIL, RISCOS, SEGURANÇA, TERRITORIO NACIONAL, LIMITAÇÃO, RESTRIÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é a primeira vez - e certamente não será a última - que ocupo esta tribuna para abordar o problema da soberania nacional sobre a Amazônia. Tomo como ponto de partida a questão da demarcação das terras indígenas. Esse é um assunto que toca de perto o meu Estado, Roraima, que procuro representar aqui nesta Casa em todos os seus vários interesses. Mas hoje quero falar com uma mirada mais ampla. Não se trata de defender os legítimos interesses de meu Estado, mas, sim, de refletir sobre a própria soberania nacional.

Como todos sabem, vivemos agora em Roraima as incertezas que cercam a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, anunciada pelo Ministro da Justiça para janeiro, mas ainda em suspenso. São 1,67 milhão de hectares na fronteira do Brasil com a Venezuela e com a Guiana, que se somam às terras Yanomami, também fronteiriças à Venezuela. São milhões de hectares, centenas de quilômetros de fronteira, áreas sensíveis, sobre as quais o País deixa de ter o controle necessário.

Junte-se a isso o enorme atrativo que representam as riquezas naturais da região - seja em minérios, seja em biodiversidade - a ingerência de organizações cujos interesses reais são obscuros, a cobiça sempre ativa dos países que se consideram donos do mundo, e temos uma situação cujo potencial de conseqüências negativas para o Brasil é grande. Quando deveríamos reforçar nossa presença e defender nossos interesses nacionais legítimos, diante de forças que se organizam para lesar-nos, o que fazemos é, sem grande exagero, abrir mão de parte de nossa soberania. Sim, porque, na prática, a demarcação de uma terra indígena implica erguer uma série de restrições e limites à ação da autoridade soberana do Estado brasileiro.

É inconcebível, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, que afrouxemos assim nossa vigilância justamente em uma área extremamente sensível, que são nossas fronteiras amazônicas. É inconcebível que deixemos nossas fronteiras à mercê de aventureiros cobiçosos, de traficantes, de contrabandistas, de piratas ávidos pelas riquezas animais, vegetais e minerais da Amazônia. Não é aceitável que as instituições que devem zelar pela segurança nacional possam vir a ter sua atuação limitada em território brasileiro pela criação de uma reserva indígena. Há, por exemplo, pressões para que o Exército brasileiro desative suas guarnições na área da terra indígena Raposa Serra do Sol. Eu pergunto, Sr. Presidente, a quem isso pode interessar?

Relatórios dos órgãos de inteligência do governo e das próprias Forças Armadas já chamaram enfaticamente a atenção para o perigo que representa a homologação dessa reserva naquela fronteira. Mas não são apenas os militares que manifestam sua preocupação. Especialistas em estratégia da USP e da Unicamp, duas das mais respeitadas instituições acadêmicas da América Latina, também já fizeram ver que a homologação de terras indígenas contínuas ao longo da fronteira põe em risco a segurança do território nacional.

Se não bastassem os riscos causados pelos que ambicionam nossa Amazônia e suas riquezas, aquela é uma região de fronteiras incertas, disputadas. O risco de vermos nossa integridade territorial ameaçada é muito grande. No ano passado mesmo, grupos de militares venezuelanos andaram invadindo o território brasileiro pela fronteira oeste da terra indígena Yanomami. Portanto, o risco é grande e é real.

Agrada-nos pensar em nós mesmos, brasileiros, como um povo pacífico e hospitaleiro, que recebe a todos de braços abertos. Mas, assim como deixar sua casa aberta à disposição de todo tipo de espoliador não é hospitalidade, e, sim, estupidez e irresponsabilidade, sobretudo quando sabemos da cobiça que despertam nossos bens, também é irresponsável abrir mão do que é necessário para garantir a segurança de nossas fronteiras amazônicas. Não há outro país no mundo que aceite abdicar de um grão que seja da soberania sobre suas fronteiras. Nós parecemos competir conosco mesmos em excessos de generosidade territorial.

Nossa generosidade, no entanto, não se limita apenas a nossas fronteiras. Até o ano passado, discutia-se a homologação de um acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para o uso da base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão. O acordo daria direito aos americanos de usarem a base para lançamento de satélites, ao mesmo tempo que ofereceria a eles “salvaguardas tecnológicas” - naturalmente, porque eles precisam proteger suas conquistas tecnológicas, parte de sua riqueza e poder, da ambição desmedida destes piratas aproveitadores que são os brasileiros. O acordo foi assinado em 2000 e demorou três anos para perceber o quão lesivo era para nossos interesses. Durante três anos, Sr. Presidente, fomos suficientemente generosos para dar atenção a um tal acordo, que não tinha prazo determinado, tirava a autoridade dos brasileiros de exercer poder de polícia e de alfândega nas áreas arrendadas aos americanos, concedia liberdade aos técnicos americanos para realizar inspeções sem consultar o governo brasileiro e para instalar equipamentos de vigilância, criava áreas de acesso restrito a americanos, e por aí vai. Impunha, ainda, outras limitações vexatórias, inclusive a proibição de utilizar os recursos obtidos com o contrato para o desenvolvimento de nosso próprio programa espacial. Pagar, eles pagariam, mas se reservavam o direito de nos dizer o que fazer com o dinheiro.

Por fim, esse contrato leonino foi sensatamente retirado da pauta do Congresso, ainda na Câmara. Tivesse ido adiante, os americanos teriam agora uma verdadeira base encravada em território nacional, na porta de entrada da Amazônia, pelo leste. Alcântara, por sua localização, seria duplamente interessante para eles. Não apenas tem posição privilegiada para o lançamento de foguetes, dada sua proximidade da linha do equador, mas seria, também, mais uma cabeça-de-ponte americana na Amazônia, agora pelo lado oriental. Não bastam as inúmeras instalações militares que eles já têm cercando a Amazônia pelo lado ocidental, a pretexto de combater sobretudo o narcotráfico, na Colômbia, no Peru, na Bolívia; os americanos queriam ainda marcar sua presença no território brasileiro e fechar o cerco à Amazônia pelo leste.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, já se tornou enfadonho, porque repetitivo, o discurso que louva a riqueza da Amazônia, tão grande pelo que já sabemos e incomensurável pelo que ainda não sabemos sobre ela. Não apenas por reconhecer essa riqueza e os benefícios que pode trazer para o País, mas, sobretudo, por amar a região onde nasci, vejo com indignação crescente aumentar o risco de que a Amazônia, um dia, deixe de ser brasileira. É frustrante, conhecendo a Amazônia como conheço, ver com que liberalidade e descaso tratamos dos interesses nacionais lá. Precisamos fazer frente, desde já, às forças, que não são pequenas, que ameaçam continuamente a soberania nacional na Amazônia. Não esperemos pelo fato consumado para, então, ter que escolher entre o arrependimento e o lamento, de um lado, e, de outro, a necessidade da força para restaurar nossos direitos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/02/2004 - Página 4714