Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do novo modelo do Sistema Elétrico Brasileiro.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • Análise do novo modelo do Sistema Elétrico Brasileiro.
Aparteantes
Delcídio do Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 04/03/2004 - Página 5579
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • ANALISE, MODELO, REFORMULAÇÃO, SISTEMA ELETRICO, BRASIL.
  • AVALIAÇÃO, MOTIVO, PROVOCAÇÃO, CRISE, SISTEMA ELETRICO, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, INVESTIMENTO, SETOR, DEFEITO, CONCEPÇÃO, IMPLANTAÇÃO, MODELO, MATRIZ ENERGETICA.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO, AGILIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DEFINIÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, GARANTIA, INVESTIMENTO, SISTEMA ELETRICO.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tendo atuado no setor elétrico como Ministro de Minas e Energia e, recentemente, na qualidade de Relator da Medida Provisória nº 145, sobre o setor elétrico - que poderá até ser votada hoje -, juntamente com o Senador Delcídio Amaral, Relator da Medida Provisória nº 144, quero fazer algumas considerações sobre o chamado novo modelo do sistema elétrico.

Para que se possa analisar essa nova forma de atuação no sistema, entendo que é importante avaliar as principais causas que levaram à crise o sistema elétrico em 2001, que foram basicamente de três ordens: falta de investimento no setor, falhas na concepção do modelo novo que se implantava e falhas na implantação desse modelo.

Em relação à falta de investimentos no setor, houve perda, ao longo de anos seguidos, da capacidade do Estado brasileiro de investir, o que se verifica até hoje. Essa situação não melhorou, mas, ao contrário, até piorou. Em 1987, foram investidos no setor cerca de US$16 bilhões, e esse número, em 1995, caiu para US$4,3 bilhões. Essa queda não foi abrupta, mas consistente ao longo de cada ano e continuou depois. A incapacidade do Estado de agregar a iniciativa privada para investimentos continua até hoje. De uma década para outra, a média anual de investimentos no setor caiu para a metade. Na década de 80, representou cerca de US$13 bilhões e, na década de 90, US$6,5 bilhões, exatamente a metade da capacidade de investimento.

Que razões determinaram essa queda na capacidade de investimento? Em primeiro lugar, como já me referi, houve o esgotamento da capacidade de investimento pelo Estado. Em segundo lugar, houve a proibição de investimentos pelas estatais, a sua inclusão no Plano Nacional de Desestatização, que não permitia nenhum tipo de investimento, mesmo no período de transição.

O terceiro ponto que determinou a perda de capacidade de investimento foi a proibição de investimentos pelo Fundo Monetário Internacional. Foi uma verdadeira anomalia contábil, em que receita financeira não é receita e investimento é despesa. Isso vale para a América Latina e para alguns países, mas não para outros países. No passado, essa regra do Fundo Monetário não valeu. Essa anomalia freou - e continua freando - qualquer tipo de investimento, sobretudo no setor elétrico.

O quarto ponto que determinou a queda de investimento são as metas de superávit primário, que não são novas - já existiam no Governo anterior e em outros Governos -, mas que também impedem que as estatais do setor elétrico façam investimentos no setor.

O quinto fator que permitiu essa queda de investimentos no setor foi a inflexibilidade de políticas econômicas, a proibição de qualquer investimento ou mudança de regra - não se mudava nada - que pudesse, de alguma forma, afetar o Plano Real.

Darei aqui dois exemplos que caracterizam bem, em relação ao passado recente, o que as estatais não podiam fazer. A Eletrobrás foi obrigada a antecipar ao Tesouro Nacional o Imposto de Renda que já havia sido parcelado em dez anos. Há outro ponto mais importante do que esse: a Eletrobrás foi obrigada a quitar US$6,5 bilhões de Reserva Global de Reversão - RGR, feita para ser usada no fim do período de concessão das empresas, que era uma obrigação, por sua própria natureza, sem vencimento e sem correção monetária. A Eletrobrás foi obrigada a pagar à vista algo que não tinha nenhum prazo para vencer pela frente, esgotando a sua capacidade de financiamento.

O segundo ponto que levou à crise foram as falhas na concepção do modelo. O mercado substituiria o Estado. Naquele momento, o Estado se afastaria, e as forças do livre comércio deveriam resolver a situação do sistema. Todavia, em primeiro lugar, houve um marco regulatório impreciso e incompleto. As privatizações foram feitas antes que houvesse a regulamentação. Privatizou-se primeiro, para depois haver uma agência de regulação.

O problema persiste, e, até hoje, não ficou bem caracterizado o que é o famoso equilíbrio econômico-financeiro, fundamental para o setor privado, que precisa conhecer exatamente as regras, para que saiba qual é o seu retorno e, então, tenha a capacidade de atrair investidores e sócios para o sistema. Sem isso, fica muito difícil haver investimentos no País.

O segundo ponto, dentro dessa falha de concepção do modelo, foi uma drástica redução da área de atuação do Ministério de Minas e Energia, que passou a não ter absolutamente poder nenhum. Passou a ter uma série de órgãos, mas especificamente perdeu o poder e deixou de comandar o sistema, de forma muito clara e evidente.

O terceiro ponto se refere à perda de poder de regulação para a Aneel. Nesse sentido, era a Aneel, e não mais o Ministério de Minas e Energia, que dispunha de poderes para promover licitações de usinas ou autorizar importação ou autorizar nova geração térmica ou estabelecer tarifas. O Ministério não tinha, em hipótese alguma, o poder de dizer que precisava de determinada quantidade de energia em certo lugar e em tal tempo. Quem determinava isso era única e exclusivamente a Aneel. Cabia a Aneel decidir se ia fazer ou não, se ia licitar ou não uma determinada linha de transmissão.

Cito aqui, Senador César Borges, o caso daquela linha de transmissão feita pelo Governo Federal, quando V. Exª era Governador estadual. Hoje, a linha fundamental é a que leva energia do Sudeste para a Bahia, a linha Sudeste/Nordeste, que foi feita muito mais por insistência da Eletrobrás do que por uma política natural. E, não fosse essa linha, que não foi feita pelo caminho normal, daquilo que seria listado pela Aneel, haveria racionamento ainda hoje no Nordeste.

Essa questão de não se poder ditar a política impediu que muita coisa fosse feita e colaborou, certamente, para a crise.

Em vários momentos, a Aneel confundiu autonomia com independência. Essas agências têm de ser autônomas. Defendo a autonomia não só da Aneel, mas de todas as agências, mas não se pode confundir autonomia com independência, e, ao fazê-lo, geram-se problemas. A independência foi demonstrada no que caracterizou o caso das térmicas a gás natural. Se tivesse sido feito o programa prioritário de termoeletricidade em tempo certo, ter-se-ia evitado o racionamento. Essa não é só uma opinião minha, é a opinião da Ministra Dilma Rousseff e de muitos especialistas do setor. Ali o impedimento nasceu dentro da própria Aneel, com posições pessoais de diretores contra o problema de a tarifa ser em dólar, como já existia no caso de Itaipu e também nas térmicas e como existe hoje.

O quarto ponto que trouxe problemas foi o fim do planejamento do setor. Hoje, ele volta a ser proposto com essa Medida Provisória nº 145, por meio de uma empresa. Mas, com o fim do planejamento, o Ministério de Minas e Energia deixou de ser responsável por um planejamento determinativo. Planejava-se, e se iam buscar recursos, de forma a implementar aquela necessidade de energia. E se passou a fazer um planejamento indicativo: apenas se indicava ao mercado aquilo de que o País precisava. E as forças de mercado é que deveriam, então, providenciar o suprimento dessa energia, como nos tempos da “mão invisível” de Adam Smith, como se isso viesse também a funcionar no sistema elétrico, o que não funcionou.

O quinto ponto é o que chamo de “falha de concepção”: a independência do ONS. Tendo passado toda a operação do sistema para o recém criado Operador Nacional do Sistema Elétrico, privado, autônomo e independente, perdeu-se até a capacidade de controlar o consumo. Algumas campanhas para a redução do consumo em outubro de 2002 não foram aprovadas pelo conselho do ONS. Esse é um outro ponto que deve ser levado em consideração quando se analisa um novo modelo.

O sexto ponto em relação à falha de concepção é que os contratos iniciais estavam superdimensionados quando as distribuidoras os assinaram. Havia uma energia no papel que não correspondia à realidade. As distribuidoras, então, nesse momento, por várias outras razões, não investiram no setor, não fizeram o papel que estava reservado dentro dessa nova concepção de mercado e não forneceram os PPAs. A energia não veio, e houve racionamento.

Há também as falhas na implantação do modelo. Quando analisamos essa nova sistemática que está sendo proposta agora, é importante verificar que o novo modelo foi incapaz de aumentar a geração no tempo esperado, porque foi implantado em plena crise, quando havia uma queda nos investimentos, uma queda no crescimento da capacidade instalada e um grande crescimento do consumo por causa do Plano Real. O novo modelo foi instalado nesse momento de profundo desequilíbrio, e não se cuidou de fazer aquilo que deveria ser feito, que era uma geração adicional para a transição. Essa geração adicional foi providenciada depois, com o Programa Prioritário de Termoeletricidade, logo transformado em Programa Emergencial de Termoeletricidade, logo depois do seu lançamento, dois ou três meses depois. Esse programa deveria ter sido iniciado dois ou três anos antes.

Essas questões abordadas nos levam a analisar agora essa nova medida do setor com uma certa cautela, no sentido de que devemos olhar o passado para prever o futuro. Com isso, é preciso comparar um pouco, porque, a rigor, o que está sendo chamado de um novo modelo não é o novo modelo, pois basicamente estão conservados todos os órgãos que existiam antes. O ONS, o CNPE, a Aneel, o Ministério de Minas e Energia, o CCPE, o MAE, todas essas siglas de que o setor tanto gosta estão lá, como estavam antes. Assim, não seria próprio falar em um novo modelo, mas sim em uma alteração do modelo anterior. Essa alteração está vindo, sobretudo, na forma de se comprar energia. Esse é o grande ponto. Por quê? No caso do ONS, o Governo passa a ter maior controle agora, mas o ONS continua. É uma ação positiva que está sendo proposta agora nessa nova forma.

Quanto ao que tem sido dito, ou seja, que a retirada do poder de concessão desfigura a Aneel, não acredito nisso. Acredito que essa deve ser efetivamente uma ação do Ministério de Minas e Energia. Penso que foi uma ação positiva a retirada do poder concedente à Aneel.

Com relação à extinção do MAE e à criação do CCPE, é basicamente a mesma coisa, pois se mudou apenas o nome do órgão que vai ser encarregado dessa liquidação de compra e venda do mercado. A ação é neutra.

Em relação ao planejamento, há uma mudança positiva muito forte. Na mudança do planejamento determinativo para o indicativo, isso deixou de existir. O Estado perdeu a sua capacidade de planejar, e isso precisa ser retomado agora. Essa capacidade não pode ser feita pelo mercado. Essa é uma forma de atuação que não pode ser exercida pelo mercado. Isso tem que ser feito pelo Estado. Quem tem que fazer esse planejamento não é o mercado, mas sim o Estado. O planejamento do mercado poderá complementar as suas ações.

O modelo de transmissão permaneceu o mesmo; aliás, foi um sucesso implantado no passado e até serviu de inspiração para o novo modelo nos leilões de energia agora. Assim, o que muda substancialmente nesse modelo são as relações do distribuidor com o gerador e com o consumidor livre. Basicamente é isso, e todo o resto continua igual.

Anteriormente, as distribuidoras eram responsáveis pelo atendimento, como eu disse, do crescimento da demanda, tinham a liberdade de comprar energia nas quantidades determinadas por eles e iam ao mercado comprar. Agora há a criação de um pool, que veio substituir a compra livre, que não funcionou, embora fosse o modelo ideal.

O ambiente regulado agora passa a ter regras muito mais severas do que tinha antes. Mas entendo também que essa é uma ação positiva.

A principal diferença é que, no modelo anterior, a iniciativa privada é que comandava essas ações; no modelo atual, as empresas estatais passam a ter um papel muito maior. Entendo que, numa fase de transição, isso é importante para que se assegure a continuidade do crescimento da oferta. Pode ser que se proceda a alguma mudança depois de se ter trabalhado com o pool. Com isso, pode-se vir a construir outra vez aquela relação com a iniciativa privada, mas, no momento, creio ser difícil a manutenção daquela condição em que as distribuidoras eram as responsáveis por motivar e buscar a nova geração no mercado.

Hoje, pelo que está proposto, as distribuidoras vão fazer suas estimativas de mercado e de compra nos leilões dirigidos com antecedência de cinco anos, três anos e um ano. Os custos dessa energia serão repassáveis para a tarifa. Esse é um ponto que se discute, que tem sido abordado e que seguramente será objeto de debate na discussão e votação das medidas provisórias. O que efetivamente repassa para as tarifas? Esse ainda é um ponto em aberto em parte para as distribuidoras.

É bom lembrar que os leilões agora serão organizados pela CCEE, a empresa que substituiu o MAE, ou seja, pelo Governo.

Houve também uma alteração no sistema: o de compra passa a ser agora pelo menor preço da energia. Antes era por quem pagasse o maior tributo à União, que era a UBP. Então, houve uma mudança substancial na forma de encarar a questão.

Para assegurar modicidade tarifária e empreendimentos novos na geração - aparece aqui um novo ponto discutível, que é a divisão da energia em nova e velha. Também esse é um ponto ainda em aberto, sobretudo na cabeça dos geradores e para aqueles empreendedores que chegaram antes aqui e vieram atender aos apelos do Governo. É a divisão entre energia nova e energia velha.

Senador Delcídio Amaral, concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Delcídio Amaral (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Rodolpho Tourinho. Mais uma vez quero registrar a competência habitual de V. Exª abordando esse tema tão importante, que está sendo analisado no momento e será votado aqui no Senado Federal, que é o modelo proposto pela Ministra Dilma Rousseff que tem três pontos absolutamente importantes, como V. Exª acabou de citar. Primeiro, planejamento, o resgate da função planejamento, que é uma função de Estado. Esse é um avanço bastante importante. Segundo: a modicidade tarifária. Terceiro: a universalização, que foi motivo da votação da Medida Provisória 127 aqui no Senado Federal. E eu não poderia deixar também de registrar, meu caro Senador Tourinho, todo o arcabouço que está sendo proposto por esse projeto de conversão que vai ser discutido aqui no Senado. V. Exª teceu vários comentários com relação a detalhes ou pontos específicos que os Senadores têm debatido intensamente aqui no Senado Federal. Evidentemente, mais do que nunca, com base nesses três pilares, vamos reunir as condições necessárias para sinalizar regras claras para o setor elétrico brasileiro, sendo que nessa proposta o que muda efetivamente é a comercialização, atrelando-se novas usinas a PPAs futuros. E mais importante do que isso, meu caro Senador, é realmente, a partir da aprovação da medida provisória, definir uma série de ações, para que garantamos a geração necessária e evitemos e impeçamos que o Brasil novamente venha enfrentar o racionamento de energia, que trouxe uma grande crise e provocou a estagnação da nossa economia, produto de todas as dificuldade que V. Exª acabou de aprontar. Quero parabenizá-lo pelo brilhante pronunciamento e dizer que nós vamos estar muito juntos trabalhando nesse grande desafio para que a Ministra Dilma Rousseff e o Governo Federal efetivamente coloquem o setor elétrico no futuro promissor que o País mais do que nunca exige e do qual precisa.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Quero referir-me, Senador Delcídio Amaral, à constituição da agenda mínima que preparamos para discutir com o setor, mas retomaremos à questão quando das discussões da medida provisória possivelmente hoje ou amanhã. Essa agenda mínima foi importante para que pudéssemos efetivamente, tratando com o setor e com o Ministério, buscar a melhor solução. A melhor solução hoje é aprovar o projeto; a melhor solução é aprová-lo apesar de ele ter problemas. Nós sabemos que o Poder Executivo reservou para si grande parte da legislação do que será feito daqui para frente. Isso é ruim. Isso não tem dúvida de que é ruim, porque o marco regulatório fica impreciso, o que pode acarretar uma dificuldade na bancabilidade dos projetos e um aumento de tarifas maior do que o esperado, quanto a isso não tenho dúvidas. 

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Eu já termino, Sr. Presidente.

Mas deve ficar a lição de que precisamos, a partir de agora, depois da discussão da agenda mínima, Senador Delcídio Amaral, com o setor, com o Ministério, acelerar o máximo possível toda a legislação que virá depois, para que no momento certo esse marco esteja bem definido, porque caso contrário nós não teremos investimentos novos no País. O modelo novo, o chamado modelo novo que está sendo proposto por si não assegura que haverá investimentos no País. É preciso criar essa condição.

Agradeço a tolerância, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/03/2004 - Página 5579