Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao Dr. Manoel Francisco do Nascimento Brito, ex-Diretor-Presidente do Jornal do Brasil, falecido em 8 de fevereiro de 2003.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao Dr. Manoel Francisco do Nascimento Brito, ex-Diretor-Presidente do Jornal do Brasil, falecido em 8 de fevereiro de 2003.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2004 - Página 4766
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, MANOEL FRANCISCO DO NASCIMENTO BRITO, JORNALISTA, EX-DIRETOR, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meu prezado José Antônio, Manoel Francisco, demais membros dessa família tão ilustre, ouvi o discurso correto e, como sempre, competente, claro, clarividente do Senador Tasso Jereissati e punha-me a tentar extrair o que tivessem sido, talvez, os dois méritos mais marcantes, e seguramente, não são os dois únicos méritos, na vida pública e profissional de Nascimento Brito.

Sem dúvida nenhuma, tendo sido ele um jornalista do tipo que mistura o sangue natural com tinta nas veias, tendo trabalhado até em outros jornais -Tribuna da Imprensa, Diário de Minas -, Nascimento Brito foi o grande modernizador, o grande reformulador, o grande reformador, o grande adequador do Jornal do Brasil aos tempos que viriam e que exigiam a fisionomia nova no jornal que seus leitores de tão exigentes querem sempre com pé no passado. É o meu caso, por exemplo. Eu leio o Jornal do Brasil de maneira viciada: vejo a manchete, passo para coluna da Dora Kramer, depois vejo a política, vou para o Informe e deixo o esporte para o final, já por uma questão de deleite pessoal. Encerro com o esporte, sabendo que é um hábito que se arraigou na minha família por muitos anos e por todos esses anos. Aceito, então, qualquer reformulação gráfica no Jornal do Brasil, mas sempre quero que ele se pareça com o seu primeiro número, e Nascimento Brito soube fazer isso muito bem.

O outro dado significativo foi a vocação de lutar por liberdade do seu pai, José Antônio. É histórico e é de se relembrar sempre que, em 1964, quando mal alvorecia a ditadura no País, quando mal se implantava - o golpe militar havia eclodido no País -, a ditadura encontrava resistência e precisava se afirmar, e ela só se afirmou mesmo, quem sabe, pela primeira vez, no Ato nº 2, em 1965, e se afirmou, aí de maneira mais permanente, com o Ato nº 5, em 1968. Portanto, em 1964, lutava-se, de um lado, para implantar a ditadura, consolidando-a, de outro lado, para que ela perecesse. Os democratas, com a força que herdavam do passado recente, lutavam com suas últimas forças para que a ditadura perecesse. Foi em 1964, ano de caça às bruxas, que Nascimento Brito, em Santo Domingo, denunciou, como vice-presidente que era da SIP, um comitê que tratava especificamente de liberdade de imprensa, que a liberdade no Brasil e as instituições, tudo que se havia acumulado no terreno democrático corria um enorme perigo, pelo encaminhamento que o regime ia dando. Não se via nenhum sinal de eleição direta, nenhum sinal de anistia; ao contrário, o que se via era aquela coisa odiosa de dez anos de suspensão dos direitos políticos, que não eram dez anos, era a vida inteira, até que, enfim, as regulamentações que as ruas obrigaram o Governo a fazer fizeram com que uns fossem cassados até com menos de dez anos, outros fossem cassados por mais de dez anos. Mas, enfim, só quem pôs um cobro nisso foi a pressão das ruas, a pressão democrática.

E foi um gesto de coragem. É de se lembrar de Winston Churchill disse que o homem público pode ter todas as qualidades do mundo, mas se não for corajoso, não vale a pena insistir em ser homem público. As demais qualidades todas falecerão e darão lugar a um brutal vazio. A inteligência é necessária, a capacidade de articular também, mas sem dúvida o essencial mesmo é sabermos que haveria coragem para defender as idéias que fazem parte da nossa convicção mais íntima, que entram pelo nosso coração adentro, que passam pelo nosso cérebro, que permeiam a nossa sensibilidade. E Nascimento Brito demonstrava a coragem serena do homem que amadureceu com as responsabilidades que tinha de ser um dos maiores condutores de opinião pública que se possa ter visto no País, mas, ao mesmo tempo, com a coragem de quem sabia que era preciso cumprir com o seu dever, e esse dever, portanto, fazia com que ele exercesse a coragem de maneira muito natural.

Gostaria de dizer, quando faz um pouco mais de um ano do falecimento de Nascimento Brito, aos oitenta anos de idade, que essa é uma das formas de se dar conforto a quem, como eu, não tem convicção religiosa que aponte para achar que a morte é a melhor coisa que podia acontecer na vida. Eu não tenho. Confesso uma brutal indisposição com a morte. O Dr. Ulysses me dizia uma vez que, quando ele morresse, era para se colocar como epitáfio: “Aí jaz um homem contrariado”. Também não tenho a menor vontade de sequer escolher o epitáfio, porque tenho esperança de que a medicina avance tanto que esse problema seja resolvido antes de porventura eu não estar mais aqui.

Eu não tenho convicção religiosa, não seria nunca um homem-bomba, um camicase. Aliás, quem sabe o seria para defender a minha própria vida, ou defender o meu País fosse capaz de gestos extremos, mas não seria capaz de gesto extremo por dogmas, de jeito algum.

Então, vejo que a forma de aprendermos que a relação com a morte deve começar a ser vista de maneira madura por todos nós, que, mais dia menos dia, teremos de encará-la, é olharmos a vida das pessoas que tiveram vidas que valeram a pena de serem vividas, Manoel Francisco, vidas que valeram a pena efetivamente serem vividas, vidas que deixaram a saudade nos seus familiares, mas deixaram na sociedade o exemplo, a idéia do bom exemplo, do exemplo edificante, do exemplo construtivo e deixaram a certeza de que - este é o caso de Nascimento Brito -, no ano que vem, ele será homenageado. Daqui a quinze anos, vinte anos, não sei se será homenageado, mas, daqui a cem anos, voltará a ser homenageado, daqui a trezentos anos, haverá de ser lembrado também.

Ou seja, uma das formas de se cultivar a vida correta, a vida justa é trilhá-la pelos caminhos que o grande jornalista, o grande brasileiro, o grande democrata Nascimento Brito trilhou, vivendo na certeza de que se planta para valer a idéia da melhor cidadania, a idéia da melhor integridade, do melhor respeito aos princípios que levam à construção de uma democracia que possa amanhã ser justa, do ponto de vista econômico e social, para com nossa gente.

Manoel Francisco do Nascimento Brito encontrou algo que não deixa de ser uma grande compensação para aqueles que não têm a convicção de que a morte é uma coisa boa. A idéia de que ele se imortaliza e se imortalizou, homenageado hoje, homenageado ontem, haverá de ser lembrado pelos tempos afora de um Brasil que é perene, um Brasil que é permanente, um Brasil que não terá recuo jamais na sua história, que haverá de cumprir com todos os seus compromissos com o destino e, ao mesmo tempo, sabendo que a trajetória deste grande País, com percalços aqui ou ali, é uma grande trajetória, uma grande civilização que soubemos erigir no nosso território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Temos que reconhecer que os nossos maiores - e Manoel Francisco do Nascimento Brito é um dos nossos maiores - souberam construir este País, erigir essa civilização e nos dar o exemplo para que saibamos passar para os nossos filhos e netos no amanhã a idéia de que o Brasil é um País que não tem que ter como vocação o nanismo, a traição, a pequenez, a mesquinharia, mas sim a grandeza, o encontro da sua vocação histórica com a grandeza pacifista, jamais intervencionista, capaz de resolver problemas sociais que nos atormentam há tantos séculos. Haverá de se dar essa vitória no País, e essa vitória é um pouco a soma de todos os homens que, como Nascimento Brito, souberam construir a nossa civilização e nos colocar no coração, de maneira tão arraigada, o nosso sentimento por liberdade, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2004 - Página 4766