Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a greve dos servidores da Polícia Federal.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Preocupação com a greve dos servidores da Polícia Federal.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Garibaldi Alves Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2004 - Página 6635
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL.
  • APREENSÃO, GREVE, AGENTE, ESCRIVÃO, PAPILOSCOPISTA POLICIAL, AUSENCIA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, EQUIPARAÇÃO SALARIAL, DELEGADO.
  • CRITICA, ALTERAÇÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, SISTEMA NACIONAL, POLITICA, DROGA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, INDUÇÃO, ERRO, INTERPRETAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, OCORRENCIA, DISCRIMINAÇÃO, UTILIZAÇÃO, ENTORPECENTE, PAIS, FACILITAÇÃO, CUMPRIMENTO, PENA.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

“O Lula seria melhor se tivesse seguido seus impulsos e deixado de lado os óculos dos teóricos”.

Fernando Henrique Cardoso, em 1985.

Caso estivesse vivo, o cartunista Henfil teria completado sessenta anos no último dia 5 de fevereiro. Fradim, Zeferino, Graúna. De todos os personagens que compuseram o biscoito fino da obra de um dos geniais brasileiros do século 20, certamente Ubaldo, o Paranóico faz uma falta danada neste País regido por dilatadas aberrações e besteróis.

Ubaldo, uma criação conjunta do humorista com o crítico musical Tárik de Souza, surgiu no Pasquim em 1976, em plena distensão do Governo Geisel, e praticamente coincide com a morte do jornalista Wladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. O personagem enverga a psicopatia difusa da sociedade brasileira de então, emocionalmente insegura entre o medo da repressão e a euforia de uma abertura lenta e gradual.

Cheio de mania de perseguição, covarde assumido em omisso total, Ubaldo, o Paranóico acaba de ser revisitado na última versão do escândalo “waldogetequiano”. De acordo com o que se depreende das declarações da nota oficial do Partido dos Trabalhadores da sexta-feira passada, “o companheiro Zé Dirceu e o Governo Lula” estão sendo alvo de uma campanha sistemática de desestabilização, “orquestrada por setores da oposição e da mídia”, com a finalidade de desidratar “o capital ético e político do PT”. Uma pérola remanescente do discurso dos 20 anos de ditadura, pelo qual o Ministro-Chefe da Casa Civil acabou tomando gosto e repetiu em entrevista na edição de domingo da Revista Veja. Onde se lê: “Temo que alguns setores da oposição estejam namorando o perigo. Alguns movimentos indicam que o objetivo é desorganizar o governo”.

Naturalmente fiel às obrigações do cargo, o Ministro-Chefe da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, Aldo Rebelo, afinou a cantilena e foi categórico quando entrevistado no Programa Roda Viva, da Rede Cultural de Televisão. Afirmou que forças regressivas conspiram contra o governo. Mesmo sem tocar no assunto durante a reabertura da temporada do maior espetáculo de demagogia da terra, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quebrou o silêncio e lançou a advertência caudilha de que se ele errar será o fracasso da classe trabalhadora.

Trago a esta Casa séria desconfiança de que a crise política provocada pelo estilhaçamento da redoma ética do PT, aliada ao comportamento linfático da economia brasileira, faz vicejar em setores do Governo desejos de vilania dirigidos contra a liberdade de imprensa e o exercício democrático da oposição no Congresso Nacional. Antes que a versão adquira verossimilhança, a vigilância deve ser redobrada para que não nos impinjam a marca de impatriotas em nome de um macarthismo caburé.

Srªs e Srs. Senadores, o Governo Lula excomungou as CPIs do Caso Waldomiro e dos Bingos sob o pretexto de que as investigações realizadas pela Polícia Federal bastavam para esclarecer os fatos e apontar as autorias.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha.) - Senador Demóstenes Torres, peço licença para prorrogar a sessão por 15 minutos.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Nos dias que se seguiram àquela sexta-feira 13, foram muitas as manifestações exemplares de integrantes da instituição contra os jogos de azar. Bingos foram fechados, máquinas caça-níqueis apreendidas e expansões físicas impactantes realizadas em todo o País, especialmente pelo usual lacônico Ministro da Justiça. Pena que o esforço e a dedicação da Polícia Federal tenham sido apenas utilizados como bravata marqueteira. Por conta da insensibilidade do Governo Lula de cumprir a lei, ontem oito mil Policiais Federais em todo o País entraram em greve. Isto quer dizer que as investigações do caso Waldomiro Diniz e dos Bingos, bem como a Operação Anaconda, deverão ser comprometidas, se não paralisadas. A sensação que se tem é de que o Governo estivesse dando tempo para que o medicamento autoprescrito para os males do escândalo perdesse o prazo de validade.

Com o cruzamento dos braços de agentes, escrivães, papiloscopistas, peritos e pessoal administrativo, serviços como emissão de passaportes, interrogatórios e operações policiais serão paralisados, enquanto a fiscalização de portos e aeroportos serão executados com lentidão. Apenas a carceragem e o plantão terão andamento normal. O Ministro Márcio Thomaz Bastos descartou atender à reivindicação dos agentes e afins de equiparação salarial com os delegados, autorizada pela Lei nº 9.266, de 1996, e a greve deve expor as fissuras da mais importante e respeitada instituição policial deste País.

O Brasil vai ficar sabendo que a Polícia Federal não suporta mais ser usada pela máquina promocional do Governo Lula sempre que se instaura uma crise de segurança pública neste País. No dia-a-dia da Polícia Federal, infelizmente, o miserê tornou lugar comum: a inadimplência com fornecedores de combustíveis, energia elétrica, telefone, alimentação de presos e aluguel.

Sr. Presidente, quero aproveitar a oportunidade para chamar a atenção do Senado para o PLS nº 115/2002, aprovado pela Câmara dos Deputados e em tramitação na Comissão de Assuntos Sociais desta Casa, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD); prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e de dependentes de drogas; estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de entorpecentes, define crimes e dá outras providências.

Em primeiro lugar, gostaria de destacar que o texto aprovado na Câmara dos Deputados, por obra e graça da capacidade do Ministério da Justiça de prestar desserviço ao País, conseguiu piorar projeto originado desta Casa. Não bastassem a claudicante técnica legislativa e as velhacarias sociológicas que sustentam o projeto, há algumas imprecisões jurídicas que tramam contra a dogmática penal e definitivamente não podem prevalecer. Por conta dos equívocos do texto aprovado, já se criou na opinião pública nacional idéia de que o Brasil está descriminando - ou descriminalizando - o uso de entorpecentes.

Srªs e Srs. Senadores, o referido projeto incluiu no Capítulo dos Crimes e das Penas a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal. Para quem se subsumir ao tipo legal, o projeto de lei prescreve pena, Senador Romeu Tuma, de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Muito bem, a grosso modo, a aplicação das chamadas penas alternativas.

O interessante é que, no mesmo corpo do projeto aprovado, está estatuído que, caso o agente do delito descumpra uma das imposições, como a prestação de serviços à comunidade, cujo prazo máximo é de cinco meses, poderá ser submetido a outras medidas de restrição de direitos estabelecidos no Código Penal pelo prazo máximo de três meses. Isto quer dizer que não há regra de regressão de regime e ficará ao alvedrio do agente ativo do crime o cumprimento ou não da pena imposta. V. Exª já viu isso, Senador Romeu Tuma?

O texto aprovado na Câmara possui um primarismo conceitual digno de um perfeito rábula. No parágrafo 10 do comentado art. 27, consta que insistindo o agente em não atender às medidas subsidiárias de restrição à liberdade, ou seja, insistindo em descumprir a sentença, ficará sujeito ao crime de desobediência. Ora, Srªs e Srs. Senadores, isto não tem cabimento no mundo do Direito, uma vez que se confunde pena com ordem. A primeira é uma sanção que se cumpre, determinada por uma sentença judicial, em razão da prática de um delito ou de um ato ilícito.

A outra, o objeto jurídico do crime de desobediência, é uma determinação de um funcionário público sem nenhuma relação com o ato ilícito. Em Direito Penal, embaralhar conceitos tão distintos é quase a expressão do analfabetismo. Uma das grandes motivações para a insegurança jurídica deste País é a morosidade da Justiça, que é também provocada pelas impropriedades dos textos legais e esta Casa não pode ser signatária de erro tão elementar.

Na semana passada, os representantes do Governo Federal presentes na solenidade de lançamento do Relatório 2003 da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes da Organização das Nações Unidas deram a impressão à comunidade diplomática que o projeto aprovado na Câmara dos Deputados não só já era lei como consagrava uma guinada de mentalidade das autoridades brasileiras no sentido de acenar para o usuário de drogas o caminho da recuperação e endurecer as regras penais com o traficante. Isso não é verdade. O projeto aprovado apenas disfarça e cria um abismo entre ser ou não ser crime a conduta descrita, dúvida que naturalmente não é nada saudável ao ordenamento jurídico do País.

De fato, a ONU elogia, no relatório, a tendência do Governo brasileiro, mas nem de longe assina embaixo das políticas de prevenção do uso e recuperação de usuário de drogas ilícitas no Brasil. Aliás, o relatório é explícito quando qualifica que “os serviços de tratamento e reabilitação proporcionados gratuitamente pelo Governo são limitados e na prática as pessoas pobres não têm acesso a essas políticas”.

Com todo o respeito que tenho pela Organização das Nações Unidas, cumpro apenas o meu dever de discordar do eufemismo, ou por que não dizer da polidez semântica, com que o relatório trata os ataques do crime organizado à ordem do Estado brasileiro, assim descrito. Diz o relatório da ONU, Senador Antonio Carlos Magalhães: “No Brasil, os traficantes de drogas têm desafiado as autoridades locais em poucas cidades e perturbado temporariamente a paz pública”. Quem assistiu in loco aos últimos movimentos dos traficantes nas ruas de Copacabana certamente estará autorizado a imaginar que, a considerar-se o nível de gravidade descrito pela ONU, a cidade de Genebra também é aqui.

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Demóstenes Torres, V. Exª tratou de muitos assuntos, mas iniciou seu pronunciamento fazendo uma homenagem ao querido Henfil. Seria ótimo se Henfil estivesse conosco transmitindo, com seu verdadeiro amor, ao Presidente Lula - bem como com o humor de Graúna, de Ubaldo e de tantos outros seus personagens - seu sentimento diante dos mais diversos acontecimentos. Tenho certeza de que seus quadros, desenhos e frases iriam demonstrar, por meio do humor, sua indignação, seu anseio por justiça e sua solidariedade aos que ainda não se podem considerar como verdadeiros cidadãos. Seria uma contribuição formidável. Em todos os aniversários e solenidades do Partido dos Trabalhadores sempre esteve presente. Por ocasião do 24º aniversário do PT, ao lado de grandes personagens históricos, como Antonio Cândido, Carlito Maia e tantos outros, Henfil sempre é rememorado como um companheiro excepcional. Eu gostaria de dizer que sim, que V. Exª tem razão, que ele provavelmente estaria transmitindo, da forma a mais construtiva e interessante, junto ao Presidente, junto aos ministros, ao Ministro José Dirceu, considerações, com o melhor dos propósitos, que, certamente, contribuiriam muito para que as coisas melhorassem. Com respeito à greve da Polícia Federal, ainda hoje, Senador Demóstenes Torres, perguntei - porque também estou preocupado, como todos os brasileiros - ao Ministro Márcio Thomaz Bastos, que fez uma visita hoje cedo à Bancada do Bloco de apoio ao Governo, sobre o assunto e S. Exª informou a todos nós que ali estávamos que o Governo está buscando um entendimento com os Policiais Federais. Obviamente, o Governo do Presidente Lula sempre respeita o direito de os trabalhadores, em qualquer segmento, eventualmente promoverem paralisações e tem um procedimento de negociação com os que assim agem. E essas paralisações sempre representam um desconforto para a população e também, hoje, para os estrangeiros ou os que estão viajando para o exterior, que permanecem em filas prolongadas em nossos portos e aeroportos. Mas tenho a convicção de que logo chegaremos a um entendimento. Ressalto que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal abriram concurso para cinco mil novas vagas para a Polícia Federal. Isso é um passo importante para resolver inúmeros problemas. Era a informação que eu gostaria de prestar. Não vou tratar de todos os temas que V. Exª trouxe, senão seria outro pronunciamento. Obrigado.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Eu que agradeço a V. Exª. Pode ter certeza, Senador Eduardo Suplicy, que a admiração que tenho por V. Exª não é apenas retórica. Se ainda há um resto de esperança de que o Governo dê certo ou possa encontrar, finalmente, o seu caminho para que o Brasil não perca todos esses anos é por causa de autoridades como V. Exª, que realmente tem noção de que o País não pode ficar do jeito que está e que sempre responde com muita objetividade, sem tergiversar.

V. Exª deseja um aparte, Senador Garibaldi Alves Filho?

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Sim. Eu gostaria de dizer a V. Exª que, com relação à greve dos servidores da Polícia Federal, há, por parte dos grevistas, uma mobilização junto aos Parlamentares. A exemplo de outros Parlamentares, também fui procurado. Eles se mostram inconformados porque o Governo havia assumido o compromisso, por meio da Casa Civil, de solucionar o problema de melhores condições de trabalho, de implantação imediata das gratificações de risco de vida, da realização de concurso para contratação de agentes penitenciários federais, do cumprimento imediato do que dispõe a Lei nº 9.266. Mas o que é certo, meu caro Senador Demóstenes Torres, é que isso não foi atendido, que os servidores encontram-se em greve e que a sociedade está pagando um preço muito alto, porque hoje o programa Bom Dia Brasil mostrou cenas de vários aeroportos congestionados, com as pessoas sofrendo incômodos por conta da operação da Polícia Federal. Então, faço um apelo ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para que resolva esse problema o mais rapidamente possível.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Quando a Polícia Federal faz greve, quem faz festa é a delinqüência, quem agradece por isso tudo são os traficantes e outros criminosos. O nosso Presidente Romeu Tuma sabe muito bem da importância que tem o trabalho da Polícia Federal. Jamais poderíamos deixar que a situação se esgarçasse a tal ponto. A Polícia Federal não pode entrar em greve. Naturalmente, vamos torcer e trabalhar para que a situação se restabeleça de imediato.

Sr. Presidente, termino agradecendo pela oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2004 - Página 6635