Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A questão do federalismo brasileiro.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • A questão do federalismo brasileiro.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2003 - Página 25248
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • COMPARAÇÃO, FEDERAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EVOLUÇÃO, HISTORIA, ESPECIFICAÇÃO, CENTRALIZAÇÃO, INTERVENÇÃO, ESTADO, ECONOMIA, INTEGRAÇÃO, RAÇA, EXISTENCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL, DIFERENÇA, INEXISTENCIA, ANTERIORIDADE, PACTO, ESTADOS, BRASIL.
  • ANEXAÇÃO, TABELA, COMPARAÇÃO, TRIBUTOS, UNIÃO FEDERAL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HISTORIA, REPUBLICA, BRASIL.
  • DEFESA, DEFINIÇÃO, PACTO, FEDERAÇÃO, OPORTUNIDADE, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA.
  • COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, VINCULAÇÃO, RECEITA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, DESEQUILIBRIO, EXIGENCIA, RESPONSABILIDADE, IMPORTANCIA, DEBATE, ATENÇÃO, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes; Srªs e Srs. Senadores, tenho ferido aqui, em muitas oportunidades, a questões institucionais. Há poucos dias, eu me reportei especificamente à questão do federalismo brasileiro. Hoje, Sr. Presidente, volto ao tema, ou seja, ao desafio de conciliarmos a simetria federativa com a assimetria territorial, econômica, política e demográfica do País, como requisito para preservarmos a estabilidade, a eficiência e o equilíbrio do nosso sistema federativo. Tracei, no último discurso que proferi sobre o tema nesta Casa, um paralelo com a federação americana, cuja implantação precede de um século a do Brasil.

A comparação, Sr. Presidente, é útil não só por essa circunstância, mas também pela particularidade de que os fundamentos teóricos de ambos os sistemas são os mesmos.

Como sabem V. Exª, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil herdou o modelo federativo dos Estados Unidos da América do Norte. Isso ficou institucionalizado na primeira Carta Republicana, a de 1891, que consolidou não somente a República, mas também a Federação.

Se formos comparar o modelo norte-americano que nos antecedeu, vamos verificar que entre o modelo americano e o modelo brasileiro, há muitos pontos e fundamentos teóricos que são comuns. O primeiro é a igualdade de todos os Estados no Senado, o que faz supor a igualdade política entre eles. O segundo, a existência de uma carta de direitos, que reserva ao povo garantias e prerrogativas não delegadas pela Constituição à União e aos Estados. O terceiro é o papel ativo que exercem simultaneamente tanto os Estados como o Governo Federal em relação ao povo, junto ao qual agem diretamente. E, por fim, o papel de árbitro e guarda da Constituição, reservado, nos Estados Unidos, à Suprema Corte e, no Brasil, ao Supremo Tribunal Federal - ainda que neste caso haja diferenças marcantes.

Nos Estados Unidos, ocorreram, como aqui, profundas mudanças. Primeiramente, a centralização política, como conseqüência da Guerra da Secessão, no século XIX. Em segundo lugar, o intervencionismo econômico da União, depois do New Deal, de Franklin Roosevelt, em decorrência da grave crise da bolsa de Nova York, em 1929. E, finalmente, a grande transformação social decorrente do ativismo, em prol dos direitos humanos, nos Estados Unidos, liderado por Martin Luther King, que deu origem à política integracionista, iniciada pelo Presidente Kennedy e seguida por Johnson, na década de 60, do século passado. Na ocasião, o governo chegou a usar tropas federais para conter conflitos raciais em alguns Estados da federação americana.

No Brasil, há algumas semelhanças nas transformações que sofremos ao longo dos últimos séculos, sobretudo em relação ao ritmo e à intensidade dessas transformações. A centralização no Brasil não foi conseqüência da questão racial, mas das dissensões políticas; e não ocorreu no século XIX, mas no século XX, sobretudo com a Revolução de 1930, que pôs fim à primeira experiência republicana.

O intervencionismo do Estado se expandiu com esse mesmo movimento e está associado ao autoritarismo, que deu fim à democracia de nossas instituições e tornou o Governo Federal o grande - senão o único - indutor do desenvolvimento econômico.

A forma como se resolveu a questão social facilitou entre nós a integração racial, evitando a discriminação ostensiva e formas visíveis de apartheid interno, mas deixou um enorme passivo em relação às condições econômicas e sociais dos descendentes dos escravos e libertos, que ainda não foi resgatado.

Aliás, é oportuno aqui lembrar a terrível, mas verdadeira, sentença prolatada por Joaquim Nabuco em sua pregação em favor do Abolicionismo. Joaquim Nabuco foi, talvez, no século XIX, o grande tribuno na luta pelo do trabalho servil. Para Joaquim Nabuco bastava extinguir a escravidão; era importante erradicar os seus efeitos.

Os efeitos, em termos políticos, dessa evolução paralela, mas assíncrona, foram sentidos não só em relação ao fortalecimento do Governo central e o conseqüente enfraquecimento dos Estados, mas produziram resultados diferentes em ambos os países. A emenda que permitiu ao Imposto de Renda dos Estados Unidos, em 1913, carrear para a União uma parcela esmagadora da Receita Tributária enfraqueceu economicamente os Estados. Só em 1972, quase sessenta anos depois, o Congresso americano promulgou a Lei da Partilha da Receita - como assim lá se chamou -, para tentar atenuar os laços de dependência econômica das unidades da Federação.

É bom lembrar que, durante as comemorações do bicentenário da constituição americana, em 1987, os especialistas americanos, sobretudo os constitucionalistas, ainda discutiam a eficiência desse limitado auxílio fiscal para restabelecer o equilíbrio federativo.

No Brasil - volto mais uma vez a esse ponto -, a Revolução de 1930 e sua mais drástica conseqüência, o Estado Novo, em 1937, virtualmente liquidaram, durante 15 anos, ou seja, de 1930 a 1945, o sistema federativo, terminando por implantar um Estado legal e materialmente unitário.

A restauração democrática e a Constituição de 1946 inauguraram no Brasil o que hoje está sendo chamado de federalismo solidário ou compartido, ou, por alguns, chamado de federalismo cooperativo, em virtude da repartição de receitas, com deliberado intuito de evitar os males decorrentes do modelo de discriminação de rendas e responsabilidades, iniciado com o novo federalismo “à outrance” de 1891.

Volto, Sr. Presidente, à alusão que fiz às distâncias que separam, no Brasil e nos Estados Unidos, a renda entre os Estados mais ricos e os mais pobres. É bom lembrar que a diferença entre os Estados mais ricos e mais pobres nos Estados Unidos é de quatro vezes. No Brasil, Sr. Presidente, a diferença chega a quase 15 vezes, ou seja, segundo os meus levantamentos, a 14,7 vezes.

Os críticos norte-americanos do modelo econômico indagam, com freqüência, como fizeram os professores James Mac Grecor e Richard Morris, se em seu país “o federalismo poderá funcionar sem contínuas esmolas federais” - a expressão não é minha, é deles - e se o “controle federal de receita precisará significar o domínio federal da ação estadual”. A observação está contida no artigo cujo título indaga exatamente se o Federalismo funciona nos Estados Unidos e se sua bicentenária Constituição, de 1787, está mantendo um equilíbrio eficiente e realista entre o poder nacional e o poder estadual.

A despeito das críticas muitas vezes ácidas, o fato é que a assimetria entre os estados foi significativamente atenuada em decorrência da chamada Lei da Partilha ou por outras razões que não convém agora, nessas rápidas palavras, analisar.

Entre nós, Sr. Presidente, os resultados foram diferentes. O modelo implantado em 1891 pela primeira Carta republicana foi sensivelmente alterado com a Constituição de 1946. Fiz até um quadro comparativo, do qual não vou aqui me valer mas que vou pedir a V. Exª autorize seja apensado a este meu pronunciamento. Antes, porém, quero fazer uma observação, já que vou fazer outras considerações sobre as Constituições brasileiras de 1891 e 1946.

No Brasil, sempre ouvimos a expressão: “É necessário repensar-se o pacto federativo”. Estou de acordo, mas, às vezes, fico meditando se houve de fato, no Brasil, um pacto federativo. Acho que não houve e vou tentar, de forma tanto quanto possível breve, expor as razões da minha posição.

Como sabem V. Exªs, a República, proclamada em 1889, foi um ato de força do qual a sociedade não participou, se bem que houvesse um sentimento republicano, no Brasil, ao longo de nossa história. No meu Estado, inclusive, houve movimentos, como a Confederação do Equador, que expressavam aspirações federativas.

O fato é que o 15 de Novembro de 1889 foi um ato do qual o povo não participou. Vale lembrar a expressão de Aristides Lobo - o povo assistiu bestificado sem saber do que se tratava.

A primeira Constituição, de 1891, institucionalizou a República e a Federação, pois o decreto de 15 de Novembro de 1889 já definia que a República era uma República Federativa. Não houve, portanto, como nos Estados Unidos, um pacto federativo que antecedesse os fundamentos da federação brasileira.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, gostaria de participar.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Pois não, mas só gostaria de concluir o meu raciocínio.

Nos Estados Unidos, a Federação surgiu, de fato, da união dos estados - naquela ocasião, as treze colônias -, que se uniram, em 1776, e discutiram como constituir um estado federal. É bom lembrar que no frontispício da Constituição americana há uma expressão latina que bem traduz isso: Et plurimus unum, ou seja, “de muitos, um”. Naquele país, treze colônias de cultura e até conformação religiosa distintas uniram-se num pacto, aí sim, federativo, em 1776, na Filadélfia, que se consolidou com a Constituição de 1787.

Na realidade, lá houve o pacto federativo e os especialistas, inclusive em Direito Internacional Público, aqueles que tratam com estados compostos, como o Professor Charles Rousseau, que foi Professor na Universidade de Paris e tem um notável livro intitulado Direito Internacional Público, dizem que os verdadeiros estados federais são aqueles que nascem de estados confederados. Isso poderia ser exemplificado com a Alemanha, em 1815, com os Tratados de Viena, em 1870, até se chegar a Weimar, em 1919, num processo gradual. Também poderia me referir à Suíça, que ainda hoje ostenta na sua Constituição a expressão “Confederação Helvética”.

Geralmente, as verdadeiras federações nascem de estados independentes, que se unem ou, como nos Estados Unidos, de colônias que resolvem se associar. Isso é o que Rousseau chama de a Lei Sociológica da Evolução do Estado Federal.

No Brasil, durante todo o Império, fomos um Estado unitário. É lógico que alguém poderá dizer que em 1834, com o Ato Adicional, houve uma certa descentralização, uma certa diástole - V. Exª é médico e conhece melhor do que eu essa expressão -, mas cinco ou seis anos depois, com a Lei de Interpretação, se não me engano em 1840, novamente houve um processo de sístole, de contração. O fato é que o Brasil conheceu alguma descentralização administrativa, mas nunca foi um Estado federal.

Assim, na minha modesta opinião, não houve um pacto federativo ao se edificar o regime republicano. É certo, não se pode negar, que existia entre monarquistas aqueles que preconizavam a federação como forma de Estado para o nosso País.

Cito mais uma vez Joaquim Nabuco, que era, a um só tempo monarquista e federalista, pois temia que o nosso imenso território se desagregasse.

Quando nos preparamos para discutir, no Senado, a reforma tributária, volta a se cogitar de que é necessário se rediscutir o pacto federativo. Acho, antes, que é necessário agora pensarmos estabelecer o pacto federativo, porque ele não houve, a meu ver, anteriormente. A federação é mais uma emanação legal, porque não surgiu, insisto, de algo que tivesse sido precedente e adequadamente discutido.

Concedo o aparte ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB -PI) - Senador Marco Maciel, atentamente estou ouvindo-o e, como todo o Brasil, aprendendo, mas queria uma consideração. O Brasil teve dois períodos diferentes, mas de extraordinários governantes, como V. Exª acabou de falar. Pedro II governou por quarenta e nove anos. A ele, à sua inteligência devemos essa unidade do Brasil grande, essa Federação. E, por coincidência do destino, V. Exª acabou de dizer que, quando ele foi deposto, não houve participação popular, porque ele era um homem bom. A História, hoje, registra que, no seu século, no Império, dois homens se destacaram, de todos os milhares que existiram: Pedro II e Mauá. Depois, em outro período de dissensão - e, como Ortega y Gasset diz, “o homem é o homem e sua circunstância” -, Getúlio Dornelles Vargas enfrentou duas circunstâncias: primeiro, teve que fazer uma guerra, vítima de uma eleição na qual o voto popular foi usurpado; depois, quando os paulistas quiseram derrubá-lo, teve que manter outra guerra. Mas, foi um grande estadista. Ele criou toda essa Previdência, que não sabemos como levar, o TRE e, sem dúvida alguma, deu o maior exemplo de capacidade de trabalho a todos que governaram e que governarão. V. Exª, se não leu, deve ler o diário de Getúlio Vargas, o homem trabalhador. Ele foi vítima do poder americano. Quando venceu a guerra, a liberdade, ele cedeu. Dutra abriu para o comércio norte-americano, e depois Getúlio não conseguiu fechar as portas. Ele era diferente. Foi um Presidente que não saía daqui, no entanto, vários presidentes do mundo, entre eles Franklin Delano Roosevelt, vinham aqui ouvi-lo.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Nobre Senador Mão Santa, agradeço o aparte de V. Exª. Mas, em função da limitação de tempo, não vou poder fazer maiores comentários, como eu gostaria, sobre as palavras de V. Exª. As observações que faço em nada pretendem tisnar a figura de Pedro II e de políticos e estadistas do tempo do Império que construíram os fundamentos da Nação brasileira.

Sr. Presidente, voltando ao tema, o problema é que, nem no começo do regime republicano, nem em sua “refundação” depois do Estado Novo - leia-se 1946 -, foi possível superar o enorme fosso que separa Estados e regiões menos desenvolvidas dos de maior desenvolvimento. As políticas de desenvolvimento regional iniciadas pela Constituição de 1946, com a vinculação de receitas federais à região do rio São Francisco e à Amazônia, por via constitucional, e mais tarde a criação dos organismos de desenvolvimento regional, como a Sudene, a Sudam e a Sudeco, mesmo diminuindo as distâncias, em termos de programas, projetos e iniciativas voltadas à melhoria da infra-estrutura econômica, não foram capazes de transpor o enorme hiato que ainda separa e divide os brasileiros de diferentes áreas.

Sr. Presidente, prossigo retornando ao texto escrito.

Cessam aí as semelhanças e as diferenças em relação às transformações por que passaram ambos os modelos Federativos: os Estados Unidos e o Brasil.

Se nos Estados Unidos persistem dúvidas quanto à racionalidade do equilíbrio federativo, em nosso caso restam certezas. Atribuímos aos Estados e aos Municípios obrigações e responsabilidades nem sempre compatíveis com as disponibilidades de recursos. Uma situação que se agravou com a concentração tributária ocorrida durante o período de 1964 a 1978/1979. Essa concentração foi diminuída - temos que reconhecer - com a restauração democrática, antes mesmo da Constituição de 1988, por meio de várias emendas constitucionais, como a Emenda Constitucional nº 5, de 1975; a Emenda Constitucional nº 17, de 1980; a Emenda Constitucional nº 23, de 1983; a Emenda Constitucional nº 27, de 1985. Em contrapartida, outra Emenda Constitucional, a de nº 24, de 1983, vinculou 13% da receita dos impostos da União à manutenção e desenvolvimento do ensino, enquanto nos Estados, Distrito Federal e Municípios essa afetação atingiu 25% da receita de impostos, proporção mantida no texto da Lei Maior em vigor. Esta Emenda foi denominada “Emenda Calmon”, o grande apóstolo da causa da educação em nosso País. Aliás, não podemos, neste momento, deixar de tributar-lhe uma homenagem póstuma pelo que fez em favor da educação em nosso País. A Emenda nº 29, de 2000, por sua vez, prescreveu novas vinculações para a manutenção dos serviços de saúde. No caso da União, eles foram estabelecidos, a partir do ano 2000, em valores do exercício anterior, acrescido em 5%, e, nos subseqüentes, até 2004, nos valor dos anos anteriores, corrigidos pela variação nominal do PIB. Nos Estados e no Distrito Federal a aplicação obrigatória era de 12% da receita de impostos próprios e, nos Municípios, de 15%

Essas decisões mostram, Srªs e Srs. Senadores, que a vinculação de receitas nem sempre parece levar em consideração o equilíbrio entre os gravames que se impõem à União e a responsabilidade que se exigem entre os demais entes federativos.

É bem verdade que, em se tratando de proporções que incidem sobre diferentes montantes, pode não ser justo criticar os critérios que produzem resultados diferentes para as responsabilidades semelhantes.

Essa crítica, porém, não se cinge à polêmica questão de afetação de receitas que se generalizam nos últimos anos, como se as necessidades do País pudessem ser previamente estimadas por critérios exclusivamente aritméticos. Diz respeito, a meu ver, a uma tendência mais ampla. Temos um sistema previdenciário descentralizado e uma legislação previdenciária que se pretende unificada. Dispomos de um sistema de saúde de enorme diversidade em suas demandas e unificado em sua gestão, sobretudo em seus aspectos econômicos. Temos um sistema penitenciário cuja concepção é federal e cuja execução é estadual. Temos um sistema de segurança concebido como se fosse descentralizado em face, obviamente, das peculiaridades regionais e que em suas práticas quase uniformes nos procedimentos, carências está em vias de se transformar num “sistema único de segurança”, um novo SUS.

Será este o modelo desejável para um País com tanta diversidade, com tantas peculiaridades e tantas disparidades?

Em outras palavras, podemos tratar simetricamente uma Federação tão assimétrica?

É possível a questão em outros termos?

É razoável mantermos um regime tão desequilibrado em suas necessidades e tão equilibrado em suas pretendidas soluções?

Todas essas questões voltam sempre ao desafio inicial, de como conciliar princípios filosóficos e doutrinários que têm por base a justiça, a eqüidade e a eficiência do sistema político, com uma sociedade tão desigual, tão frágil em sua composição e tão dispersa em seu poder de reivindicação?

Isso explica por que dependentes de repasses e vinculações que começaram a ser estabelecidos na mudança do modelo inicial de 1891, com regime refundado em 1946, toda vez que se fala em racionalizar o sistema tributário, como ocorre agora com a pré-falada reforma tributária, isso desencadeia uma enorme e legítima pressão pelo que se convencionou chamar de renegociação do pacto federativo.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador Marco Maciel, respeitosamente, quero lembrá-lo...

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Sr. Presidente, estou terminando.

Então, repito, tudo isso desencadeia, todas as vezes que se fala em reforma tributária, em uma enorme e legítima pressão pelo que se convencionou chamar de “renegociação” do pacto federativo.

A pergunta que cabe hoje é a mesma que se popularizou nos Estados Unidos quando, depois da Lei da Partilha, de 1972, se indagava se o federalismo daquele país poderia “funcionar sem contínuas esmolas federais”.

A Constituição em vigor avançou tanto em estipular prescrições típicas de competência estadual e municipal que é lícito duvidar do equilíbrio que deve existir entre o poder nacional e o poder local. Neste sentido, convém lembrar, que países nominalmente unitários como é o caso da Espanha, cuja estrutura de poder sua Constituição define como “Estado das Autonomias”, dão as suas comunidades regionais bem mais autonomia do que no Brasil desfrutam os Estados. A diferença de renda que separa as “Autonomias” de menor das de maior renda, é bem mais próxima aos Estados Unidos do que a do Brasil, de apenas seis vezes. Apesar disso, a repartição de competência não é única, mesmo tratando-se de um Estado Unitário e não federativo como o nosso.

Algumas comunidades autônomas como é o caso do País Basco, da Catalunha, de Madri e da Galícia, assumiram competências que, em relação às demais, é mantida na esfera do Governo Central. Algumas dispõem de ampla liberdade em matéria de educação, saúde e previdência, por exemplo, enquanto em outras esse encargo se mantém na esfera do Governo Central. A discriminação de rendas é função desses diferentes graus de responsabilidade e autonomia.

Sr. Presidente, o desafio que, mais cedo ou mais tarde, teremos de vencer é a justiça de atribuirmos níveis de responsabilidades iguais a entes federativos tão desiguais. O desequilíbrio entre o poder nacional e o poder estadual é, a meu ver, um dos maiores entraves ao fim das disparidades regionais do qual decorrem todas as demais disparidades de que somos vítimas. Mas esse é um assunto para outra intervenção.

Muito obrigado a V. Exª.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MARCO MACIEL EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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DISCRIMINAÇÃO DE RENDAS NO BRASIL

Constituição de 1891 e de 1946

DISCRIMINAÇÃO CONSTITUIÇÃO DE 1891 CONSTITUIÇÃO DE 1946
Tributos exclusivos da União a) Importação;

b) Direitos de entrada e saída de navios;

c) Taxa de selo;

d) Taxa de correios e telégrafos.

a) Importação;

b)Transferência de quadros para o exterior;

c) Propriedade territorial rural;

d) Negócios de sua economia, atos e instrumentos regulados por lei Federal.

Tributos exclusivos dos Estados a) exportação;

b) imóveis urbanos e rurais;

c)Transmissão de propriedade;

d) Indústrias e profissões;

e) Taxas de solo e atos de sua competência;

f) Contribuições a seus telégrafos e correios.

a) Transmissão “causa mortis” de bens corpóreos e incorpóreos;

b) Vendas e consignações;

c) Exportação, com limite de 50% “ad valorem”.

Tributos da União partilhados com Estados e Municípios   a) Imposto único sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, minerais e energia elétrica: 60% para Estados e Municípios;

b) Imposto de consumo: 10% para os municípios, exceto o das capitais, distribuídos;

c) Imposto de renda: 15% para os municípios em partes iguais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2003 - Página 25248