Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o artigo de autoria do economista Edward Amadeo, ex-ministro do Trabalho no governo de Fernando Henrique Cardoso, que lamenta sobre a pequena poupança interna brasileira.

Autor
Garibaldi Alves Filho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Garibaldi Alves Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Comentários sobre o artigo de autoria do economista Edward Amadeo, ex-ministro do Trabalho no governo de Fernando Henrique Cardoso, que lamenta sobre a pequena poupança interna brasileira.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Marco Maciel, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2004 - Página 4952
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, ECONOMIA NACIONAL, AUSENCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, FALTA, INCENTIVO, POUPANÇA, PERIODO, CRESCIMENTO ECONOMICO, DEBATE, PRIORIDADE, INVESTIMENTO PUBLICO, SANEAMENTO BASICO, COMPARAÇÃO, AUMENTO, SALARIO MINIMO, OBJETIVO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, permito-me ler trechos de um artigo publicado hoje, no Jornal do Brasil, do economista Edward Amadeo, ex-Ministro do Trabalho no Governo de Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, nesse artigo, o articulista procura mostrar que nos períodos em que o País experimenta um crescimento econômico significativo, não tem havido desenvolvimento social.

No Brasil, os períodos de bonança recentes têm sido desperdiçados. Entre 1994 e 1997, por exemplo, a taxa de poupança doméstica caiu, o que significa que parte do aumento da dívida externa serviu para financiar o aumento do consumo, e não a expansão da capacidade produtiva. Isso é o que impede o boom de ser auto-sustentável. Uma nova retomada rapidamente exaure a capacidade de reserva e o crescimento passa a depender da poupança externa.

Nos anos de vacas magras, é difícil aumentar a taxa de poupança doméstica. No setor privado, com renda estagnada ou declinante, não há por que esperar que as famílias aumentem a poupança como proporção da renda, muito pelo contrário. O mesmo argumento vale para o setor público, cujos gastos com políticas sociais tendem a ser anticíclicos.

Nos anos de vacas gordas, quando há mais folga nos orçamentos das famílias e do governo, é mais fácil aumentar as taxas de poupança. O fato de ser mais fácil não significa que os incentivos estejam presentes. Em certo sentido, o sentimento é o contrário: as coisas estão bem, há menos motivos para precaução, nada como aproveitar para um pouco de luxúria. Para os governos, o incentivo a aumentar gastos é enorme, principalmente quando o país sai de um período de ajuste.

Tudo indica que o Brasil, embalado pela economia internacional e o bom início do governo Lula, entra em fase de expansão. A demanda mundial puxa as exportações, o fluxo de dólares é farto e, assim, o balanço de pagamentos não coloca pressão sobre as taxas de câmbio e juros, muito pelo contrário. São boas as condições para crescimento sem pressões inflacionárias. Mais um período de bonança se avizinha.

É evidente que a visão de Edward Amadeo é bastante otimista. Hoje mesmo estamos diante da decisão do Copom, do Banco Central, de não permitir a diminuição da taxa de juros, o que contraria, certamente, esse cenário de crescimento econômico que se espera para o País.

Ele indaga:

Será desta vez que o período de bonança servirá para melhorar as condições do crescimento auto-sustentado? Para que seja, aumentar a taxa de poupança é essencial. É difícil esperar que as famílias façam esse serviço, dado que houve enorme contração da renda e a oportunidade para aumentar o consumo via expansão do crédito será muito convidativa.

Caberá ao setor público essa tarefa, através da política fiscal. Com a retomada da economia, o Tesouro e o INSS terão um aumento de arrecadação. A questão é saber se esses recursos serão utilizados ou não para aumentar a poupança do setor público.

Não quero cansar os Srs. Senadores com a leitura deste artigo, que é um pouco longo, embora consistente. Não resta dúvida de que Edward Amadeo é um economista que tem argumentos convincentes.

No final, ele dirige seu trabalho para o seguinte dilema: deve o Governo investir em saneamento básico ou no aumento do salário mínimo?

Essa comparação entre gastos com aumento do salário mínimo e com o saneamento básico tem duas dimensões importantes. A primeira diz respeito aos efeitos distributivos. Os gastos com saneamento atendem às famílias pobres de forma indiscriminada; enquanto o aumento do salário mínimo beneficia preferencialmente os mais idosos.

Ocorre que a incidência de pobres entre as crianças é muito maior que entre os idosos. Desse modo, os gastos com saneamento básico têm maior efeito distributivo.

Ora, Sr. Presidente, eu, que não sou economista, se pudesse, faria uma crítica a esse trabalho do ponto de vista da sensibilidade do homem público, como inúmeros outros Senadores - e vejo aqui o Senador Mão Santa, que foi Governador do Piauí, o Senador Alvaro Dias, que já foi Governador do Paraná, o Senador Marco Maciel, que governou Pernambuco e foi Vice-Presidente da República, o Senador Efraim Morais, que poderá ser Governador.

Sei que o cobertor sempre é muito curto do ponto de vista de quem está no Governo, para se fazerem investimentos. É aquela história muito prosaica, mas conhecida de todos. Nosso Governador Valdir Raupp também sabe disso, no Estado de Rondônia; só faltou o Senador Eduardo Suplicy, mas S. Exª poderá chegar também ao Governo. O certo é que temos...

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - O Presidente Paulo Paim também poderá chegar ao Governo.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Também. Agora, há uma disputa.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Agora, ficou completo.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - É que o Plenário hoje está realmente representativo no que toca à experiência de ex-Governadores.

O que eu diria, Srªs e Srs. Senadores, é que o cobertor, sempre curto, faz com que tenhamos dificuldade. Se se cobre a cabeça, descobrem-se os pés; se se cobrem os pés, descobre-se a cabeça. Se se investe em saneamento, é preciso investir também em turismo. A princípio, as pessoas podem até criticar um investimento no setor turístico, mas ele é altamente essencial, numa região como a nossa, para promover justamente esse crescimento auto-sustentado de que fala o ex-Ministro Edward Amadeo.

A minha crítica é apenas a de que o País precisa se libertar desse dilema, dessa camisa-de-força que nos põe aqui o Economista dizendo: ou se investe no aumento do poder de compra do salário mínimo, ou se investe no saneamento. É uma verdadeira escolha de Sofia, aquela mãe que se viu diante da situação em que tinha que sacrificar uma das suas duas filhas.

Não podemos mais caminhar no sentido de que um País pobre como o nosso se veja privado de conceder benefícios às pessoas de todas as idades. Mas isso não se faz do dia para a noite. Isso não é milagre. Governante nenhum sabe fazer milagre.

Como disse aqui hoje o Senador Valdir Raupp, talvez seja o caso de se deixar de pagar tantos juros da dívida externa. É preciso chegar a um equacionamento, que não seja uma moratória, de tudo isso. Do contrário, o País se verá diante do seguinte dilema: investir no poder de compra do salário mínimo ou investir em saneamento. O Senador Paulo Paim conhece bastante esse problema, já se viu diante dele. Foram inúmeras as campanhas do Senador Paulo Paim no sentido de aumentar o poder real de compra do salário mínimo.

Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy e, em seguida, com muita honra, eu o concederei ao Senador Mão Santa.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Garibaldi Alves, V. Exª aborda um tema de grande relevância, trazendo aqui a contribuição do economista Edward Amadeo, ex-Ministro do Trabalho, que expõe este dilema: será melhor o País gastar mais em saneamento básico, especialmente no momento em que há perspectiva de maior crescimento? Ele observa, em seu artigo, que agora poderia haver um período de maior bonança, que seria melhor, ao invés de aumentar o salário mínimo - o que traria efeitos na economia como um todo, gerando, inclusive, maiores gastos da previdência -, reservar mais recursos para os investimentos em saneamento, o que significaria, de certa forma, um aumento da poupança da economia brasileira, e que, com isso, seria propiciado um maior crescimento. Nem sempre as coisas são assim. É preciso que a dose de aumento do salário mínimo leve em conta a preservação e o aumento do poder aquisitivo. Normalmente, seria razoável até aumentar o poder aquisitivo do salário mínimo pelo menos em consonância com os ganhos de produtividade ou do produto per capita ano a ano da economia brasileira. Sabemos que, em verdade, nas últimas décadas, nem sempre o salário mínimo aumentou de acordo com os ganhos em produtividade. Mas é preciso também se verificar que, em muitas ocasiões, o não aumento da remuneração do trabalho acabou resultando em diminuição do estímulo da atividade econômica e até dos investimentos. É bem verdade que um aumento abrupto do salário mínimo, feito de uma hora para outra, poderia até causar conseqüências inadequadas, como o aumento do desemprego. Há que se considerar que, quando uma empresa contrata trabalhadores, ela o faz até o limite que o valor adicionado por esses trabalhadores seja pelo menos igual ao salário pago. Então, aumentando-se demasiadamente o salário mínimo, a conseqüência poderia ser o desemprego. Daí por que, ao se considerarem as diversas fórmulas de aumentar o rendimento da população - inclusive, daqueles que estão empregados e daqueles que não estão necessariamente empregados ou de toda a população -, pensa-se no outro instrumento: a garantia de uma renda para todos. E o desenho da garantia de uma renda para todos pode ser o mais racional possível. Felizmente, o Congresso Nacional aprovou recentemente - e foi sancionada pelo Presidente - a fórmula da renda básica da cidadania, para ser instituída gradualmente ao longo dos anos, a partir de 2005. Isso também não poderá ser obtido de uma hora para outra; há que se fazer por etapas. Cumprimento V. Exª pela análise feita.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço a V. Exª o aparte. V. Exª apresenta mais uma alternativa, no sentido de que possa haver justamente esse crescimento sustentado com o desenvolvimento social. Para isso, é preciso fazer com que a renda chegue a todos.

Em seu trabalho, Edward Amadeo faz justamente a crítica de que o salário mínimo só beneficia as pessoas mais idosas. E não fala no sentido da velhice propriamente. Ele fala de pessoas mais idosas do que o saneamento, que já beneficia um conjunto de pessoas muito maior, na opinião dele. Mas me proponho a convidar o economista Edward Amadeo, para ir à Comissão de Assuntos Econômicos, para que possamos sustentar um debate dessa natureza.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Garibaldi Alves, quero dar o testemunho da sua grandeza de homem público - extraordinário Prefeito e não menos extraordinário Governador do Rio Grande do Norte - e da grandeza daquele Estado, que tem petróleo, sal, bacia leiteira, que V. Exª ajudou muito a consolidar no seu programa do leite, e um turismo excepcional. Mas, enquanto não endurecermos o pagamento dessa dívida externa, não haverá solução. O seu Estado tem 2.776.782 habitantes. Que povo trabalhador! Como trabalham aqueles homens e mulheres! V. Exª sabe que é verdadeira a minha afirmação. Troquei idéias com uma equipe de governo do Piauí e aprendi com sua experiência. Senador Garibaldi Alves Filho, o que foi pago este ano de juros, R$145 bilhões, significa o valor do PIB, o trabalho de todos do seu Estado, homens e mulheres, por dez anos. Então, isso falta. E V. Exª parece ter recebido o espírito de Abraham Lincoln, que disse: “Não criarás a prosperidade se desestimulares a poupança”. E mais ainda: não poderás criar estabilidade permanente baseado em dinheiro emprestado.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª foi muito generoso e, como sempre, traz a sua experiência de governante e, agora, de um Parlamentar que tem debatido todas as questões com muita segurança.

Peço licença ao Presidente para conceder um aparte ao Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE. Com revisão do orador.) - Senador Garibaldi Alves Filho, serei breve em minha intervenção. V. Exª traz à consideração da Casa, nesta tarde, a questão social e, sobretudo, a questão voltada à geração de emprego. E mencionou a intenção de convidar para comparecer ao Senado o ex-Ministro do Trabalho, Professor Edward Amadeo, grande especialista nas questões de emprego e renda em nosso País. Realmente, vivemos um momento em que o desemprego está extremamente elevado, mercê do baixo crescimento econômico que o País apresentou no ano de 2003. Naturalmente, isso faz com que tenhamos de pensar em medidas que venham ser adotadas pelo Governo, sem prejuízo da estabilidade econômica, para garantir o aumento da oferta de emprego e, por esse caminho também, melhorar a renda do povo brasileiro. Por isso, considero oportuno o debate que V. Exª propicia nesta sessão vespertina, no qual o Senado deve centrar as suas atenções. Pela longa experiência que tem como ex-Senador e ex-Governador, V. Exª pode trazer uma contribuição muito importante nesse campo.

O SR. GARILBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Obrigado, nobre Senador Marco Maciel. Espero que o economista e ex-Ministro do Trabalho possa nos dar maiores esclarecimentos. Entendo que essa questão precisa ser aprofundada, como disse V. Exª. É um assunto que não se pode restringir a um artigo no jornal, a um debate feito durante um discurso no Senado. Faz-se necessário um debate verdadeiro por uma comissão técnica, em que possamos aprofundar todos os aspectos da questão.

Agradeço a V. Exª, que, com a experiência que detém, sabe muito bem que realmente precisamos de debates como esse para buscar as verdadeiras opções e procurar fugir dos falsos dilemas. Talvez, seja verdadeiro o dilema proposto por ele, mas não se pode vincular saneamento básico a salário mínimo. Temos de criar novas opções.

Obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2004 - Página 4952