Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao Dr. Manoel Francisco do Nascimento Brito, ex-Diretor-Presidente do Jornal do Brasil, falecido em 8 de fevereiro de 2003.

Autor
Tasso Jereissati (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Tasso Ribeiro Jereissati
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Dr. Manoel Francisco do Nascimento Brito, ex-Diretor-Presidente do Jornal do Brasil, falecido em 8 de fevereiro de 2003.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2004 - Página 4765
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, MANOEL FRANCISCO DO NASCIMENTO BRITO, JORNALISTA, EX-DIRETOR, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, senhores familiares, amigos e convidados que fazem parte da família Jornal do Brasil, há pouco mais de um ano, falecia, no Rio de Janeiro, Manoel Francisco do Nascimento Brito. A forma como era conhecido e tratado, o “Doutor Brito do Jornal do Brasil”, já revela a dimensão da sua obra, em que o trabalho do homem se confunde com a instituição a que serve, combinando-se em perfeita e quase natural simbiose. Um dos grandes nomes da imprensa nos últimos 50 anos, Nascimento Brito foi exemplo de empreendedorismo, de jornalista independente, de homem de convicções e de coragem.

Além do marco do jornalismo brasileiro, o Doutor Brito foi certamente uma testemunha privilegiada da nossa história política das últimas duas décadas. Mais do que mero espectador, a ampla visão das questões nacionais que sua inteligência e seu papel de liderança na imprensa nacional lhe proporcionavam transformou-no em protagonista dos mais preciosos episódios jornalísticos de sua época.

Carioca da Tijuca, advogado de formação, abandonou promissora carreira de Procurador do Banco do Brasil para assumir, em 1949, a convite do Conde Ernesto Pereira Carneiro, a função de advogado de seu grupo empresarial. Já em 1952, assumia a superintendência da Rádio JB e do Jornal do Brasil, despedindo-se das lides jurídicas para abraçar de vez a arte do jornalismo, que soube honrar em todas as suas vertentes.

Com a morte de Pereira Carneiro, em 1954, assume o comando a viúva Condessa Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro, que tem em mente transformar o Jornal do Brasil de então - quase que exclusivamente destinado a classificados - em um autêntico veículo de expressão de opinião e acompanhamento dos fatos e análise da realidade nacional, sempre com profundidade e independência.

Os ideais da condessa foram levados avante por Nascimento Brito, que entendia que um jornal não se moderniza apenas em função dos avanços gráficos, mas principalmente do aprimoramento editorial. Ao lado de Odylo Costa Filho, Jânio de Freitas, Reinaldo Jardim e Amílcar de Castro, implementou completa reformulação no JB, imprimindo, em todos os sentidos, uma nova face ao diário, criando um padrão gráfico que foi seguido por todos os concorrentes até os dias de hoje.

Aquela obra exigia, além da modernização das máquinas, uma renovação de mentalidade, uma verdadeira revolução na maneira de se pensar e fazer comunicação. Pois assim agiu o Dr. Brito, sempre inovando. Na Rádio JB, ousou, pela primeira vez, mesclar notícia, utilidade pública e música, fórmula que, em função do sucesso, tornou-se obrigatória nas rádios comerciais. Trouxe de suas experiências no exterior, inclusive na Universidade de Columbia, as hoje tão difundidas noções de estratégia e logística empresarial. Nesse sentido, insistiu na idéia da mudança da sede do jornal do centro da cidade do Rio de Janeiro, já vislumbrando seu esgotamento, para uma área em São Cristóvão, dotada de amplo espaço físico e facilidade de distribuição e acesso.

Buscou rodear-se do que havia de melhor no jornalismo nacional. Exemplo disso foi a contratação, em 1962, do grande Carlos Castello Branco, que Nascimento Brito foi buscar na Tribuna da Imprensa, para fazê-lo exclusivo do JB, onde veio a se tornar autor da mais respeitada coluna política do País.

Aliás, o elevadíssimo nível dos colunistas do JB, até hoje, tem raízes nas escolhas criteriosa de Nascimento Brito, que reconhecia ali residir a alma de um grande jornal.

Apesar das funções de direção, Nascimento Brito era mais feliz no papel de jornalista, no sentido amplo da palavra. Seu talento se revelava muito além do texto enxuto e do elegante estilo jornalístico. Na incansável busca da notícia, garimpava informações por entre uma vasta rede de informantes, que soube cultivar ao longo de décadas, construída e solidificada por exemplos de lealdade e discrição. Não lhe bastava apenas tomar conhecimento dos fatos antes dos demais, preocupava-se principalmente em antecipar-lhes as conseqüências. Tal condição o fez, por exemplo, saber de antemão do golpe de 64, do precário estado de saúde do Presidente eleito Tancredo Neves, entre outros inúmeros fatos marcantes da vida nacional.

O Dr. Brito circulava assim entre os diversos setores do pensamento nacional, freqüentando gabinetes palacianos, o meio empresarial, quartéis e universidades com a mesma desenvoltura.

Por outro lado, a redação do JB estava aberta a todos, numa atitude desafiadora ao regime, que tentava, de todas as formas, impor limites à linha editorial do jornal, contra o que Nascimento Brito se colocava intransigentemente.

O JB jamais se rendeu à censura. Não que o Dr. Brito fosse um defensor das teorias de esquerda; ao contrário, era um liberal na mais perfeita acepção da palavra e assim se manifestou em diversas oportunidades. O que não admitia de nenhuma forma era que alguém decidisse por ele o que publicar. É dele a frase: “Sei que há censura em outras publicações, mas o nosso jornal goza de ampla, total e absoluta liberdade. Publica o que quer e só não publica o que não quer”.

A ditadura não podia suportar a audácia de quem não se curvava diante dela. Chegou ao ponto de vedar a veiculação de qualquer publicidade no Jornal do Brasil, na prática condenando-o à morte. Paradoxalmente, o JB resistiu. Foi exatamente essa independência que lhe conferiu credibilidade, garantindo-lhe tiragem e vendas necessárias à sua sobrevivência. Os leitores buscavam ali os fatos que a imprensa oficiosa sonegava. Por tal comportamento, o jornal quase teve igual destino ao do Correio da Manhã, símbolo da resistência democrática que, infelizmente, sucumbiu. O JB sobreviveu, portanto, graças à inarredável presença e corajosa liderança de Nascimento Brito.

Permita-me, Sr. Presidente, relembrar um episódio, já na década de 70, que bem retrata a coragem, a argúcia, a inteligência e a ironia, temperos da personalidade daquele mestre do jornalismo: em 11 de setembro de 1973, era derrubado o Presidente do Chile, Salvador Allende. O censor de plantão transmite ao Dr. Brito a imposição governamental de que a matéria não poderia circular em manchete. Resultado: a edição do dia seguinte circula com toda a primeira página sem nenhuma manchete, mas inteiramente dedicada ao assunto. No dizer de Alberto Dines, outro ícone do jornalismo oriundo daquela escola de jornalismo que foi o JB, “foi o silêncio mais clamoroso já registrado na imprensa do País”.

Figura de dimensão internacional, Nascimento Brito integrou a Delegação Brasileira na 16ª Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 1960, que contou com a presença dos principais chefes de Estado de todo o mundo. Dentre as mais diversas honrarias, comendas e prêmios a que fez jus, inclusive a “Legião de Honra” do Governo francês, tem especial significado a “Ordem de Cavaleiro do Império Britânico”, concedida pela Rainha somente a dois outros brasileiros: o empresário Celso Rocha Miranda e Pelé. De ascendência britânica (sua mãe era inglesa), a comenda apenas incorporava formalmente o título de Sir à sua já naturalmente imponente e aristocrática figura, finalmente fazendo justiça à sua nobreza d’alma, herança ancestral que soube cultivar ao longo de seus 80 anos de vida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assim era o Dr. Nascimento Brito, um homem que fincou, ao longo de sua vida, marcos de dignidade, independência e coragem, norte a ser seguido pelas novas gerações, especialmente pelos jornalistas de amanhã.

Rendemos aqui nossa homenagem e nos fazemos portadores do sentimento dos demais Senadores à família do Dr. Nascimento Brito na pessoa de José Antônio (Josa), de Manoel Francisco (Quico) e de seu neto José Francisco, aqui presentes, assim como estendemos nosso penhor a todos que fizeram e fazem parte da história do Jornal do Brasil, obra e casa do inesquecível “Doutor Brito”.

Muito obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2004 - Página 4765