Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise da entrevista do Ministro José Dirceu concedida à revista Veja desta semana.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Análise da entrevista do Ministro José Dirceu concedida à revista Veja desta semana.
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/2004 - Página 6150
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, MONOPOLIO, FUNDAÇÃO, SEGURIDADE SOCIAL, PLANO, SAUDE, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, DECLARAÇÃO, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, APOIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, EX SERVIDOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, JOGO DE AZAR.
  • LEITURA, TRECHO, COMENTARIO, ENTREVISTA, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, EX SERVIDOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, CRITICA, ORADOR, TENTATIVA, OCULTAÇÃO, FALTA, ETICA, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, DECRETO LEI FEDERAL, DISPOSIÇÃO, AUDIENCIA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, PRESERVAÇÃO, ETICA.
  • DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, MEMBROS, GOVERNO, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, JOGO DE AZAR.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de mais nada, peço que a Casa receba, para inserção nos Anais, podendo fazer parte deste meu pronunciamento, um pedido de arquivamento da matéria que saiu ontem no jornal O Estado de S. Paulo, sobre a negociação feita com a Diretora Executiva da Fundação de Seguridade Social - Geap, a médica Regina Ribeiro Parizi Carvalho, antiga militante do PT, também indicada pelo Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, garantindo o monopólio dos serviços de saúde para os funcionários públicos federais em Brasília e nos Estados.

Peço ainda, Sr. Presidente, que V. Exª registre nos Anais este outro curto pronunciamento com matéria do jornal Folha de S.Paulo intitulada: “Vice diz ser ‘pessoalmente’ favorável à CPI”. A Agência Folha de Belo Horizonte traz o Vice-Presidente da República, José Alencar, dizendo que a manobra contra a CPI deve ter tido alguma razão superior, já que o PT sempre primou pela vontade de investigar.

Sr. Presidente, considero de enorme infelicidade a entrevista do Ministro José Dirceu concedida à revista Veja, publicada esta semana.

É o teor da entrevista:

Veja - Por que o senhor não se afastou de Waldomiro Diniz quando surgiram as primeiras denúncias contra ele no ano passado?

Dirceu - Porque o próprio Waldomiro solicitou uma investigação formalmente à Polícia Federal, ao Ministério Público e à Controladoria-Geral da União. Eu acreditei nele, com base num fato real, que é o pedido de investigação. Tomei uma atitude adequada para as circunstâncias...

E as denúncias do próprio PT do Rio de Janeiro não representaram nada no julgamento do Ministro José Dirceu? E as observações feitas pelo Dr. Luiz Eduardo Soares, que declarou ter dado ciência ao Ministro e a meio-mundo do Palácio do Planalto e do Partido dos Trabalhadores sobre as irregularidades? E o Ministro não se interessou em saber sobre o andamento das investigações? E como explica que Waldomiro tenha sido indicado por S. Exª para os cargos que ocupou antes?

Continua:

Veja - Ninguém o havia avisado sobre a atuação irregular dele?

Dirceu - Eu não tinha notícia sobre isso. E, infelizmente, não tinha notícia sobre esse inquérito sigiloso que o Senador Almeida Lima levou ao conhecimento do país daquela maneira irresponsável. Se eu soubesse, por exemplo, daquele inquérito sigiloso, evidentemente meu comportamento teria sido outro. Como também não é fato que o Waldomiro não tenha sido investigado antes de ser nomeado. Ele foi, mas nada constava contra ele. Porém, quem pode dar essa informação é o Gabinete de Segurança Institucional, que faz as investigações.

Ora, eu fui Ministro do Palácio. Ou seja: ou errou o Ministro, não considerando a advertência da Abin, ou errou redondamente a Abin, que passa a ser desnecessária. Se o objetivo dela é proteger o Erário Público, entre outros, cuidando para que pessoas com cadastro desfavorável do ponto de vista moral não sejam nomeadas, aqui há algo que põe em xeque, no mínimo, a Abin ou o Ministro José Dirceu e, no máximo, os dois juntos.

Fica sem clareza se Waldomiro Diniz foi investigado antes de ser nomeado. Até agora não se procurou dizer o que constava da ficha do Sr. Waldomiro Diniz. Pergunto ao Ministro se S. Exª não indagou do Gabinete de Segurança Institucional o que houve. Eu gostaria de saber o que houve, se o Gabinete de Segurança Institucional, por meio da Abin ou esta por meio daquele, disse que é uma figura de absoluta integridade. Assim, o Ministro pode recomendar ao Presidente a nomeação.

Como funciona o Palácio? Se consta algo contra, o administrador responsável pára imediatamente o processo de nomeação. Se não consta nada, ele ainda solicita outra investigação. Apesar de não haver nada contrário, ele o faz novamente. Se ele é zeloso e tem alguma desconfiança, pede uma segunda investigação. Mas ele não sai atropelando a Abin e nem, por outro lado, dando pouca importância ao processo de investigação, que tem funcionado com razoável eficiência. Pelo menos funcionava bem no Governo passado.

Segue a entrevista:

Veja - Mas não caberia, então, ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional avisá-lo? Não falharam os mecanismos de controle?

Dirceu - Quem devia ter me avisado era o delegado da Polícia Federal, que fez o inquérito sigiloso, e o Ministério Público, que participou do inquérito. Não entendi por que não fizeram. Aliás, você tem de fazer essa pergunta à Oposição...

Meu Deus, o Ministro não foi feliz. Eu esperava, no mínimo, humildade por parte de S. Exª, e não essa repetida arrogância de imaginar que porque supostamente passou o tempo um pouquinho - e não passou, está enganado o Ministro - pode vir com a velha cantilena de querer imputar os males do mundo a quem tenta fazer a democracia funcionar fazendo funcionar a voz da Oposição.

Pergunto ao Ministro: por que a Polícia é que deveria ter avisado? Por que não o Gabinete de Segurança Institucional? Aliás, não é essa uma das funções desse Gabinete, ou S. Exª quer que eu apresente um projeto de lei extinguindo o Gabinete de Segurança Institucional? Se não serve para nada, podemos extingui-lo. Poupa-se dinheiro, que pode muito bem ser utilizado, por exemplo, no Programa Fome Zero, que não deslanchou até hoje. Por que S. Exª não fala claramente e procura jogar logo a responsabilidade para longe do Palácio do Planalto, se esse é o objetivo?

Continuando:

Veja - Por que o senhor suspeita que a oposição tinha essa fita? E por que não teria usado antes?

Dirceu - Não faço idéia. Nem estou preocupado com isso. A fita fala por si só e mostra o suficiente para todos ficarmos indignados e para tomarmos as providências legais cabíveis.

Quer dizer, S. Exª está indignado com a fita. Boris Casoy acha que deveria se dar uma medalha a quem gravou. Não se pode, porque parece que quem gravou mesmo foi o Cachoeira. Mas o Ministro está indignado. Daqui a pouco esse jogo inverte e teremos que pedir desculpas por S. Exª ter nomeado o Waldomiro, pedir desculpas ao Presidente Lula por tê-lo nomeado, e vamos assim entendendo que é Nelson Rodrigues puro: “Perdoa-me por me traíres”.

E continua o Ministro:

Há quase um mês o governo está sendo investigado.

Como, onde e por quem? - pergunto eu.

Nunca houve uma devassa como a que está havendo no governo do presidente Lula...

Pergunto: que devassa? Quantas pessoas do Governo estão sendo investigadas? Quem teve o seu sigilo bancário, telefônico ou fiscal quebrado? Quem sequer foi chamado a depor? Em que inquérito onde quer que seja?

Lembremo-nos, e falo como Líder do Governo passado, de quantas CPIs devassaram, elas assim, o Governo passado. Houve investigações feitas sobre tantas pessoas que compunham a ordem que foi derrotada nas urnas, da qual eu faço parte. Só no caso Eduardo Jorge, o chamado caso EJ, mais de 80 pessoas, inclusive familiares e amigos, tiveram as suas vidas devassadas, seus sigilos quebrados, auditorias de Imposto de Renda e nada se encontrou. É bem verdade que é diferente de um caso de confissão despudorada como a encerrada naquela fita protagonizada por dois atores de teatro bufo, os Srs. Waldomiro e Cachoeira.

Diz S. Exª que há devassa sobre todo mundo, inclusive sobre a pessoa dele e sobre sua família, o que seria mais grave.

Olha, francamente, parece-me que esse episódio é delirante, e recuso-me a falar de questão de família. Disso, S. Exª está livre. Eu não falo.

Considero isso uma vilania. São investigações paralelas. E até hoje não foi encontrado nada. Depois de um mês fica evidente que o governo não rouba, não deixa roubar.

O Geap já silencia a voz do Ministro num ato seguinte, no momento seguinte.

Isso é muito importante. Não há nenhuma denúncia de corrupção no governo do presidente Lula.

Não há? E os encontros, na calada da noite, da G-Tech, de Cachoeira com Waldomiro Diniz, representando ele a autoridade do Palácio do Planalto?

Há um fato gravíssimo, que foi o que Waldomiro fez, no Rio de Janeiro, e a fita fala por si mesma. Por isso mesmo, o governo o exonerou.

Por essa teoria, Waldomiro Diniz era honesto até 2002. Deu uma recaída, Senador Gilberto Mestrinho, aconteceu o episódio da Loterj, aí ele tomou de novo um banho de honestidade e ficou honesto. Ou seja, eu tendo a crer que isso seja até possível tecnicamente, mas é improvável. O mais provável é que o Sr. Waldomiro não tenha sido honesto talvez nunca na vida dele. E, com certeza, continua desonesto em 2002, 2003 e 2004 e vai continuar desonesto até o fim dos seus tempos. É o que eu me autorizo a imaginar de uma pessoa com o desempenho público que ele revelou para a Nação brasileira.

O Ministro suspeita que a Oposição tinha a fita desde 2002 e não faz a menor idéia por quê. E eu pergunto: que irresponsabilidade é essa de suspeitar, sem qualquer base, que a Oposição teria a fita desde 2002? Ele tem o direito de suspeitar de todos e está suspeitando que a Oposição tinha as fitas, mas ele não reconhece em ninguém o direito de suspeitar dele ou de quem quer que seja, neste Governo.

Veja - Com que freqüência o senhor despachava com Waldomiro ou falava com ele por telefone?

Dirceu - Ele coordenava e articulava minha relação com os deputados e senadores para as votações, para as articulações políticas. Eu despachava com ele regularmente, toda semana. E falava com ele todos os dias. O Waldomiro Diniz não assinava atos administrativos, não tinha poderes legais para isso. Era um assessor político. E não é verdade que ele fosse o principal assessor da Casa Civil.

Não é essa a descrição que dez entre dez parlamentares dão às funções de Waldomiro. O Ministro mesmo disse que falar com Waldomiro era falar com ele. Se o Chefe da Casa Civil só despachava com o Chefe da Assessoria Parlamentar uma vez por semana, então a coisa estava mesmo solta, porque seria preciso primeiro nomear uma pessoa decente; segundo, despachar quem sabe todo dia, já que as grandes matérias estavam em decisão, a começar pela reforma previdenciária e pela reforma tributária.

Veja - Não era o seu braço direito?

Dirceu - Não.

Veja - Então, quem é o principal assessor da Casa Civil?

Dirceu - Aqui não tem principal assessor.

Pode ser que aí esteja havendo sinceridade. Todos são iguais. Todos são importantes. São vários braços direitos. O Ministro termina virando uma centopéia, porque são muitos braços.

Veja - O senhor não contribuiu para ser visto como homem forte do governo?

Dirceu - Não, minha história contribuiu para isso. Não eu.

Veja - Como assim?

Dirceu - Sou uma pessoa que tem humildade suficiente.

Não foi humilde nesta entrevista, mas não estou aqui para duvidar de um julgamento subjetivo do Ministro.

Dirceu - Eu tenho humildade suficiente para saber das minhas limitações e sei reconhecer meus erros, como tenho feito publicamente. Em 2003, fiz o que tinha de fazer. E acho que cumpri bem.

Pergunto: deixar que um escroque seja chefe da Assessoria Parlamentar do Palácio do Planalto é cumprir bem? Creio que não. Firmemente, entendo que não.

Dirceu - Não sou de falsa modéstia. Só que agora tenho outro papel no Governo. Deixei a articulação política e federativa do Governo. Sei trabalhar em equipe, tenho disciplina.

Sabe trabalhar em equipe, mas revelou não saber escolher a equipe. Esse é um dado importante.

Dirceu - É por isso que organizei o PT, transformei o PT, junto com todos os companheiros, numa instituição política.

Fico sabendo agora que o PT é uma obra do Ministro José Dirceu. E os demais Presidentes foram figurativos. Não quero meter-me nos assuntos do PT.

Dirceu - Nós estamos reorganizando o Estado e o Governo - ao contrário do que diz a Oposição. E iso salta à vista. É só pegar qualquer ministério e ver as transformações que está sofrendo. Todos os ministérios estão sendo reorganizados com objetivos claros.

Então, os brasileiros precisam-se recuperar dessa cegueira. Afinal de contas, está tudo indo muito bem. Tudo está melhorando, e começa a haver a perseguição de quem é pesquisado em relação a um Governo tão feliz, a um Governo tão capaz.

Veja - Como continuar fazendo esse trabalho em meio a uma crise política instalada há quase um mês e com o crescimento zero da economia?

Dirceu - Não há crise econômica.

Mas a pergunta da Veja não é sobre crise econômica, mas sobre crise política.

Dirceu - O Brasil está melhorando a olhos vistos. [????]

Eu registro várias pequenas interrogações neste ponto, porque, infelizmente, em linguagem oral, não podemos pôr interrogação.

Dirceu - Primeiro, porque o País está fazendo superávit em suas contas. Segundo, porque está reorganizando a sua dívida interna. São duas coisas importantes: o dólar está estabilizado e a inflação, baixa.

Meu Deus, o Ministro agora não vai assumir que fez também o Plano Real; ou vai?

Dirceu - Isso é importante porque sofremos pela dependência que o País tem há dezenas de anos dos capitais externos - e que o Presidente Lula não pôde resolver em 14 meses. Há ainda a dívida interna, que foi multiplicada por dez no Governo Fernando Henrique. O presidente Lula adotou uma política econômica correta e está equacionando esses problemas com o tempo.

Pergunto: e a nota do PT, publicada na última sexta-feira, dizendo que ele repete a política do Fernando Henrique e condenando a política econômica que está sendo posta em prática por este Governo?

Veja - Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha na terça-feira passada revelou que 67% das pessoas acham que o senhor deveria se afastar do cargo...

Dirceu - Mas eu não vou sair do Governo.

Bem, pensei que era o Presidente Lula quem resolvi. Mas, se o Ministro disse que não vai, não vai. Não estou aqui para ficar teimando com ele. E já passou da hora também. Faz ele muito bem em não sair agora. Quando eu sugeri para ele se afastar, foi a la Hargreaves, para esperar o resultado da investigação. Agora já é tarde. Agora ele tem de ficar mesmo. Agora que a opção foi feita, deve ir até o final da montanha russa. Digo ao Ministro José Dirceu: V. Exª não foi eleito para isso. Afinal de contas, quem teve os tais 50 milhões de votos foi o Presidente Lula.

Dirceu - Eu não tenho nenhuma relação com esse caso, não tenho nenhuma dúvida com relação a isso. Não participei, não apoiei, não tinha conhecimento.

Eu digo: como é que não tem nenhuma relação com isso? Quem era Waldomiro? Quem nomeou Waldomiro? Foi o Senador Antero Paes de Barros quem nomeou Waldomiro? Será que é culpa do José Serra também? O José Serra foi quem recomendou Waldomiro? Ele é culpado de tudo neste País?

Veja - Esse episódio o deprimiu?

Dirceu - Estou com quarenta anos de vida pública. Nunca na minha vida me aconteceu algo como isso.

Com todo o respeito ao Ministro, quero entender que ele tem toda a razão de estar muito chocado com tudo isto. Muito bem. Claro que já houve outros momentos de acusação, sim, como em relação a Santo André. Não foi a primeira vez, mas eu imagino que sim. Quero acreditar que ele tenha sido incompetente e não tenha agido de má-fé nesse episódio. Mas não dá para dizer que nem agiu de má-fé, nem foi incompetente. Ou agiu de má-fé, ou foi incompetente. E, nas duas hipóteses, o Governo fica muito mal perante o momento histórico que está escrevendo.

Dirceu - A que nível de irresponsabilidade vamos chegar? O que se pretende com isso? Temo que alguns setores da oposição estejam namorando com o perigo.

Já o disse o Senador Antero Paes de Barros muito bem, por todos nós: “Então, ele nomeou Waldomiro, e a Oposição é que namora com o perigo?” Se a Oposição estiver namorando com o perigo, o Ministro está amasiado com ele, porque, sem dúvida alguma, é um caso tórrido de amor com o perigo, que está redundando em toda essa desconfiança da opinião pública em relação ao Governo, que está acuado, jurisprudenciando que não é possível haver CPI nunca mais, porque é essa a decisão que a Mesa do Senado está tomando, e que questionarei, de maneira vigorosa, a partir de amanhã.

Dirceu - Alguns movimentos indicam isso.

Veja - Quais, Ministro?

Dirceu - Os movimentos cujo objetivo é desorganizar o Governo. Cometi um erro e posso admiti-lo. Agora, não fiz nenhum ato ilícito.

Então, muito bem. Entendo que o Ministro deve estar alguns anos atrasado em seu raciocínio. Era o PT que, em março ou abril de 1995, com quatro meses do segundo Governo de Fernando Henrique, dizia “Fora FHC!” Qual é a tese de desestabilização? A CPI que vai apurar Waldomiro? Se CPI desestabiliza alguém, vamos retirá-la da Constituição. Se CPI desestabiliza alguém, então, a intenção do PT era desestabilizar seguidos governos aos quais se opunha. Ou a CPI é um remédio como outro qualquer, para ser usado nos momentos de necessário esclarecimento da opinião pública?

Se admite o erro, deveríamos poder examinar exatamente qual foi esse erro, em que medida ele se deveu a algum caso fortuito, ou desleixo na escolha de auxiliares, ou à cumplicidade. Não quero crer em cumplicidade. E, se admite o erro, tem de admitir a punição e a reparação. Quem erra, de alguma forma, paga pelo erro. Mais do que no plano subjetivo, tem de pagar no plano objetivo.

Veja: - Se algum fato novo vier à tona, o senhor admite deixar o cargo?

Dirceu - Não existe mais isso. Eu não vou raciocinar sobre hipóteses. Não vejo como transformar essa questão numa crise institucional.

Então, queria esclarecer ao Ministro que entendo que agora ele não tem que sair mesmo; agora tem que ficar até o final, perdeu a chance de sair. Mas sua saída não significa nenhuma crise institucional, não. Uma democracia madura, como a brasileira, tem que admitir troca de todas as pessoas. Está previsto até trocar Presidente por morte, por impeachment, por qualquer razão. Então, o Brasil tem que navegar e não está com seu destino nas mãos de ninguém, de uma só pessoa, de quem quer que seja.

Veja - Essa série de denúncias ligando o PT a donos de bingos e bicheiros afeta em que medida a imagem da legenda, tida como um partido acima dos demais nas questões éticas? São todos agora “farinha do mesmo saco”?

Dirceu - Não. É só analisar as prefeituras do PT, os governos de Estado, o próprio governo federal: há um padrão de comportamento ético e transparência e de controle e fiscalização. Nosso governo está há catorze meses no poder. Não há uma denúncia de corrupção no governo.

Digo que o Ministro está lendo pouco jornal.

Dirceu - Repito isso porque é um fato. Estamos trabalhando com coisas que significam interesses grandes e não há uma denúncia sequer.

Pergunto eu ao Ministro: como, Ministro? Santo André é um padrão de comportamento ético e de transparência? As ligações de Waldomiro, no Governo Benedita, com a contravenção são padrão de ética e de transparência? E as ligações com o jogo no Rio Grande do Sul? E as questões levantadas em Mato Grosso do Sul, em Belém, na Prefeitura, de tantas figuras que têm composto este Governo até em posições proeminentes?

Como não existe denúncia de corrupção em 14 meses? Lembrem-se da demissão do diretor do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), da liberação, fora da cronologia, de recursos do Ministério dos Transportes, da utilização de recursos públicos para viagens pessoais de altos funcionários do Governo. O Ministro quer mais?

Veja - O senhor acha recomendável que o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, integre a comitiva do presidente Lula numa viagem ao exterior? Ou que peça a liberação de verbas para as obras em seu município natal? Ou que participe de alguma reunião no ministério, como aconteceu no Ministério dos Transportes?

Dirceu - Não vejo problema de o tesoureiro do PT participar de uma viagem do presidente. O Delúbio foi dirigente sindical, dirigente da CUT, militante do PT, é uma pessoa pública. Não está impedido por ser tesoureiro. A presença dele no Palácio do Planalto, na Casa Civil, é muito rara. Ele não vem aqui tratar comigo questões de tesouraria. Vem discutir política.

Pensei que quem falava sobre política pelo PT era o Presidente do Partido, José Genoino, mas estou percebendo agora que se invertem as bolas. Quem fala sobre política é o tesoureiro. Daqui a pouco, pedirão que o Presidente cuide de tesouraria, o que é uma inversão de valores.

Continua o Ministro José Dirceu:

Vem discutir política. São questões que poderiam ser até tratadas na sede do PT. Mas aqui se ganha em agilidade. E, quando éramos oposição, pedíamos liberação de verbas. Agora, que somos governo, vamos parar de pedir? Não vejo como pressão.

É elementar que uma pessoa, para viajar na comitiva do Presidente, deva ter alguma função pública a exercer durante a viagem ou estarão usando recursos públicos para efeito de turismo, na melhor das hipóteses. Quanto a tratar de política, não foi esse o critério usado por ele mesmo para avaliar situações assemelhadas. Por exemplo, quando o ex-Ministro Eduardo Jorge, no segundo Governo de FHC, foi falar com Padilha ou Anastasia, foi acusado de lobby, e pediram CPI para apurar o fato. No entanto, ele estava ali tratando de interesses públicos afetos à pasta de que era titular.

Sr. Presidente, daqui a pouco, pedirei que a Mesa considere um decreto muito importante do Presidente Fernando Henrique Cardoso que estabelece como se deve receber nas audiências em Palácio para evitar promiscuidade.

O Ministro disse:

Se eu sair do governo, não acontece nada, absolutamente nada. O PT e o País têm quadros suficientes para me substituir e o governo continuar na mesma maneira.

Nesse ponto, volto atrás. Há pouco, na mesma entrevista, se ele saísse, haveria crise institucional. Agora, o Governo é sólido - concordo com essa segunda afirmativa -, e já dá para sair, porque não há crise institucional. Portanto, é o samba do “petismo” doido. Sei lá que nome devo dar para isso.

Tenho quarenta anos de vida pública, entendeu? E não será um fato como esse - repito, grave e cujas providências legais cabíveis foram tomadas - que manchará a minha biografia.

Espero que ele tenha muita capacidade para se recuperar desse fato. O melhor meio de iniciar o processo de recuperação é abordar a acusação de maneira sincera e não fazer a tergiversação ou o diversionismo.

Sr. Presidente, peço que considere como parte integrante do meu pronunciamento o Decreto-Lei nº 4.334, de 12 de agosto de 2002, que dispõe sobre as audiências concedidas a particulares por agentes públicos em exercício na Administração Pública Federal direta, nas autarquias e fundações públicas federais.

O decreto estabelece o que deve fazer um agente político instalado no Palácio do Planalto para, de acordo com normas de pudor e compostura, receber em audiência. Abrange desde a publicitação aos modos e meios de se proteger a autoridade de más interpretações. Parece-me que esse instituto mostra em cheio como foi leviana, na melhor das hipóteses, a atuação do Sr. Delúbio Soares, recebendo empreiteiros no Palácio do Planalto. Temo que o Governo não esteja dando atenção a esse decreto, ou seja, esteja infringindo uma norma legal do País, porque, se lido com atenção, o decreto teria prevenido muitas das trapalhadas e dos atropelamentos que tem sofrido e feito este Governo.

Sr. Presidente, de maneira muito sensata e serena, procuro fazer uma análise crítica da entrevista do Ministro. Ele não pode imaginar que falaria e que nós não responderíamos, que acabaria com a discussão do assunto, dizendo que a culpa é da Oposição. Meu Deus, daqui a pouco começarei a pensar que fomos nós que nomeamos ou indicamos Waldomiro Diniz, numa manobra solerte para servir ou prejudicar o Palácio do Planalto.

Não. Waldomiro foi nomeado pelo Ministro, que, por sua vez, foi nomeado pelo Presidente. A responsabilidade é completamente deles. Essa história de quem gravou, quem não gravou, quanto tempo tinha a gravação é “conversa para boi dormir” mesmo. Está em foco se há ou não alguma conexão no Palácio, inclusive com uma ação já no Governo Lula, entre o crime organizado e alguém que mereceu a confiança palaciana a esse ponto, alguém que era chamado de Ministro por vários Deputados e Parlamentares da base governista.

Aguardo o pronunciamento do Senador Antero Paes de Barros, que foi citado nominalmente pelo Ministro. Continuaremos a nossa luta. Amanhã, questionaremos se estão extinguindo não a CPI dos bingos, mas se estão extinguindo o direito de a Minoria apresentar a CPI, ou seja, se estão se vingando. Depois do que foi anunciado pela Mesa, a Maioria passa a ser dona do instituto da CPI, ficando a Minoria desvalida para utilizá-lo.

Podemos pensar - quem sabe - numa emenda constitucional para retirar da Constituição a figura da CPI. Se é um recurso tão ruim para o País, se não serve nunca, vamos tirá-lo da Constituição e procurar fazer como fez a ditadura militar. Durante a ditadura militar, participei de CPIs que investigavam a ditadura militar, com resultados muito bons.

Estou vendo que há nesta Casa uma conformação de poder que não permite sequer que esse instrumento, tipicamente da Minoria, seja utilizado a bem do País como uma prerrogativa da Minoria. Virou uma prerrogativa da Maioria, que só aceita, portanto, aquela CPI que supostamente não incomode os que estão nas salas mais atapetadas desse poder que está sendo tão questionado pela forma, entre primária e leviana, com que se vem havendo, Sr. Presidente.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos de acordo com o art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.

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SOMBRA NO PLANALTO

Para Alencar, a manobra contra CPI deve ter tido "alguma razão superior", já que o PT sempre primou pela vontade de investigar

Vice diz ser "pessoalmente" favorável à CPI

DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

O vice-presidente José Alencar disse ontem em Belo Horizonte ser pessoalmente favorável à instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as ações do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz.

"Se fosse me basear em mim, teria que ser a favor da CPI", disse Alencar. "Mas minha condição hoje é: primeiro, sou aliado, nosso partido é atualmente da base do governo; segundo, sou o vice-presidente da República; terceiro, não participei dos acontecimentos porque, circunstancialmente, estava afastado nesse período."

O vice-presidente chegou ontem pela manhã a Belo Horizonte, onde ficará descansando por uma semana. No dia 21, Alencar passou, em São Paulo, por cirurgia de emergência para retirada da vesícula biliar. Em seguida, contraiu uma pneumonia.

Alencar recebeu alta no dia 1º de março, mas foi orientado a permanecer na capital paulista por uma semana, para continuar com os exercícios respiratórios.

Dizendo-se informado sobre o caso apenas por meio de notícias veiculadas pela imprensa, afirmou que a decisão sobre a CPI cabe ao Congresso Nacional.

O governo é contra a abertura da CPI por alegar que o caso Waldomiro ocorreu em 2002, antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil e homem da confiança do ministro José Dirceu (Casa Civil), Waldomiro foi flagrado em gravação de 2002 pedindo propina e contribuições para campanhas a um empresário do ramo de loterias.

Na época da gravação, presidia a Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro), na gestão Benedita da Silva (PT-RJ). Com a divulgação da fita, foi exonerado a pedido do Planalto, onde trabalhava desde o início da gestão Lula.

Um pedido de CPI dos bingos, que abrangeria o caso Waldomiro, foi apresentado ao Senado com as assinaturas necessárias. Uma manobra estimulada pelo Planalto, no entanto, barrou a CPI: os líderes dos partidos governistas anunciaram que não indicaram os representantes, o que, na prática, impede a instalação da comissão de investigação.

Para Alencar, a manobra de esvaziamento da CPI dos bingos deve ter tido "alguma razão superior", já que o PT "sempre primou pela vontade férrea de investigar todos os casos". "O PT é o mesmo, e obviamente esse caso pode merecer tratamento especial", disse o vice.

Sem citar o nome de Dirceu, o vice-presidente saiu em defesa de Lula e do PT. "O Lula prima pela marca da honestidade absoluta no trato da coisa pública. Eu não fiz aliança com o PT a não ser porque, em primeiro lugar, conhecia esse aspecto." Segundo Alencar, "a verdade é que o Brasil inteiro conhece a honorabilidade do presidente da República".

Alencar afirmou ainda que "ninguém demonstrou mais interesse pelas investigações [sobre o caso Waldomiro Diniz] do que o presidente Lula".

Sobre a mudança no comando do Ministério dos Transportes, onde o prefeito de Manaus, Alfredo Nascimento, assumirá em substituição a Anderson Adauto, Alencar disse que o PL mineiro pediu que o cargo continuasse no Estado, mas não impôs nomes. "Não colocamos nomes, porque isso não nos caberia." O vice-presidente negou que tenha indicado Adauto para o posto.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/2004 - Página 6150