Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a fusão das companhias aéreas Varig e TAM.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre a fusão das companhias aéreas Varig e TAM.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/2004 - Página 5673
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, AVIAÇÃO CIVIL, BRASIL, RECESSÃO, ECONOMIA NACIONAL, QUESTIONAMENTO, FUSÃO, VIAÇÃO AEREA RIO GRANDENSE S/A (VARIG), EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, EFEITO, DESEMPREGO, FALENCIA, PREVIDENCIA COMPLEMENTAR, GASTOS PUBLICOS.
  • APOIO, PROPOSTA, ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, PILOTO CIVIL, VIAÇÃO AEREA RIO GRANDENSE S/A (VARIG), PLANO, AMPLIAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO, MANUTENÇÃO, PRESTIGIO, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, EMPREGO, APOSENTADORIA.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já faz algum tempo que a questão da fusão entre as companhias Viação Aérea Rio-Grandense (Varig) e TAM Linhas Aéreas S.A. ocupa espaços importantes na mídia nacional.

Todos os que acompanham esse noticiário sabem perfeitamente que se trata de assunto polêmico, porque envolve interesses de ordem política, econômica, financeira, empresarial e social. No dia 10 de fevereiro passado, vislumbramos indícios concretos de um acordo que nasce na idéia de se criar uma empresa que pouco a pouco possa substituir o sistema code sharing, conforme informação de Thompson Andrade, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Esperamos que as negociações atendam de maneira justa as partes envolvidas. Sabemos, extra-oficialmente, que o Governo acenou com a possibilidade de recursos do BNDES se a fusão se concretizasse. Entretanto, um dos setores mais preocupados com a fusão é a Associação dos Pilotos da Varig (Apvar). Para ela, a idéia da fusão é totalmente equivocada desde o início, porque simplesmente liquida com 77 anos de história da companhia que elevou, em toda a sua trajetória, o nome do Brasil no disputado universo da aviação civil mundial.

Em segundo lugar, alega a associação, a fusão causaria inevitavelmente a falência de centenas de empresas que prestam serviços à Varig e, o que é mais grave ainda, provocaria a demissão em cascata de milhares de funcionários especializados em um momento em que o País ainda sente as conseqüências da recessão, com elevada taxa de desemprego.

O próprio Governo seria também atingido em cheio, porque precisaria intervir para evitar um maior agravamento da situação social. Juntamente com os funcionários, milhares de aposentados e dependentes, cerca de 35 mil pessoas, que são assistidas diretamente pelo Sistema de Previdência do Grupo Varig (Aerus), seriam igualmente vitimadas por esse choque. O Aerus seria descapitalizado em curto espaço de tempo e essas famílias ficariam completamente desamparadas. Dessa maneira, para o Governo, não restaria outro caminho a não ser autorizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) a abrirem seus cofres para pagar os vultosos custos provocados pelas demissões e socorrer o Aerus.

Todos sabemos que a ordem no Palácio do Planalto é cortas gastos, adiar a execução de vários projetos, inclusive aqueles considerados prioritários na área social, e evitar desperdícios. Em cada reunião com os seus Ministros, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem repetido que é preciso economizar, usar a imaginação e a criatividade para administrar suas pastas. Diante dessa realidade, seria extremamente prejudicial para as finanças públicas, de repente, o Governo ser obrigado a gastar quase R$1 bilhão para pagar uma conta que não está inscrita em seu orçamento. Aliás, seria muito mais vantajoso econômica, social e institucionalmente usar esse dinheiro para promover a recuperação da Varig.

Se houvesse realmente esse interesse, segundo o Plano de Reestruturação Ampla (PRA), estudo elaborado pela empresa de consultoria SR Rating, a pedido da Apvar, o que se gastaria com a liquidação da Varig, cerca de R$700 milhões, seria suficiente para evitar o seu colapso. Assim, resguardaríamos o nome e o prestígio da Varig, evitaríamos transtornos sociais ao Governo e asseguraríamos o emprego, a aposentadoria e o equilíbrio emocional de milhares de pessoas que estão abaladas e ameaçadas por essa idéia de fusão.

Como já vimos, todos os que dependem direta ou indiretamente da Varig aguardam com ansiedade o desfecho dessa questão, notadamente os funcionários, que sabem muito bem que, após a perda do emprego, dificilmente conseguiriam outro posto de trabalho. Em sua maioria, são pessoas que exercem atividades na empresa há vários anos. Portanto, grande parte está situada em uma faixa etária que o mercado não tem mais interesse em absorver.

Por outro lado, são profissionais com anos de experiência em uma atividade específica. Mesmo se estivéssemos atravessando um bom momento econômico, seria difícil o reaproveitamento desses milhares de desempregados em atividades semelhantes às que desempenhavam.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que as diversas tentativas de fusão não lograram êxito até agora porque todas elas têm sido excludentes, unilaterais, e objetivam privilegiar interesses empresariais minoritários em detrimento dos interesses da maioria, no caso, os milhares de funcionários a que já fizemos referência. Dessa maneira, nas mesas de negociações as recomendações dos quase 25 mil funcionários não são levadas em consideração. Convém destacar que essas posições do corpo funcional da empresa estão detalhadas no minucioso Plano de Reestruturação Ampla (PRA) ao qual nos referimos há pouco. Entretanto, os representantes das empresas só aceitam discutir o seu plano, que se chama Reestruturação Simples. Por ele, não é considerada a existência de créditos previdenciários ou trabalhistas, atrasados e outros, que resultam em um montante de R$3 bilhões.

Segundo dados do Departamento de Aviação Civil (DAC), divulgados no dia 10 de fevereiro, a TAM transportou 33,87% dos passageiros no mercado doméstico em janeiro, ou 850,5 mil pessoas, apesar da redução da frota de 83 para 75 aviações no período de um ano. A ocupação das aeronaves foi de 64%. A Varig, que teve a sua frota reduzida em mais de 30 aviões, para 100 aeronaves, ficou com a fatia de 29,73% do mercado. A Varig operou em janeiro com uma ocupação de 66% de suas aeronaves, enquanto a Gol, com 79% (a melhor taxa entre as empresas aéreas brasileiras). A média de ocupação do mercado foi de 67%.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, os argumentos levantados pelas empresas para provocar o colapso da Varig não são portadores de qualquer sustentação, porque não refletem corretamente os acontecimentos dos tempos passados e a verdade dos tempos atuais.

Os empresários alegam que a idéia da fusão surgiu porque a situação da Varig se tornou insustentável, o que é uma meia verdade. Para apoiar esse argumento, dizem que a companhia não consegue conter os incessantes déficits de caixa, apresenta situação patrimonial negativa em grande escala, acumula ao longo do tempo resultados de gestão dos mais incompetentes e causa um prejuízo anual de cerca de US$1 bilhão ao balanço de pagamentos do País. Enfim, na visão dos empresários, a Varig é uma verdadeira bomba-relógio que precisa ser desativada imediatamente, porque, se explodir, explodirá também todo o sistema aéreo nacional. Essa é a visão desses empresários.

Lamentavelmente, os defensores desse equivocado ponto de vista talvez não queiram admitir que quase todos os problemas acumulados pela Varig ao longo de todos esses anos têm, verdadeiramente, outros culpados, e um deles é o próprio Estado.

Pois bem, a maioria dos brasileiros sabe perfeitamente que, desde os primeiros anos da década de 1980, a economia brasileira entrou em crise e o Estado, mergulhado em sua mediocridade, não foi capaz de reagir com competência na travessia dessa extensa zona de turbulência que até hoje nos sufoca. O resultado é que a economia vem se apresentando estagnada há diversos anos, e o que era uma crise se transformou numa recessão econômica. Em meio a esse vendaval, empresas nacionais importantes foram à falência, outras pediram concordata e outras simplesmente foram acumulando dívidas com o total aval do Estado. Este, por sua vez, acompanhou todo o processo e nenhuma atitude tomou no sentido de impedir que empresas assumissem mais empréstimos e aumentassem seus passivos. Na verdade, o Estado estava a par de tudo, sabia das conseqüências futuras, mas sua maior preocupação era salvar a si próprio. Para isto, como vimos durante os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso e estamos vendo agora, teve de diminuir de tamanho, cortar gastos, diminuir despesas e suspender obras importantes. Esta é a primeira verdade.

A segunda verdade não contada refere-se às grandes mudanças ocorridas na economia mundial nestas últimas décadas. Refiro-me ao processo de globalização e às conseqüências da inserção do Brasil nessa nova realidade.

Pelo menos para a classe média brasileira, os primeiros anos do processo de globalização foram de deslumbramento. Paridade do real com o dólar americano, viagens baratas para qualquer parte da Europa e dos Estados Unidos, acesso ilimitado a uma gama nunca vista de produtos importados, crédito fácil, dinheiro de sobra no bolso e uma sensação de riqueza nunca vista. Convém lembrar que esse sonho durou apenas 4 anos. No final do primeiro mandato do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, o sonho acabou e começou um longo pesadelo que dura até hoje.

Inevitavelmente, as empresas aéreas foram arrastadas por esse turbilhão. A classe média esvaziou os aeroportos e, em 1998, aconteceu a crise cambial e o real perdeu 40% do seu valor em relação ao dólar. Como se não bastasse, em setembro de 2001, os Estados Unidos foram surpreendidos com a explosão das torres gêmeas e do Pentágono. E, para piorar ainda mais a situação, no início do ano, os Estados Unidos invadiram o Iraque, sendo que já haviam intensificado a fiscalização em todas as suas fronteiras e passado a exercer rígido controle sobre os passageiros em trânsito nos seus aeroportos desde os atentados. As companhias aéreas mundiais mais importantes foram afetadas e entraram em crise, como o caso da Air France, da Alitalia, da Ibéria e mais recentemente da própria gigante American Airlines. Diante desse quadro nada animador, a situação da Varig, que já era ruim, ficou ainda pior.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de terminar este pronunciamento reafirmando que os argumentos levantados pelos empresários que desejam a liquidação da Varig não são justos e muito menos corretos. Como acabamos de concluir, a história tem outras referências e outras justificativas nacionais e internacionais para explicar a crise da Varig. Dessa maneira, não podemos aceitar tais justificativas que tentam a liquidação de uma empresa que dignifica uma parte importante do Brasil moderno e que representa um setor estratégico de nossa economia.

Penso que devemos fazer uma grande reflexão sobre este assunto, porque não podemos abrir mão assim, sem mais nem menos, de uma empresa que agrega valor à nossa economia, garante milhares de empregos, recolhe somas importantes de impostos, gera divisas significativas para o País e eleva o nome do Brasil no exterior.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/2004 - Página 5673