Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 04/03/2004
Discurso durante a 9ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Necessidade de democratização do acesso ao ensino superior em nosso país.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ENSINO SUPERIOR.:
- Necessidade de democratização do acesso ao ensino superior em nosso país.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/03/2004 - Página 5812
- Assunto
- Outros > ENSINO SUPERIOR.
- Indexação
-
- ANALISE, PROBLEMA, UNIVERSIDADE, SETOR PUBLICO, AUSENCIA, ATENDIMENTO, ALUNO, POPULAÇÃO CARENTE, SELEÇÃO, EXAME VESTIBULAR, MAIORIA, ESTUDANTE, ENSINO MEDIO, ESCOLA PARTICULAR.
- QUESTIONAMENTO, PROPOSTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DESTINAÇÃO, CAPACIDADE OCIOSA, VAGA, ESCOLA PARTICULAR, ENSINO SUPERIOR, ESTUDANTE CARENTE, NEGRO, INDIO, CONCESSÃO, ISENÇÃO FISCAL.
- CRITICA, PROPOSTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), NEGLIGENCIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ENSINO SUPERIOR.
- DEFESA, AUMENTO, RECURSOS, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO SUBDESENVOLVIDA.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são, sem dúvida, as mais relevantes as razões que nos levam à preocupação com a necessidade de democratização do acesso ao ensino superior em nosso País.
Ao lado das enormes deficiências e dificuldades com que se depara o ensino fundamental, cuja qualidade satisfatória e cuja conclusão pela totalidade de nossa população - é sempre bom lembrar - são exigidos pela Constituição Federal, não podemos minimizar os problemas do ensino superior brasileiro.
Desses problemas, talvez o mais grave, do ponto de vista social, continue sendo o do perfil extremamente elitizado dos alunos que cursam nossas universidades públicas. Conhecemos o mecanismo perverso que alija os mais pobres das melhores escolas do ensino fundamental e do ensino médio - ou seja, das escolas particulares - e os afasta igualmente, como previsível conseqüência, das melhores instituições de ensino superior - ou seja, das universidades públicas.
Quanto às universidades e faculdades particulares, muitos dos alunos que concluíram o ensino médio público sequer pensam na possibilidade de arcar com suas pesadas mensalidades; outros, com imenso esforço e alguma privação, conseguem conciliar um emprego com as obrigações e os custos de um curso superior em uma instituição privada.
Assistimos, hoje, a uma grande proliferação de novas faculdades e universidades particulares no País, as quais, se cobram por vezes mensalidades menores, oferecem também cursos de qualidade inferior, em um nível tal, que se mostra, em diversos casos, deveras preocupante.
Por isso, Senhor Presidente, minha expectativa inicial face ao anúncio de um projeto do Ministério da Educação intitulado “Universidade para Todos” foi positiva. O conhecimento efetivo de suas propostas, por seu turno, fez surgir uma série de questionamentos, os quais julgo possam ser partilhados com proveito pelos nobres Senadores e Senadoras.
O projeto, divulgado ainda nos primeiros dias de gestão do novo Ministro da Educação, Tarso Genro, pretende que as vagas dadas por ociosas nos cursos das instituições particulares de ensino superior possam ser “estatizadas”. Em outras palavras, seriam ocupadas por alunos selecionados pelo MEC, tirados do universo de excedentes dos vestibulares das universidades públicas, considerando, ademais, critérios como os de menores recursos econômicos, afrodescendência e origem em comunidades indígenas.
As instituições a terem suas vagas estatizadas seriam, em princípio, aquelas sem fins lucrativos - as filantrópicas ou comunitárias. Ao mesmo tempo, a possibilidade de que instituições privadas venham a disponibilizar suas vagas ao Poder Público - até 25% delas - também foi aventada, tendo por contrapartida isenção fiscal semelhante à que têm direito as filantrópicas.
Essa proposta ainda se mostra, ao nosso ver, por demais nebulosa. As instituições sem fins lucrativos, como já têm isenção, o que teriam como contrapartida ao oferecer suas vagas? Talvez apenas o interesse público, o que seria muito louvável. Argumenta o Ministro, porém, que muitas delas - mas não todas - são empresas disfarçadas. Com a estatização das vagas, sua situação, ao que se pode depreender, seria tida por regularizada.
Por outro lado, temos também as instituições reconhecidamente privadas, as quais, muitas vezes, consistem em negócios de alta rentabilidade. Conceder-lhes isenção fiscal não seria o mesmo que burlar - senão na letra ao menos no espírito - o que dispõe o artigo 213 da Lei Maior? Já se estabelece que “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas” - desde que elas, conforme o inciso I, “comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação”.
São esses questionamentos, a nosso ver, Srªs e Srs. Senadores, relevantes para bem avaliarmos o projeto, mormente no que se refere ao compromisso do Estado com a educação pública e ao bom emprego dos recursos públicos.
Há, entretanto, mais um questionamento a ser feito sobre o projeto Universidade para Todos, do Governo Federal, ao qual pretendo dar a devida ênfase.
É que a busca da democratização do ensino superior, Senhor Presidente, deve considerar não apenas critérios de renda e critérios étnicos, mas deve observar, igualmente, a necessidade de “reduzir as desigualdades (...) regionais” - para recorrermos, uma vez mais, à Constituição Federal, que inscreve essa expressão entre os objetivos fundamentais da República.
Mas o que presenciamos, Senhor Presidente, mais uma vez, é o contrário disso sendo proposto, quando não já implementado. Tal fato não passou despercebido aos articulistas de O Estado de S. Paulo que, no dia 18 do mês passado, denunciaram o viés do projeto do MEC em privilegiar as regiões mais ricas do País.
Ocorre que os estabelecimentos privados de ensino superior multiplicam-se exatamente onde há maior concentração de renda e riqueza - sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, com grande vantagem para esta última. Isso tem levado até mesmo a um excesso de oferta, como no Estado de São Paulo - não nos referimos agora ao importante jornal, mas, sim, à unidade federativa -, onde 510 mil alunos concluíram o ensino médio em 2002, enquanto eram oferecidas 512 mil novas vagas apenas nas instituições particulares.
Uma realidade muito diferente é a que se verifica nas regiões Norte e Nordeste do País. No Nordeste, foram mais de 450 mil os formados no ensino médio em 2002, enquanto as vagas disponíveis nas universidades ficaram em apenas 240 mil, sendo 150 mil delas nas particulares. Na Região Norte, o déficit de vagas em cursos superiores em relação aos 127 mil formandos passa de 40 mil. Em todo o Estado do Pará, conforme a reportagem, há uma única universidade privada.
A saída, de acordo com opiniões como a do diretor do Núcleo de Estudos sobre Ensino Superior da Universidade de Brasília, Carlos Benedito Martins, só pode ser uma: a de aumentar o número de vagas nas universidades públicas dessas regiões.
É o que nos perguntamos se o Governo Federal, obcecado com o corte de gastos, está realmente disposto a fazer.
Não são apenas as universidades públicas do Norte e do Nordeste, Senhor Presidente, que se encontram em situação lastimável, com verbas escassas e deficiências de toda ordem, inclusive a de professores.
As universidades públicas clamam, com toda a razão e legitimidade, por um melhor tratamento, que impeça a sistemática evasão de bons professores para o ensino superior privado. Que lhes permitam oferecer uma formação de boa qualidade aos alunos já matriculados e, igualmente, aumentar o número de vagas, distribuindo de modo mais democrático todo o cabedal de conhecimentos e todo o investimento social acumulado nessas instituições.
Mas - não o podemos negar, pois os dados o revelam de modo taxativo - o déficit maior da presença do ensino público superior está nas regiões Norte e Nordeste. Regiões que se mostram, ademais, carentes de profissionais habilitados em diversas áreas de relevância social e econômica.
Ressaltamos, Senhoras e Senhores Senadores, o viés concentrador do plano Universidade para Todos no que se refere à sua distribuição no território brasileiro.
Não podemos aceitar que, uma vez mais, as populações nortista e nordestina se vejam discriminadas e prejudicadas.
Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.