Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas aos artifícios do governo para impedir CPI dos Bingos.

Autor
Heloísa Helena (S/PARTIDO - Sem Partido/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. JOGO DE AZAR.:
  • Críticas aos artifícios do governo para impedir CPI dos Bingos.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/2004 - Página 5232
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. JOGO DE AZAR.
Indexação
  • REPUDIO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, PARTICIPAÇÃO, ASSESSOR, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CASA CIVIL, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • REPUDIO, MANIPULAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, REALIZAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SENADO, INVESTIGAÇÃO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, APURAÇÃO, FUNCIONAMENTO, BINGO.
  • ANALISE, DADOS, COMPROVAÇÃO, OCORRENCIA, IRREGULARIDADE, CONTRATO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), EMPRESA MULTINACIONAL, SOLICITAÇÃO, APOIO, CONGRESSISTA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SENADO, INVESTIGAÇÃO, ASSUNTO.

A SRª HELOÍSA HELENA (Sem Partido - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para evitar prevaricação, o que dá cadeia, embora o Código Penal seja um instrumento muito utilizado para o moralismo farisaico e pouco para viabilizar as ações de agentes públicos, dos governos ou dos parlamentos, vou falar um pouco sobre um assunto que já tive oportunidade de tratar nesta Casa: as provas apresentadas perante a opinião pública, estarrecida, de crimes contra a administração pública. Refiro-me ao tráfico de influências, à intermediação de interesse privado, à exploração de prestígio do assessor mais importante do Ministro José Dirceu. Compartilharam momentos importantes da vida política por mais de 12 anos; foi seu assessor na CPI, um dos coordenadores de sua campanha para Deputado, portanto, uma pessoa muito importante. Era uma pessoa tão importante no Palácio do Planalto que o representava aqui no Congresso Nacional.

Não sei se era parte do balcão de negócios sujos e da velha e conhecida promiscuidade que se estabelecia no Governo passado e que se estabelece no atual Governo, na relação do Palácio do Planalto com o belíssimo prédio do Congresso Nacional.

Aconteceram algumas coisas nos últimos dias, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que até resolvi estudar mais o contrato entre a Caixa Econômica Federal e a Gtech. Conforme divulgado nos meios de comunicação, trata-se de prova ou indício relevante de crimes contra a administração pública já no Governo Lula e, portanto, com a participação direta do Sr. Waldomiro.

Algumas coisas me irritam muito neste debate. Primeiro, porque nós, especialmente os Senadores do Nordeste na Casa, tivemos a oportunidade de esbravejar todos os dias, de apelar e de nos humilhar, solicitando recursos para os Estados do Nordeste que tinham passado por danos gigantescos em função do problema das enchentes. Não sei se chegou algum recurso aos outros Estados do Nordeste, mas ao Estado de Alagoas a única coisa que chegou foram duas mil cestas básicas. Não houve conserto de adutoras, de pontes, de rodovias, de estradas vicinais, absolutamente nada. De repente, mais uma vez, é a velha história: a pobreza, a área social é diretamente proporcional ao desmascaramento governamental.

Quando existe uma denúncia pública que desmascara determinados governos, imediatamente, a velha cantilena enfadonha das agendas positivas entra no cenário, ocupa os meios de comunicação e inventa-se legislação e ações de governo. E os pobres, mais uma vez, estão sendo utilizados para acobertar o desmascaramento governamental em relação ao tráfico de influências do Sr. Waldomiro, Assessor Direto e de Confiança do Ministro José Dirceu.

Existem algumas perguntas sobre as quais eu até evitava falar em virtude de ter passado por um processo muito grave no Partido dos Trabalhadores, o processo de expulsão. Assim, sempre evitei contaminar a minha avaliação do Governo, em função do processo de expulsão, até porque esse processo de expulsão aconteceu inclusive pelas críticas que eu fazia ao Governo desde a indicação do Sr. Henrique Meirelles, em fevereiro do ano passado.

Como sempre atuei nesta Casa, muito especialmente na Comissão de Fiscalização e Controle, quase que infernizando cotidianamente, e não me arrependo disso, em razão dos crimes contra a Administração Pública, patrocinados pelo Governo Fernando Henrique, que, infelizmente, por um acordo “cupulista”, não são mais investigados, sinto-me na obrigação de entrar no debate sobre essa velha polêmica se o Ministro sabia, se o Presidente sabia, sobre quem sabia e quem não sabia.

Sinceramente, não tenho dúvida alguma - posso até estar enganada - de que o Sr. Waldomiro não agia sozinho. Dúvida alguma! Até porque todos conhecemos o Ministro José Dirceu. É um homem que se fez respeitar ao longo de sua história, inclusive com ameaças. Era conhecido como o homem que sabia a vida de todo o mundo, de dossiês e coisa e tal. Quantas vezes muitas jornalistas me encontravam e diziam: “Senadora, não fale muito, não, porque o Ministro disse que sabe muita coisa sobre a senhora!” Às vezes, eu respondia até como uma nordestina típica responderia: “Oxe, não é homem, não! Apresenta, já que sabe das coisas, apresenta!” Se é algo que sempre me comprometeu, até emocionalmente, é viver com uma espada na minha cabeça, sob ameaça constante. Sou do tipo que pego a espada, se estiver na minha cabeça, e passo na cabeça do outro que se apresentar à minha frente.

Não gosto do cinismo dos chamados temperos da civilidade a que o velho e grande, para alguns, filósofo Cícero se referia. Ele dizia que os temperos da civilidade são a moderação e a prudência. Em muitas casas políticas, os temperos da civilidade significam cinismo, dissimulação e outras coisas mais. Então, não tenho dúvida de que muito mais gente sabia desses fatos. E é por isso que não querem abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito! Por quê? O que é, de fato, uma CPI? O que a base do Governo, especialmente do PT, alardeou nesta Casa, quando se falou em CPI? Quem assistiu ao vídeo ficou estarrecido. Até eu fiquei estarrecida, porque nunca pude imaginar que as personalidades políticas com quem eu entrava em conflito na Comissão de Fiscalização e Controle, muitos dos novos amigos do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de defender essas pessoas quando, na Comissão, sacavam denúncias de corrupção em relação a muitos quadros do PT.

E qual foi a primeira ofensiva? Criar uma CPI a fim de analisar e investigar financiamento de campanha. Aparentemente, uma boa proposta. Aparentemente, uma proposta corajosa. Imediatamente, no entanto, colocaram o rabo entre as pernas e correram, porque sabiam que tocariam no Presidente da Casa, o Senador José Sarney. De repente, vem a CPI dos Bingos. Ora, a arrogância os cegou a tal ponto - porque não existe inocência - que eles alardeavam aos risos, às gargalhadas, perante a imprensa, que não havia nada com os bingos. Ora, a imagem apresentada nos meios de comunicação significava não apenas o pedido de propina, não apenas o segundo pedido de propina para financiamento de campanha, mas especialmente a intervenção de um agente público intermediando o interesse privado, realizando tráfico de influência e exploração de prestígio para resolver um negócio de bingos on line.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Fazendo soar a campainha.) - Senadora Heloísa Helena, peço permissão para anunciar a presença, em plenário, com a satisfação da Mesa, do Ministro das Relações Exteriores da Nova Zelândia, Sr. Phil Goff.

A SRª HELOÍSA HELENA (Sem Partido - AL) - Que deve estar muito feliz com o resultado do Oscar.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Seja bem-vindo à Casa. É uma alegria recebê-los no plenário do Senado da República.

Continua com a palavra a Senadora Heloísa Helena.

A SRª HELOÍSA HELENA (Sem Partido - AL) - Pois não, Sr. Presidente. Igualmente, quero cumprimentar a todos.

Continuando, Sr. Presidente, no caso da CPI dos Bingos, depois se descobriu, até porque o Senador Magno Malta não poderia fazer diferente - e S. Exª vai apresentar o requerimento amanhã aqui. É óbvio que vai apresentar o requerimento amanhã aqui, inclusive já falei com ele hoje. Assim, quem quiser se comportar como moleque que o faça: mande seu requerimento para a Mesa, retirando sua assinatura. Mas espero, Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, que a Mesa não queira compartilhar com essa desmoralização de dizer que não tem fato determinado. Ora, como não tem fato determinado em relação aos bingos se houve uma medida provisória para impedir os bingos? Se não há problema nenhum nos bingos, não caberia uma medida provisória para impedir!

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Sem Partido - AL) - Medida provisória sobre a qual sabemos tudo o que aconteceu. Todo mundo sabe. O Senador Eduardo Siqueira Campos leu há pouco a Mensagem Presidencial. Ora, se na Mensagem Presidencial se fala - ela foi lida aqui, solenemente - em regulamentação da atividade dos bingos, em organizar o setor, assegurar recurso para o esporte social, fala até em uma nova loteria, a “Time Mania”. Já se fala até na nova loteria! Ora, se não existe! Porque quem é, Senador Mão Santa, em sã consciência, neste País, que não sabe que bingos - pode até haver exceção e, se tiver, é 0,01% -, que máquinas caça-níqueis, enfim, que essas estruturas sempre foram mecanismos para lavar o dinheiro sujo do narcotráfico? Todo mundo sabe disso!

E mais grave, e tenho mais raiva desse tipo de máquina caça-níquel. Se for para regulamentar um ou dois cassinos no Brasil para tirar dinheiro de gente rica e poderosa, com muitos mecanismos de controle e outros mais, até me predisponho a discutir. Mas regulamentar bingo, máquinas caça-níquel, até esses instrumentos lotéricos oficiais, é explorar o pobre. O pobre é duplamente explorado neste País, porque é utilizado como as chamadas “sardinhas” em relação ao pequeno tráfico de drogas. São utilizados para fazer o jogo sujo do narcotráfico, para encher os presídios deste País com mais “sardinhas”, porque os “tubarões” estão no Congresso Nacional, estão no meio do Poder Executivo, no Judiciário. Os “tubarões” estão lá, são preservados. As “sardinhas” são os pobres. E duplamente massacrados, porque são usados pela estrutura maldita do narcotráfico e ajudam na lavagem de dinheiro, porque, na esperança de conseguir algum dinheiro, são eles que vão legitimar a lavagem de dinheiro na máquina caça-níquel, no jogo de bingo da periferia. Uma coisa extremamente terrível.

Antes de continuar, concedo a palavra a V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloísa Helena, atentamente, eu e todo o País, estamos ouvindo V. Exª. No início V. Exª disse que foi queimada, fritada, incinerada, mas quero dar o testemunho de todos os brasileiros que V. Exª é a nossa Fênix, ressurgiu e vai voar mais alto, levando as esperanças ao povo do Brasil. Mas quero lhe dizer que só em ser medida provisória está fugindo à lei. Estamos aqui é para fazer leis boas e justas. Mas essa é amaldiçoada. V. Exª se lembra da Medida Provisória nº 168, que veio das Alagoas e tirou o dinheirinho da poupança dos velhos? Ela já nasceu desgraçada, amaldiçoada.

A SRª HELOÍSA HELENA (Sem Partido - AL) - Senador Mão Santa, agradeço a V. Exª pelo aparte.

Eu também não compartilho da preocupação de alguns com relação à geração de emprego. Para que haja investimentos na economia, é necessário que se façam regras, que se estabeleçam mecanismos de reforma tributária. Dessa forma, a economia se dinamiza, gerando empregos e renda. A mentira da geração de empregos é utilizada para sensibilizar corações e mentes em relação a um problema gravíssimo. E nem por isso vamos defender a plantação de coca e a produção de bebidas alcoólicas. Estamos falando de narcopolítica, não é uma coisa qualquer, é algo muito grave!

            Sr. Presidente, neste fim de semana, estudei detalhadamente os contratos, os aditamentos, as prorrogações e a Gtech. Aliás, quem tem acompanhado a eleição presidencial americana tem visto o envolvimento do Presidente George Bush, denunciado pelos seus adversários por ter privilegiado, em determinadas concorrências, a Gtech. Não é à toa que a Embaixada americana, no Brasil, pressionou o Governo brasileiro a viabilizar determinados aditamentos e a prorrogação. Não existe coincidência no mundo da política. Quem teve a oportunidade de analisar a nota apresentada pela Gtech para se desculpar, para dar uma satisfação à opinião pública, percebe que está claro: “Negociações entre as partes resultaram em prorrogação contratual de 25 meses, a partir de abril de 2003”.

Não é um contrato pequenininho, pois envolve R$900 milhões, o que é muito dinheiro, e muitos problemas foram identificados pela última auditoria e por várias outras feitas pelo Tribunal de Contas da União. Não é à toa que o debate feito na equipe de transição já deixava clara a necessidade de não-renovação do contrato. E o que é mais grave: não há justificativas para algumas coincidências, que, como disse, não existem no mundo da política. A reunião do Sr. Waldomiro com os representantes da Gtech foi no dia 06 de janeiro. No dia 14 de janeiro, surgido do nada, ocorreu o aditamento, por 90 dias, do contrato, que já estava condenado por auditorias do próprio Tribunal de Contas. Depois, houve a segunda “coincidência”: a reunião do Sr. Waldomiro com os representantes da Gtech foi em 31 de março; no dia 08 de abril, houve uma prorrogação. E o pior é que a prorrogação por 25 meses ocorreu quando já tinha sido instalada uma auditoria - não estou nem falando do resultado da auditoria, que é escandaloso -, por provocação do Ministério Público Federal, em 27 de março de 2003.

Quem analisa essa situação e não tem coragem ou vergonha na cara para aceitar que se instaure uma CPI? Quem não vê fatos determinados? Qual é a justificativa para, em menos de dois meses, mudar-se um parecer da Caixa Econômica Federal completamente?

Os mesmos setores que assinaram notas técnicas condenando com veemência a renovação dos contratos, o aditamento para a prorrogação dos contratos, de repente, mudaram completamente de opinião e passaram a prorrogar um contrato lesivo ao interesse público. Ainda têm a ousadia de dizer que houve um desconto de 15%. É uma absurdo dizer algo assim! Como houve um desconto de 15%, se as cláusulas contratuais já tinham sido resolvidas na prorrogação anterior? Como isso ocorreu, se já tinham lesado o interesse público em mais de 25% em função do aumento de tarifas, de taxas e da absorção de novos serviços que não poderiam fazer, sob o ponto de vista da licitação?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero que esta Casa se dê ao respeito e instaure a Comissão Parlamentar de Inquérito. É possível fazer a CPI centralizando a questão. Talvez a CPI possa dizer que o único culpado é aquela personalidade e que não existem ramificações dentro do chamado núcleo duro do poder do Palácio do Planalto. A única forma de esclarecer a questão, sem dúvida alguma, é por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Espero que esta Casa não se desmoralize mais ainda perante a sociedade, demonstrando uma verdadeira promiscuidade, devido aos interesses conjunturais do Palácio do Planalto, como já fez várias vezes no passado, no Governo Fernando Henrique. Espero que esta Casa cumpra suas obrigações constitucionais e instale a CPI, que, por ter poder de investigação próprio das autoridades judiciais, tem mecanismos para quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. É o único instrumento do Legislativo que pode promover investigações profundas e, certamente, salvaguardar determinadas pessoas do Palácio do Planalto se, efetivamente, não tiverem responsabilidade nesse crime contra a administração pública apresentado perante a opinião pública brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/2004 - Página 5232